Regra dos 3%: como criar um produto inovador com essa metodologia?

Regra dos 3%: como criar um produto inovador com essa metodologia?

Por:
Lucas Bicudo
Publicado em:
13/2/2023
Atualizado em:

Como criar um produto inovador passa certamente pela novidade, mas nesse caso, também passa pela familiaridade.

Greg Satell, autor do livro “Mapping Innovation”, afirma que é um erro acreditar que exista um único caminho para a inovação. Nesse sentido, a Matriz de Inovação fundamenta quatro tipos de como inovar: arquitetônica, disruptiva, incremental ou radicalmente.

Embora muitos pensem no conceito de inovação como algo inventivo, ela pode ser solução propositiva para melhoria de processos em áreas como Customer Experience (CX), Gestão de Pessoas e desenvolvimento de produtos na era digital.

Cada tipo de inovação se encaixa em um quadrante específico da Matriz de Satell. Logo, ficar preso em um conceito engessado leva a soluções pouco eficazes, uma vez que os problemas e desafios do dia a dia são variados e, para resolvê-los, são necessárias, muitas vezes, abordagens não convencionais.

Leia mais: O que é inovação? Definição, exemplos e mais

É por isso que em cada quadrante existem diferentes maneiras de encarar a inovação: elas são ferramentas que fornecem estratégias específicas para determinadas tarefas. À efeito de tangibilização, veja a parceria firmada entre Nike e Tiffany & Co, para produzir uma linha de tênis da marca esportiva com a icônica cor Tiffany Blue.

A lógica por trás da mudança mínima é melhor explicada por Virgil Abloh, fundador da marca Off-White e ex-diretor artístico de moda masculina da Louis Vuitton, em uma palestra na Universidade de Harvard em 2018. 

Abloh fez uma famosa linha de collabs com a Nike, em que pegou sapatos clássicos (por exemplo, Air Jordan I) e fez pequenas alterações (algum texto aqui, um acessório ali). Abloh explica que os “produtos da Nike eram tão bons” e “tão perfeitamente montados” que ele só queria fazer pequenas edições. Quis “reconhecer o sapato que já tinha em mãos,” mas colocar um toque autoral. 

Para tanto, chamou isso de “Regra dos 3%”, ou também, em outras palavras, um tipo de inovação incremental.

Leia mais: Quais são os 4 tipos de inovação?

O que é a regra dos 3%?

Ao pensar em inovação como sendo uma melhoria gradual de algum produto ou serviços já existente, falamos de inovação incremental. Tais melhorias tendem a reduzir o growth stall e aumentar, consideravelmente, seu market share, já que esses pequenos ajustes têm a capacidade de potencializar a satisfação e o desejo da sua base de clientes.

Com a “Regra dos 3%”, você altera um produto ou ideia em apenas 3% para criar algo totalmente novo. Por que a abordagem funciona? O ser humano deseja duas coisas que duelam:

  1. familiaridade (para nos dar conforto);
  2. e novidade (para satisfazer nossa curiosidade).

Em um artigo ao The Atlantic, Derek Thompson conta a história do designer industrial Raymond Loewy, um mestre em combinar esses dois elementos: familiaridade e novidade.

Em meados do século XX, a empresa de Loewy criou alguns dos logotipos mais icônicos da cultura americana, como os da Shell, Exxon, TWA, BP e Greyhound. Também foi a responsável por lançar ao mundo as máquinas de vendas automáticas de Coca-Cola e as clássicas caixas de Lucky Strike.

Em 1950, a Cosmopolitan Magazine escreveu que Loewy "provavelmente afetou a vida diária de mais americanos do que qualquer homem de seu tempo".

Loewy acreditava que os consumidores estavam divididos entre duas forças opostas: a neofilia, uma curiosidade sobre coisas novas; e neofobia, um medo de qualquer coisa muito nova. Como resultado, eles gravitam em torno de produtos ousados, mas instantaneamente compreensíveis. A filosofia de design do francês foi resumida em 4 letras — MAYA: “Most Advanced Yet Acceptable”.

“Venda algo surpreendente, tornando-o familiar; e venda algo familiar, tornando-o surpreendente.”
Raymond Loewy, um dos mais importantes designers industriais do século 20


A preferência pela familiaridade e a tendência de gravitar em direção às coisas que vemos com mais frequência é conhecida como “mero efeito de exposição”. Evolutivamente, isso faz sentido: os humanos são cautelosos em relação a novas imagens e sons porque podem ser perigosos (mas ficam mais confortáveis ​​se a suposta ameaça se revelar inofensiva após exposição repetida). 

No entanto, há limites para o quanto queremos ver a mesma coisa. É aí que está o pulo do gato: uma pequena mudança pode fornecer a novidade que os humanos também desejam. “Regra dos 3%”.

Com ícones culturais tão famosos quanto Nike e Tiffany, não faz muito sentido se afastar muito da estética familiar. Por que jogar fora décadas de brand equity e mind-share?

Claro, Virgil Abloh tinha críticos que chamavam sua abordagem de plágio limítrofe. Ele mesmo advertia contra o instinto de criar coisas do zero. 

“É importante reconhecer onde estamos na linhagem dos movimentos artísticos. Tenho certeza que em sua aula de [design], você está tentando se desafiar a inventar algo novo. Ser tão vanguardista. O que descobri trabalhando é que existimos por trás de muitas outras coisas em iterações antes de nós. Então, quando você pensa em nós como um coletivo, percebe que estamos todos caminhando na mesma direção”.

Sendo bem honesto, ao menos que você toque um riff na mesma potência que Jimmy Hendrix, a abordagem de construir sobre o que funciona faz sentido - mas não deveria.

Produtos inovadores que seguiram a regra dos 3%

Em 1979, a Absolut Vodka - que já tinha 100 anos na época - desembarcou no concorrido mercado norte-americano de vodka. Enquanto as marcas locais se digladiavam pela pureza do sabor, a Absolut entrou com uma abordagem baseada na estética de sua garrafa, projetada como um frasco de farmácia sueca do século XIX.

Em 1981, quando a campanha de lançamento foi às ruas, a Absolut vendeu 20 mil caixas. Nos 25 anos seguintes, a marca explorou todas as variações possíveis para o design de sua garrafa, transformada em figuras geométricas, geográficas, celebrações e fenômenos culturais, ao longo de mais de 1.500 campanhas publicitárias.

Em 2006, a Absolut vendia 4,5 milhões de garrafas por ano e era responsável por cerca de 50% das garrafas de vodka importadas nos Estados Unidos. A Absolut passou de underdog a dominante com uma ideia simples... repetida 1.500 vezes.

Mais uma vez, o cérebro busca familiaridade. E se você pode misturar uma nova repetição, é uma combinação potente. Na linguagem do marketing: a regra dos 7 afirma que um cliente em potencial deve ver uma marca pelo menos 7 vezes antes de tomar uma decisão de compra.

A equipe do Spotify descobriu que as playlists personalizadas do discover - que começaram como uma forma de recomendar músicas totalmente novas - tiveram melhor desempenho quando incluíam faixas que você já tinha ouvido anteriormente.

Pesquisadores de Harvard e Northwestern estudaram como o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH) avaliava suas submissões de pesquisa. Eles descobriram que o NIH deu as piores classificações aos artigos com as propostas “mais inovadoras”, enquanto os artigos com melhor desempenho fizeram apenas descobertas “razoavelmente inovadoras”. Havia um padrão de similaridade com o que já havia sido submetido retroativamente.

Leia mais: Estudo de caso Spotify, a disrupção no streaming de músicas

Regra dos 3% é dualidade justa, mas difícil de ser contestada

Há uma razão pela qual a Jornada do Herói, para o cinema, e os mesmos “Quatro Acordes”, para a música, continuam ressoando pela eternidade. Encontre algo que o inspire. Adicione sua perspectiva. Adicione seus 3%. 

É simplesmente errado dizer que todas as canções de “Quatro Acordes” soam iguais. “Let It Be” e “No Woman, No Cry” não soam nada parecidas. Se o propósito da música é comover as pessoas e as pessoas são movidas por aquilo que é sorrateiramente familiar, então os músicos – como arquitetos, designers de produtos, acadêmicos e qualquer outra pessoa criativa que pense que suas ideias merecem uma audiência – devem aspirar a uma mistura de originalidade e derivação. 

Esses compositores não estão refazendo os passos uns dos outros. Eles são mais como cartógrafos inteligentes que recebem um mapa enorme, cada um traçando novas rotas para o mesmo local.

Uma das tarefas finais de Loewy como designer industrial foi adicionar um elemento de familiaridade a uma inovação verdadeiramente disruptiva, não incremental: a primeira estação espacial da NASA. 

Loewy e sua empresa conduziram extensos estudos de habitabilidade e encontraram maneiras sutis de fazer com que os aposentos do espaço exterior se parecessem mais com casas terrestres – para que os astronautas “pudessem viver mais confortavelmente em ambientes mais familiares enquanto estivessem no espaço profundo em condições exóticas”, disse ele. 

Mas sua contribuição mais profunda para a estação espacial foi sua insistência para que a NASA instalasse um portal de visualização da Terra. Hoje, dezenas de milhões de pessoas já viram esse pequeno detalhe em filmes sobre astronautas. É difícil imaginar uma manifestação mais perfeita do conceito MAYA e da “Regra dos 3%”: uma janela para um novo mundo, que ao mesmo tempo é o seu lar.

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