Estudo de caso Spotify: a disrupção no streaming de músicas

Estudo de caso Spotify: a disrupção no streaming de músicas

Por:
Iara Rodrigues
Publicado em:
4/3/2022
Atualizado em:

O estudo do case Spotify analisa como essa plataforma de distribuição multimídia se tornou líder da indústria de streaming musical mundial e traz insights para que você também aplique no seu negócio.

Quando Martin Lorentzon e Daniel Ek tiveram a ideia de subverter o mercado de streaming com música online e gratuita, o case Spotify parecia inconcebível. 

No entanto, em pouco tempo, a empresa se tornaria referência na indústria digital.

Em 7 de outubro de 2008, quando foi ao ar a primeira versão do aplicativo, o cenário de concorrência era grande. Na preferência dos ouvintes: as empresas americanas Pandora e iTunes, sob comando da Apple.

Hoje, no entanto, quase 14 anos após o seu lançamento oficial, os resultados surpreendem. A empresa, no último trimestre de 2021, contava com: 

  • 406 milhões de usuários ativos;
  • 180 milhões de assinantes pagos;
  • 36% do mercado global de streaming de música;
  • usuários em 79 países em todo o mundo;
  • tem o segundo maior número de usuários nos EUA, com 47,2 milhões de clientes;
  • um catálogo de mais de 50 milhões de músicas;
  • um repertório de 40.000 novas músicas todos os dias.

Vamos analisar, então, o caminho percorrido pela plataforma para conquistar uma ascensão tão rápida no cenário mundial. 

O mercado da música digital

Antes do case Spotify se tornar o centro das atenções no mercado musical, o público se limitava a apenas alguns poucos serviços de streaming online. Vejamos:

Representação visual em hierarquia dos dados sobre a ascensão do streaming
(Na imagem: timeline do mercado de streaming musical)
(Crédito: G4 Educação)

No entanto, as críticas sobre a indústria da música cresciam, à medida que os próprios artistas se sentiam marginalizados pelas gravadoras que queriam mais controle sobre as suas produções.

Em resposta à falta de parceria e colaboração entre ambos, em 2007, a banda Radiohead introduziu um novo modelo de pagamento e distribuição para o lançamento de seu álbum utilizando um modelo de pague o que quiser via vendas online.

Desde então, o setor tem tido uma crescente na indústria da música, especialmente, com a contribuição da Napster, alguns anos antes, que disponibiliza os seus arquivos de áudio para usuários do mundo todo.

Embora a Napster tenha tido problemas com a lei devido à violação de direitos autorais e pirataria, a empresa colaborou, sobremaneira, com a criação de uma cultura de compartilhamento de música online. 

O seu impacto foi tão significativo que, em termos de faturamento, a indústria fonográfica viu as vendas globais de álbuns, que haviam atingido seu pico em 1999, com US$ 14,6 bilhões em receita, ruírem gradativamente. 

Em dez anos, o número caiu mais da metade e a mensagem foi clara: o streaming online se tornaria o futuro da música.

(Na imagem: pesquisa da Recording Industry Association of America)
(Crédito: Cascade)

Os grandes players do mercado também perceberam esse movimento. Vieram iTunes, Pandora, Amazon... E o ecossistema de streaming foi se formando.

No entanto, o universo da música online era completamente novo naquele momento. Existiam inúmeras possibilidades (e necessidades) de melhoria. 

Os dois serviços mais populares – iTunes e Pandora – tinham muitas limitações. Com Pandora, não se podia ouvir a música que desejava. Com iTunes, era necessário comprar as músicas para poder ouvi-las.

A dor do consumidor era simples. A música estava disponível, mas ninguém tinha controle sobre suas preferências. 

Pensando nesse gap do mercado, Martin Lorentzon e Daniel Ek identificaram uma grande oportunidade: simplificar o serviço de streaming e entregar, finalmente, o controle da ferramenta para o ouvinte.

”Discutimos muitas ideias e passamos muito tempo no meu apartamento em um subúrbio de Estocolmo. ... Nos sentamos em torno da minha máquina de mídia HTPC e pensamos que era complicado obter conteúdo, apesar da tecnologia existir (Napster) desde, pelo menos, 2000. Acho que é por isso que ficamos presos na ideia do Spotify”.
Daniel Ek, c-fundador do Spotify


E foi assim que o que parecia simples tornou-se um divisor de águas no mercado da indústria digital.

O foco na experiência do cliente que revolucionou a música

Diferente de outras grandes startups, a estratégia de lançamento do Spotify foi modesta e ficou focada, principalmente, na propaganda boca a boca, nas relações públicas e no co-marketing.

Como o Napster estava saindo de cena, após inúmeros conflitos com a justiça americana, as pessoas ansiavam por um substituto. 

E, com isso, a estratégia que parecia ser simples provou ser genial, considerando-se a rápida ascensão do aplicativo de músicas. 

Vejamos no contexto norte-americano, por exemplo, como isso se deu:

(Na imagem: pesquisa Statista estimates)
(Crédito: Statista)

Para ganhar força, o Spotify convidava blogueiros de música influentes da época para usar a versão beta dos seus serviços. Mas, foi além! 

No momento do lançamento, a plataforma optou por manter a assinatura premium aberta para todos e a sua versão gratuita estava disponível apenas por meio de convites. 

Dessa forma, o estudo de caso Spotify nos mostra como a empresa conseguiu utilizar o gatilho mental da antecipação de forma brilhante em seu pré-lançamento. 

A própria escassez do serviço contribuiu para o hype e a expectativa entre os amantes da música.

Como consequência, o resultado foi surpreendente e a equipe do Spotify trabalhou incansavelmente para corresponder a tantas expectativas que estavam sendo criadas no seu público. 

Os fundadores da empresa se desdobravam para tornar o serviço o mais personalizado possível para o seu consumidor. 

Segundo Daniel Ek, fundador da empresa, em uma sessão do Quora:

“Passamos uma quantidade insana de tempo focando na latência quando ninguém se importava, porque estávamos empenhados em fazer parecer que você tinha todas as músicas do mundo em seu disco rígido. A obsessão por pequenos detalhes às vezes pode fazer toda a diferença. Isso é o que eu acredito ser o maior equívoco sobre o conceito de produto mínimo viável. Esse é o V no MVP.” 

Esse pensamento possibilitou ao Spotify criar uma grande vantagem competitiva e implementar melhorias contínuas no serviço até se tornar a melhor experiência musical na indústria do streaming.

De Estocolmo para o mundo

Ao ser lançado e sair de sua versão beta, a Spotify foi disponibilizado apenas em 4 regiões: nos países escandinavos, Reino Unido, França e Espanha.

(Na imagem: Sede do Spotify, em Estocolmo)
(Crédito: Divulgação Spotify)

A estratégia utilizada pela empresa, antes de se aventurar pelos Estados Unidos, onde Pandora e iTunes eram as plataformas de música mais populares na época, era simples: ganhar significativa atenção da imprensa e do mercado. 

E deu certo: quando o Spotify estava pronto para ser lançado nos EUA, já tinha 6,67 milhões de usuários, com 1 milhão de assinantes pagos entre eles.

(Na imagem: efeito do lançamento nos EUA)
(Crédito: Cascade)

Para obter um alcance ainda maior, a empresa decidiu se associar a marcas famosas como Coca-Cola, The Daily, Chevrolet, Motorola, Reebok e Sonos. 

Sem dúvidas, o grande sucesso do case Spotify foi conseguir criar uma antecipação, seguida de promoção ativa, antes de seu lançamento oficial. 

Com essa estratégia do oceano azul, a empresa conseguiu conquistar terreno, antes mesmo que grandes players, como Apple e Google, tentassem reivindicar o seu espaço. 

Uma solução para a pirataria

O grande desafio do Spotify foi fornecer o mesmo serviço que o Napster, mas de uma forma legal e sem contratempos com a justiça. 

Não bastava ter força disruptiva, era necessário inovar para reformular os anseios da indústria. 

Para definir o que é inovação, o Spotify combinou conveniência e acessibilidade. 

A estratégia de marketing foi brilhante: criar recursos pelos quais as pessoas estivessem dispostas a pagar por eles. 

Assim, duas regras fundamentais foram estabelecidas: é permitido acessar qualquer música que você quiser ouvir e é possível fazer isso legalmente.

Além disso, a qualidade musical da ferramenta era superior, fazendo que valesse a pena pagar pelo serviço.

No entanto, o maior fator de sucesso do case Spotify é ter restaurado a liberdade e o controle aos usuários, algo até então ignorado pelos seus concorrentes.

Assim, garantindo conveniência e acessibilidade, o Spotify se tornou, de fato, uma alternativa mais simples e fácil à pirataria.

Como o Spotify se apropriou da regra 80/20

À medida que avançamos no estudo de caso Spotify, fica claro que a plataforma implementou a regra '80/20' "emprestada" de Andrew Chen com perfeição.

De acordo com Andrew Chen, as empresas podem utilizar 80% dos fundamentos de um modelo de negócios já estabelecido e reinventar ou improvisar nos outros 20%. 

A única condição é que a invenção seja única e diferenciada o suficiente para que o plano funcione com sucesso. 

Com certeza, podemos dizer que o modelo de negócios do Spotify foi um protótipo da implementação dessa estratégia, utilizando os seus 20% para superar as deficiências existentes no setor. 

Em suma, a empresa tem o mérito de ter conseguido usar os princípios das plataformas mais populares do mercado e recriar o seu modelo melhor e licitamente.

O modelo de negócios freemium

Inicialmente, quando o Spotify iniciou suas operações, deu aos clientes três planos de preços para escolher. Hoje, após atualizar o seu modelo de negócios, a empresa conta com apenas dois: gratuito e premium.

Com a conta gratuita, é possível ouvir músicas de celulares com a presença de anúncios e a restrição de 7 listas de reprodução.

As contas premium, por outro lado, oferecem tudo: acesso ilimitado e sem propaganda, opção de download, maior qualidade do áudio e listas de reprodução ilimitadas. 

No final das contas, qualquer que seja a conta que os clientes escolherem, eles garantem uma grande experiência. 

E é justamente neste ponto que o modelo de negócios freemium acontece.

O serviço, ao ser oferecido gratuitamente para os usuários, para se sustentar, precisa de alguma contraprestação de seus usuários premium no pagamento dos royalties envolvidos.

Nesse sentido, o Spotify retém apenas 30% de sua receita total. Os 70% restantes de seus ganhos são usados ​​para compensar as gravadoras e os detentores de direitos. 

(Na imagem: modelo Spotify para pagamento de royalties)
(Crédito: Cascade)

No entanto, a remuneração individual dos artistas não é regulamentada pela empresa. São os próprios titulares dos direitos que dividem esse dinheiro com base em seus termos.

Para isso, o Spotify usa uma combinação de variáveis para decidir a compensação devida. Em média, os detentores de direitos recebem, por stream, entre US$ 0,006 e US$ 0,0084.

Como se pode ver, implementar um modelo de negócios freemium não é uma tarefa fácil. Mas, sem dúvidas, foi um dos maiores fatores de sucesso do case Spotify. 

Parcerias e aquisições estratégicas para alavancar o crescimento

Em setembro de 2011, o Facebook (atual meta) e o Spotify anunciaram que seria possível compartilhar música através da plataforma de mídia social. 

Nas palavras de Daniel Ek, o Spotify estava levando a experiência musical para um novo patamar: 

"Acreditamos que a música é a coisa mais social que existe e é por isso que criamos os melhores recursos sociais no Spotify para facilitar o compartilhamento e o máximo em descoberta de música. Mesmo que você não seja um louco por música, é provável que tenha um amigo que é e cujo gosto você admira. Estou ansioso para me conectar com alguns de vocês no Spotify e descobrir algumas novas faixas legais."

A colaboração entre as empresas deu certo e foi criada a maior comunidade de músicas online do planeta.

O Facebook tinha mais um canal para atingir seus usuários e oferecer uma proposta valiosa aos já existentes e o Spotify, por outro lado, conseguiu 1 milhão de novos usuários da noite para o dia. 

Após o sucesso da parceria, em maio de 2013, o Spotify adquiriu o aplicativo de descoberta de música, Tunigo e a API de personalização de música mais importante da indústria de streaming de música online – The Echo Nest.

A indicação era clara: o Spotify queria personalizar a experiência musical para cada usuário e aperfeiçoar o algoritmo utilizado pela empresa.

Grandes movimentações ocorreram no mercado quando o Spotify se uniu à Sony, Uber, Starbucks, Tinder, BMW e outras grandes corporações para aumentar seu alcance. 

Hoje, a integração no aplicativo do Spotify é quase padrão. Até os aplicativos de namoro usam a informação sobre o gosto musical como credibilidade social. 

Em maio de 2015, a empresa optou por disponibilizar podcasts em sua plataforma. 

Porém, a partir de 2019, as reais intenções do Spotify perante o mercado de podcast ficaram, realmente, nítidas com a aquisição de três grandes companhias: Gimlet, Anchor e Parcast.

O objetivo de oferecer o conteúdo de podcast na plataforma foi aumentar o número de assinantes e o tempo de permanência e conexão dos seus ouvintes.  

No começo de 2020, seguindo a mesma estratégia, a empresa comprou o The Ringer, network de podcast com mais de 100 milhões de downloads por mês. 

No final deste mesmo ano, o gigante da música deu mais um passo anunciando a compra da Megaphone, plataforma   de   hospedagem   de   áudio   e   tecnologia   de   publicidade.

Neste caso, a estratégia de compra foi para dominar a tecnologia de inserção de publicidade (“Streaming Ad Insertion”) em tempo real.

Mas, o mais importante de todas essas articulações é o fato de o Spotify estar, definitivamente, disposto a assumir o controle da indústria de podcast, focando não mais em conteúdo puramente musical.

Considerações finais e o futuro do Spotify

O Spotify renovou a maneira como ouvimos música e agora está tentando redefinir o que ouvimos com a inserção massiva de podcasts. 

O estudo de caso Spotify deixa claro a perspectiva bastante óbvia, mas eficaz, que todos os outros grandes players conheciam, mas não implementavam com sucesso: a de colocar os seus clientes em primeiro lugar.

(Na imagem: Spotify no Brasil)
(Crédito: Statista)

As estratégias de Growth Hacking no Brasil, por exemplo, fizeram com que a empresa se tornasse líder absoluta de mercado. 

Este fenômeno não é um evento aleatório. Faz parte de movimentos estratégicos muito bem elaborados e pensados ​​pela empresa.

A jornada de conquista do Spotify na indústria da música online mostra como o foco em algo tão simples, como a satisfação e a experiência do cliente, pode levar uma empresa a se tornar líder de mercado. 

Mais inspirador que isso é a intenção da empresa de transcender o espaço musical.

Recentemente, por exemplo, a companhia decidiu fechar o seu escritório na Rússia em um claro manifesto político à invasão da Ucrânia.

Seja como for, a pergunta que fica é: será que no universo dos criptoativos musicais, como os royalties tokens e os shows no metaverso, a empresa conseguirá se adaptar da mesma forma como fez até agora?

Os NFTs já acenderam um alerta com a comercialização de músicas sem a necessidade de intermediários.

Será que o surgimento de um modelo de negócios descentralizado definirá a queda ou uma nova ascensão da plataforma?

Essas são questões que só o futuro poderá responder. Para o Saxo Bank, a expectativa é que o crescimento de alternativas descentralizadas faça o Spotify desvalorizar até 33% em 2022. Será?

Independentemente de qualquer coisa, não é possível duvidar do potencial de uma empresa que conseguiu sustentar um crescimento tão acelerado no longo prazo.

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