A bolha financeira das startups é real?
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A bolha financeira das startups é real?

A bolha financeira das startups é real?

Por:
G4 Educação
Publicado em:
31/1/2023

A bolha das startups é mais creditada à euforia do mercado do que a um gap de modelo de negócios rentável e operacional.

Para compreender como as tecnologias do jogo do exponencial evoluem, Peter Diamandis construiu um framework que apresenta uma escala de valor baseada em ?6Ds?.

6Ds Exponential Framework: o que muda o jogo para evitar a bolha das startups
6Ds Exponential Framework. (Crédito: Peter Diamandis)

O D da digitalização desperta a fagulha do uso inteligente dos dados digitais a favor de otimizar processos e tornar tarefas mais simples e eficientes. Esse é o momento em que a tecnologia começa a trabalhar a favor dos modelos de negócio.

À efeito de tangibilização, imagine comprar pela internet. A digitalização permitiu isso. Não é o fato de simplesmente sair da loja física e criar uma virtual: são os modelos incipientes de e-commerce que começaram a surgir no mercado.

No D da decepção, a tecnologia passa pela descrença do público: quem daria a credibilidade devida para transacionar uma operação financeira em um ambiente virtual, com uma contraparte cujo rosto você provavelmente nem veria?

No D da disrupção, é quando a curva do exponencial começa a mudar as regras do jogo. Empresas digitais, fundadas sob metodologias ágeis e modelos de negócios enxutos, aprenderam rapidamente como entregar valor real para uma dor. Sim, é seguro comprar online ? e cômodo, rápido, resoluto.

Uma vez que a tecnologia se torna disruptiva, o D da desmaterialização torna praticamente todos seus processos e produtos digitais. Ao ponto que chega no D da desmonetização, em que a tecnologia desbanca os modelos de negócio tradicionais.

Uma loja de shopping possui menos opções, a um preço superfaturado (por custos relacionados a aluguel e manutenção de infraestrutura), frente a um grande e-commerce de marcas agregadas, que gerencia toda sua operação em um sistema de nuvem.

O D final é o da democratização. Tecnologias antes restritas agora estão nas mãos de uma parte considerável da população.

O fracasso da bolha das pontocom precede o D da digitalização. Era investido um caminhão de dinheiro em empresas que, naquele momento, passavam pelo processo de digitização, no qual você transfere seus ativos analógicos para o mundo digital. Não era sobre inteligência e planejamento estratégico de negócios.

É importante compreender o conceito do 6Ds Exponential Framework, porque ele mostra de forma bem imagética como o Vale do Silício engoliu o desenvolvimento tecnológico do mundo nas últimas duas décadas.

Principalmente entre 2003 e 2006, com players como MySpace, Facebook, YouTube e Twitter, lançando a era das redes sociais. Puxaram o holofote do mundo, com estratégias de M&A sem precedentes e valuations colossais.

Esses modelos de negócio já nasceram enxutos e na era digital. Observaram com olhar clínico os pormenores de como uma solução era adotada em massa. Entenderam como agir estrategicamente em cada D do framework da tecnologia exponencial. Estavam entrincheirados já no próximo passo: o da Transformação Digital

A Netflix é um ótimo exemplo. Esperou até que a tecnologia que lhe aguardava fosse democratizada em larga escala. Hoje, enfrenta a televisão e os estúdios de produção de cinema de uma só vez, oferecendo uma vasta biblioteca de conteúdo sob demanda a preços ultracompetitivos.

A Transformação Digital ? de uma empresa que aprendeu a ser vanguardista nesta nova era ? deu à Netflix a capacidade de dominar mercados, resolver uma dor de forma simples e acessível e obter informações sobre hábitos e preferências de consumo sem precedentes.

Cases, cases e mais cases. Um mundo tecnológico em exponencial ascensão e muito dinheiro sendo injetado para que esse mundo de possibilidades fosse concretizado. Pavimentou o caminho para um universo de startups orbitarem o sol dos Venture Capitalists. Ao fechar da semana, um novo deal era feito com alguma solução mirabolante cujo pitch vencia pelo empreendedor. 

Se você quer saber mais sobre a consolidação e crescimento do cenário das startups, clique aqui. Duas décadas de progresso incalculável certamente merecem um recorte à parte. 

O artigo que segue se propõe a discutir as consequências da postura agressiva do mercado ao longo desse período e levantar a seguinte reflexão: tal qual as pontocom, estamos prestes a vivenciar uma bolha financeira das startups? 

O que configura como uma bolha? 

Uma bolha acontece quando há uma forte valorização em um determinado tipo de ativo, sem fundamentos que justifiquem isso. Como exemplo, voltemos à bolha das pontocom.

A Internet dava seus primeiros passos e as empresas passavam pelo processo de digitização ? transição do analógico para o digital. Ainda não existia a inteligência do uso de dados digitais. Não existiam modelos de negócios nativos das novas tecnologias, capazes de suportar um retorno sobre o investimento saudável.

A euforia em torno da Internet era grande. 

Em 2001, como foi desenvolvido no estudo de caso Microsoft, a chegada do Windows XP no mercado introduziu o primeiro sistema operacional na história a oferecer uma experiência de usuário equivalente tanto àqueles que estavam usando um computador em casa quanto àqueles que estavam usando um computador no escritório.

Todos queriam capitalizar a oportunidade, mas sem maturidade para dar retorno. Muito valorizadas, as empresas da bolha das pontocom não sustentavam seus valores. Furou.

Quando começaram a surgir indícios da bolha das startups? 

O artigo sobre a consolidação e crescimento das startups mostra o quanto esses negócios conseguiram devolver valor. Muitas vezes um valor tangível, muitas vezes um valor intangível. 

Fato é que o mercado, principalmente após a crise imobiliária dos Estados Unidos, aceitou mais o risco. Ao dizer que aceitou mais o risco, tomou investimentos com retorno mais a longo prazo, colocando alguns valores de impacto mais imensurável como medida.

Enquanto o vento soprou em popa, a liquidez permitia valorizar até demais um ativo. Quando o vento passou a soprar apenas pelo vão da porta, em decorrência do isolamento social causado pela pandemia do coronavírus, as justificativas para fundamentar tais valores foram sendo paulatinamente mais distantes e imprecisas.

A verdade é que, até o meio de 2020, ninguém sabia o que ia acontecer. O clima de incerteza pesou nos mercados financeiros globais e as ações de praticamente todos os setores despencaram rapidamente.

À exceção do mercado de tecnologia. 

No setor financeiro, a taxa de juros perto de zero não deu outra alternativa aos investidores a não ser aumentar sua exposição a ativos de risco para obter mais retorno.

A escolha mais óbvia foram as empresas de tecnologia, que se beneficiaram tremendamente com a mudança nos hábitos de consumo da população, inserida em um contexto de isolamento social. As pessoas compravam mais online, passavam mais tempo nas redes sociais e aumentou muito o número de pessoas que passaram a trabalhar e estudar remotamente.

Com a valorização do setor na bolsa, o valuation das startups decolou, o que fez com que esses negócios captassem mais dinheiro ? em um cenário de pandemia! O que era grande começou a inflar ainda mais.

O excesso de liquidez no mercado fez com que Venture Capitalists levantassem volumes recordes de recursos. Como não era do interesse dessas gestoras que esse dinheiro ficasse parado no caixa, elas precisavam achar um destino para empregar todo aquele capital de forma rápida.

Ninguém queria perder a oportunidade de encontrar o próximo unicórnio e multiplicar consideravelmente o capital. Investidores foram ficando cada vez menos criteriosos com a escolha de onde investir: tornou-se um duelo inconsciente de velocidade vs qualidade.

No caos eufórico de um mercado que continuava acreditando em criaturas mitológicas, foi priorizada a velocidade com a qual um aporte era realizado sobreposto à qualidade do negócio investido. Erro fatal.

Um exemplo claro desse movimento foi o case do Tiger Global. Um hedge fund gigantesco, que atuava majoritariamente no mercado de ações, ou seja, investia em empresas de capital aberto, e começou a realizar investimentos em startups a um ritmo frenético.

Com isso, o valuation das startups foi ficando cada vez mais alto, em um claro sinal de desequilíbrio entre oferta e demanda, ou seja, os fundos de Venture Capital não estavam dando conta de investir tanto dinheiro.

Enquanto a economia real afundava, com centenas de milhares de negócios fechados e milhões de pessoas desempregadas, o setor de tecnologia batia recorde atrás de recorde. Em agosto de 2020, a Apple atingiu a marca de US$ 2 trilhões de valor de mercado. Todas as chamadas Big Techs tiveram forte valorização em 2020.

A Nasdaq, que é a bolsa de valores que concentra as empresas de tecnologia, subiu mais de 42% no ano. Considerado por muitos como um ano extremamente desafiador, 2020 ficou marcado como um dos melhores anos da história do setor de tecnologia. 

2021 seguiu a euforia. Startups de todos os estágios aproveitaram a janela de oportunidade para captar o máximo possível de investimentos. Recorde de IPOs e investimentos em startups em todo o mundo. 

No total, 541 startups se tornaram unicórnios só em 2021. No Brasil não foi diferente. Por aqui, 10 startups se tornaram unicórnios, e diversas empresas de tecnologia abriram seu capital na B3. E algumas outras empresas, como Nubank e VTEX, foram atrás de capital internacional fazendo os seus IPOs na Nasdaq.

Não existia outro lugar para investir o dinheiro. Caçar o próximo unicórnio passou a ser uma obsessão no ecossistema. Enquanto isso, tome Tiger Global investindo: só em 2021, a gestora realizou 358 aportes em startups. É quase um investimento por dia.

2021 também é marcado por alguns sintomas de piora no cenário macroeconômico global. Dentre eles, o mais preocupante, a alta da inflação causada pela disrupção das cadeias de suprimentos e a injeção massiva de dinheiro na economia. O mercado? Ignorou os alertas e continuou despejando bilhões de dólares em startups com valuations cada vez mais esticados.

Seriam todos esses sinais de uma possível bolha?

Quais empresas foram mais impactadas pela bolha financeira das startups?

Após dois anos de forte crescimento das empresas de tecnologia, tudo levava a crer que 2022 seria mais um excelente ano para o setor. 

Em janeiro, a Apple já começava o ano atingindo a marca de US$ 3 trilhões de valor de mercado, primeira empresa da história a alcançar esse feito. 

Fevereiro, entretanto, chega com o anúncio da invasão russa em solo ucraniano. Todas as artimanhas geopolíticas envolvidas em interesses e concessões impactam as cadeias produtivas do mundo. O cenário inflacionário, que já era crítico devido à disparada dos preços das commodities, se tornou ainda mais desafiador.

Em março, o mercado sofreu mais um duro golpe: o banco central americano anunciou oficialmente a primeira elevação da sua taxa de juros desde 2018, com o objetivo de controlar a inflação. Logo, outros bancos centrais anunciaram medidas semelhantes. Os tempos de juros zero estavam com os dias contados.

Além de inflação e juros em alta, outro fator importante impactaria negativamente as empresas de tecnologia: as pessoas voltaram a sair de casa. Com a vacinação em massa, aos poucos a vida normal foi sendo retomada.

Todos aqueles que cresceram vertiginosamente pelas dores da pandemia, nesse momento de retorno, atingiram o chamado growth stall, ou seja, deixaram de crescer no mesmo ritmo. Todo o crescimento projetado por elas foi por água abaixo.

O Zoom, que foi a referência para videochamadas durante o isolamento social, viu suas ações caírem mais de 80% do pico atingido em 2021. A Amazon se tornou a primeira empresa a perder 1 trilhão de dólares em valor de mercado.

A Meta teve a sua ação desvalorizada em mais de 60%. A Magazine Luiza, queridinha da bolsa brasileira por toda a sua estrutura de tecnologia, viu o valor de seus papéis derreterem mais de 80% no ano, o equivalente a uma perda de R$ 120 bilhões em valor de mercado

Como consequência, algumas empresas começaram a passar por downrounds. Em outras palavras, eles descobriram que a empresa vale menos do que a última rodada de captação de investimento. Sendo assim, caso ela queira receber capital, ela precisa vender uma participação por um preço mais baixo que o atual.

Um caso emblemático é o da Shein, gigante chinesa do setor de vestuários, que em dado momento chegou a ter um valuation na casa dos US$ 100 bilhões. A empresa valia mais do que a Inditex, dona da Zara, a maior do setor e quatro vezes mais valiosa do que a H&M, outra varejista líder.

Pelo efeito do downround, na próxima avaliação, estima-se que a empresa perca em torno de US$ 36 bilhões em valor de mercado.

Será que a bolha das startups acabou? 

É necessário fazer uma distinção clara. O exemplo das pontocom abre esse conteúdo porque elucida bem o momento no qual a tecnologia não estava preparada para suportar um modelo de negócios sustentável.

Tal qual o 6Ds Exponential Framework também elucida como o setor de tecnologia, sobretudo o Vale do Silício, prosperou após prematuramente fracassar. Nenhuma empresa é bem-sucedida se ela não dá a contrapartida do lucro, ou do impacto para a sociedade, da construção de uma cultura organizacional.

As pontocom falharam porque foi investido um caminhão de dinheiro em uma mentalidade analógica para um mundo incipiente digital. Os primeiros modelos de negócios enxutos, que começam a mudar o jogo, sempre entregaram uma contrapartida, fosse o lucro (raramente), impacto para a sociedade ou a construção de uma cultura que mudasse a forma com a qual interagimos com as dinâmicas de trabalho. 

Por isso é um movimento tão longevo. Nem só tão longevo: um movimento em mutação, rápido, exponencial, tal qual a tecnologia que o permite experimentar. Estamos falando sobre nossas primeiras percepções acerca do mundo digital: vai falar que algumas décadas são suficientes para convencer que sabemos de tudo?

O que se fala sobre a bolha das startups é sobre o excesso do mercado em torno do setor. Isso existe. Os números são desproporcionalmente superlativos ? e se você for analisar na unha, tem muita ?solução de repartição pública?, com muito dinheiro investido.

Fora mais do que supracitado nesse conteúdo a euforia de investidores que priorizaram quantidade sobreposta à qualidade, em um contexto de mercado retraído. Não é necessário fazer mais do que uma simples matemática para entender que em algum momento essa corda vai estourar. Estourar tal qual uma bolha?

O ativo é sólido, o mercado só precisa acalmar os ânimos. Estamos passando por tempos turbulentos e nenhum setor é imune a irresponsabilidades sem medidas. Equilíbrio é tudo.

Não deixe de assistir "O Fim dos Unicórnios", primeiro episódio de Conectando os Pontos, série documental do G4 Educação. À medida que discutimos sobre a bolha financeira das startups e os valuations bilionários do setor, no primeiro episódio revelamos a realidade por trás das empresas unicórnio de um jeito que você nunca viu.

Queima de caixa, crescimento acelerado, baixas históricas. Você entenderá como estes e outros pontos se conectam para fundamentar seu repertório e compreender se esse unicórnios são um risco ou uma oportunidade.

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