Plataforma líder de streaming de vídeo em número de assinantes, a Netflix mudou a maneira de se ver e consumir entretenimento. A companhia conquistou essa proeza ao seguir a estratégia DHM, que basicamente visa “encantar os clientes de maneiras difíceis de copiar e aumentar a margem” de ganho.
A frase é atribuída ao norte-americano Gibson Biddle, ex-vice-presidente de Gestão de Produtos da Netflix, que popularizou o modelo DHM. Em um momento no qual as grandes companhias buscavam a satisfação do cliente, Biddle apostou que “encantar os clientes” seria “10 vezes melhor”.
A estratégia ou modelo DHM (Delight, Hard to copy, Margin enhancing) funciona por meio de um framework, no qual o modelo de negócios se encaixa na intersecção entre três círculos, cada qual respondendo a uma pergunta:
O framework DHM é aplicado pensando no longo prazo: o objetivo é que o negócio entre em um ciclo de melhorias contínuas do produto ou serviço. A busca pelo “encaixe” na intersecção dos três círculos nunca termina. A exemplo da Netflix, que mesmo consolidada no mercado continua aprimorando seu produto, seja atualizando o catálogo, expandindo sua produção ou criando novas funcionalidades, uma empresa deve se enxergar sempre como um “work in progress” e nunca como uma companhia estabelecida.
Veja mais sobre cada um dos círculos do framework DHM a seguir:
Encantar um cliente significa criar uma conexão emocional com ele, dentro do modelo DHM. Para isso, é necessário estudar e compreender os pontos problemáticos, dores, necessidades e desejos desse consumidor. Ao criar um produto que facilite sua vida, a conexão emocional pode ser estabelecida com o cliente, de forma a estimular que volte a comprar com a empresa.
Criar um produto difícil de ser copiado significa protegê-lo da imitação da concorrência na estratégia DHM. Isso pode ser alcançado por meio do poder da marca, da oferta de um diferencial ou por meio da implementação de processos complexos que automatizam ou reduzem os custos operacionais. O objetivo é criar barreiras à entrada de novos players que queiram disputar o mercado e o nicho consumidor do negócio.
“Eu tinha um líder de produto, o nome dele era HB. Ele se concentrou na página de não membros [na Netflix] e colocou uma foto de uma família feliz no sofá no campo de cadastro do e-mail. Isso atraiu muito mais pessoas. Eu disse: 'Isso é ótimo HB, mas aposto meu salário que dentro de uma semana, a Blockbuster vai colocar uma família feliz em seu ônibus também.' Esse é o problema de fazer coisas que são fáceis de copiar”, explicou Gibson Biddle em entrevista ao Lenny’s Podcast.
De acordo com Hamilton Helmer, autor do livro “7 Powers: The Foundations of Business Strategy”, existem sete vantagens competitivas difíceis de serem copiadas. Ter essas vantagens em um negócio cria barreiras à entrada de novos concorrentes. Estamos falando de marca, efeitos de rede, economia de escala, contra-posicionamento, custos de mudança, poder de processo e recurso capturado.
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O desafio da maioria dos empreendedores é um dos pilares do framework DHM, centralizando o objetivo de se criar um modelo de negócios sustentável no longo prazo. As empresas podem rever os custos operacionais, simplificar processos e ajustar modelos de preços a fim de conquistar um crescimento constante em seus resultados.
As principais vantagens de aplicar o framework DHM em um negócio são:
Em sua conta no Medium, o ex-vice-presidente de Gestão de Produtos da Netflix Gibson Biddle contou sobre a estratégia utilizada pela gigante do streaming para se consolidar no mercado. Confira abaixo como o framework foi aplicado ao modelo de negócios da plataforma:
Seguindo o passo a passo da estratégia DHM, o time de produtos da Netflix listou ideias para potenciais experimentos após identificar as dores e necessidades dos usuários que alugavam DVDs:
Com a lista em mãos, o time começou a realizar testes para validar se os pontos levantados eram de interesse dos clientes e se o produto teria aderência ao público.
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Dentro do framework DHM, a companhia utilizou o efeito de rede para ampliar sua base de usuários. Como seu produto exige que o cliente tenha um dispositivo com acesso à internet, a partir de 2008 a gigante do streaming fechou uma parceria com o Xbox. Assim, os clientes do videogame podiam acessar o aplicativo pelo console.
Nesse momento, as Smart TVs estavam entrando no mercado. O teste com o Xbox surtiu o efeito de rede esperado, e a Netflix conseguiu ampliar a quantidade de clientes.
A plataforma de filmes e séries replicou a fórmula e fechou outras parcerias. Hoje, quase todas as TVs, reprodutores de DVD/Blu-Ray, sistemas de jogos, decodificadores e dispositivos móveis são pré-conectados para transmitir Netflix.
Além disso, a empresa conta com tecnologia única, alto poder de processamento, uma economia de escala e uma marca consolidada no mercado.
Quando ainda brigava com o Blockbuster por uma fatia do mercado, a Netflix lançou uma campanha intitulada “Sem taxas atrasadas” em 2004. Esse contra-posicionamento colocou o concorrente de aluguel de DVDs em apuros, já que não podiam igualar a oferta: grande parte dos lucros da Blockbuster vinha justamente da cobrança de atraso na entrega dos
DVDs.
Os custos de mudança para os usuários também são uma barreira de entrada a novos players. Com contas personalizadas e catálogo extenso, a Netflix conseguiu fidelizar seu público. A empresa também investe em melhorias contínuas no produto e no serviço, mesmo tendo alcance global e a maior base de usuários.
Testes com randomização de títulos de filmes e séries, a possibilidade de pular a abertura das produções e o aprimoramento constante das sugestões para os usuários tornam a empresa bem posicionada quando se pensa na experiência e satisfação do cliente.
Hoje em dia, a Netflix é mundialmente conhecida como uma plataforma de streaming de filmes e séries. Mas esse nem sempre foi o modelo de negócio da companhia. Em 1998, a Netflix lançou um site de aluguel e compra de DVDs.
A Netflix parou de vender DVDs porque previu corretamente que a Amazon dominaria as vendas de DVD online. Quando o streaming foi lançado pela primeira vez em 2007, a companhia colocou um limite nas horas mensais de streaming, correspondente ao preço do plano de um membro. Os membros com o serviço de US$ 23 tinham direito a três DVDs por vez e streaming de 23 horas por mês.
Houve um momento em que a companhia inclusive anunciou que iria separar os serviços de streaming e de locação de DVDs, que passaria a se chamar Qwikster. O plano não saiu do papel, a empresa enfrentou a transição tecnológica que removeu os DVDs do mercado e se tornou líder do streaming mundial com um produto sem limite de horas mensais.
Tudo isso só foi possível porque a empresa foi adequando seu produto ao mercado, ao contexto histórico e à revolução digital que atravessou o mundo. O modelo DHM norteou a organização por essas transformações e a Netflix continua a buscar formas de aumentar sua margem de lucro por meio da inovação voltada a suprir as necessidades dos clientes.
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O framework DHM pode ser eficaz para direcionar sua companhia rumo à consolidação no mercado. O modelo auxilia um negócio a se manter focado em atender às necessidades do cliente por meio do encanto, mantendo os esforços na melhoria contínua de um produto ao longo do tempo e das gerações e buscando otimizar os ganhos.