Estratégia DHM: conheça o framework que alavancou a Netflix

Estratégia DHM: conheça o framework que alavancou a Netflix

Por:
Amanda Gushiken
Publicado em:
5/9/2023
Atualizado em:

Plataforma líder de streaming de vídeo em número de assinantes, a Netflix mudou a maneira de se ver e consumir entretenimento. A companhia conquistou essa proeza ao seguir a estratégia DHM, que basicamente visa “encantar os clientes de maneiras difíceis de copiar e aumentar a margem” de ganho.

A frase é atribuída ao norte-americano Gibson Biddle, ex-vice-presidente de Gestão de Produtos da Netflix, que popularizou o modelo DHM. Em um momento no qual as grandes companhias buscavam a satisfação do cliente, Biddle apostou que “encantar os clientes” seria “10 vezes melhor”. 

O que é e como funciona a estratégia DHM?

A estratégia ou modelo DHM (Delight, Hard to copy, Margin enhancing) funciona por meio de um framework, no qual o modelo de negócios se encaixa na intersecção entre três círculos, cada qual respondendo a uma pergunta: 

  1. Delight (do inglês, “encantar”): como posso encantar os clientes?
  2. Hard do copy (do inglês, “difícil de copiar”): como posso criar um produto diferente da concorrência e difícil de ser copiado?
  3. Margin enhancing (do inglês, “aumento de margem”): como posso aumentar a margem de lucro com o produto?

O framework DHM é aplicado pensando no longo prazo: o objetivo é que o negócio entre em um ciclo de melhorias contínuas do produto ou serviço. A busca pelo “encaixe” na intersecção dos três círculos nunca termina. A exemplo da Netflix, que mesmo consolidada no mercado continua aprimorando seu produto, seja atualizando o catálogo, expandindo sua produção ou criando novas funcionalidades, uma empresa deve se enxergar sempre como um “work in progress” e nunca como uma companhia estabelecida.

Representação do framework DHM
Framework DHM: seguindo os princípios de encantar cliente, ser difícil de copiar e aumentar a margem de lucro (Crédito: G4 Educação)


Veja mais sobre cada um dos círculos do framework DHM a seguir:

Delight: como encantar o cliente?

Encantar um cliente significa criar uma conexão emocional com ele, dentro do modelo DHM. Para isso, é necessário estudar e compreender os pontos problemáticos, dores, necessidades e desejos desse consumidor. Ao criar um produto que facilite sua vida, a conexão emocional pode ser estabelecida com o cliente, de forma a estimular que volte a comprar com a empresa.

Hard to copy: como criar um produto difícil de ser copiado?

Criar um produto difícil de ser copiado significa protegê-lo da imitação da concorrência na estratégia DHM. Isso pode ser alcançado por meio do poder da marca, da oferta de um diferencial ou por meio da implementação de processos complexos que automatizam ou reduzem os custos operacionais. O objetivo é criar barreiras à entrada de novos players que queiram disputar o mercado e o nicho consumidor do negócio.

“Eu tinha um líder de produto, o nome dele era HB. Ele se concentrou na página de não membros [na Netflix] e colocou uma foto de uma família feliz no sofá no campo de cadastro do e-mail. Isso atraiu muito mais pessoas. Eu disse: 'Isso é ótimo HB, mas aposto meu salário que dentro de uma semana, a Blockbuster vai colocar uma família feliz em seu ônibus também.' Esse é o problema de fazer coisas que são fáceis de copiar”, explicou Gibson Biddle em entrevista ao Lenny’s Podcast.

Quais são os tipos de barreiras à entrada de concorrentes?

De acordo com Hamilton Helmer, autor do livro “7 Powers: The Foundations of Business Strategy”, existem sete vantagens competitivas difíceis de serem copiadas. Ter essas vantagens em um negócio cria barreiras à entrada de novos concorrentes. Estamos falando de marca, efeitos de rede, economia de escala, contra-posicionamento, custos de mudança, poder de processo e recurso capturado.

  • Marca: construir uma marca com forte propósito, bem posicionada, com autoridade e que gere confiança nos clientes é um desafio. Apesar de ser uma tarefa de longo prazo, essa é uma estratégia forte que vale o investimento. Marcas consolidadas e fortes no imaginário coletivo tendem a possuir maior expectativa de vida, além de trazer maiores resultados financeiros. 
  • Efeitos de rede (do inglês, Network effect): o efeito de rede se refere ao aspecto de alguns produtos que estabelece que quanto mais pessoas usam o produto, mais útil ele se tornará para essas pessoas. Por exemplo, as redes sociais ganham mais utilidade cada vez que novos usuários se cadastram para compartilhar conteúdos e consumir dentro da plataforma, pois ampliam as chances de novas conexões para quem está lá.. 
  • Economia de escala: de nada adianta ter uma empresa que tenha um bom produto se esse produto não for escalável. As companhias precisam desenvolver produtos que possam ter sua produção expandida sem que os custos também fiquem maiores. A operação da empresa deve ser sustentável e saudável. Ter um negócio com uma economia de escala significa criar algo que possa ser reproduzido em grandes quantidades, mantendo a rentabilidade.
  • Contra-posicionamento: é uma oferta ou atitude que a empresa decide adotar e que vai contra os concorrentes. Por exemplo, no início das operações, a Uber ficou conhecida porque os motoristas do aplicativo ofereciam água e balas aos passageiros. A concorrência, no caso os táxis, não cobriram a oferta do novo player. Em pouco tempo, o aplicativo de viagens conquistou o mercado que antes era dos taxistas. 
  • Custos de mudança: essa vantagem competitiva existe quando os clientes investem tanto em um produto ou serviço que se torna um entrave mudar para a concorrência. Essa abordagem é bastante utilizada por serviços de telefonia, uma vez que as empresas vinculam suas operações principais a serviços anexos. Assim, mudar para outra provedora pode ser trabalhoso e implicar em custos extras. Para evitar esse incômodo, muitos clientes permanecem fiéis às marcas das quais são assinantes. 
  • Poder de processamento: está ligado às companhias com atuação altamente dependente de tecnologia. O poder de processamento de uma empresa refletirá diretamente em seus resultados, pois diz respeito a quão rápido ela consegue produzir, desenvolver e distribuir seu negócio. 
  • Recurso capturado: pode ser humano, financeiro ou de natureza administrativa, bastando que seja impossível de ser copiado e difícil de ser “roubado” pela concorrência. Alguns exemplos de recursos capturados são as patentes ou a aquisição de talentos. 

Leia mais: Design Sprint: o que é e como funciona a metodologia do Google?

Margin enhancing: como aumentar a margem de lucro do negócio?

O desafio da maioria dos empreendedores é um dos pilares do framework DHM, centralizando o objetivo de se criar um modelo de negócios sustentável no longo prazo. As empresas podem rever os custos operacionais, simplificar processos e ajustar modelos de preços a fim de conquistar um crescimento constante em seus resultados.

Quais são as vantagens da estratégia DHM?

As principais vantagens de aplicar o framework DHM em um negócio são:

  1. Obter clareza sobre as prioridades de definição, desenvolvimento e funcionalidade do produto.
  2. Enfatizar uma abordagem centrada no cliente para o desenvolvimento de produtos.
  3. Priorização operacional de desenvolvimento dos recursos e funcionalidades críticas do produto para alavancar o crescimento do negócio.
  4. Aproveitar a coleta de dados em tempo real para decisões de negócios.
  5. O modelo é aplicável a empresas de todos os tamanhos e de diferentes setores.

Case: Netflix

Em sua conta no Medium, o ex-vice-presidente de Gestão de Produtos da Netflix Gibson Biddle  contou sobre a estratégia utilizada pela gigante do streaming para se consolidar no mercado. Confira abaixo como o framework foi aplicado ao modelo de negócios da plataforma:

Como a Netflix encantou seus usuários?

Seguindo o passo a passo da estratégia DHM, o time de produtos da Netflix listou ideias para potenciais experimentos após identificar as dores e necessidades dos usuários que alugavam DVDs:

  • Contar com uma grande seleção de filmes e programas de TV
  • Entrega instantânea do filme ou programa via streaming
  • Contar com recursos para tornar fácil encontrar e assistir filmes e séries
  • Tornar a experiência divertida no site
  • Oferecer ferramentas exclusivas de localização de filmes
  • Visualizar as sugestões de filmes de amigos
  • Ter acesso a conteúdo original
  • Poder assistir compulsivamente séries de TV
  • Qualidade de vídeo 4K com som surround
  • Disponibilidade em todos os dispositivos, “a qualquer hora, em qualquer lugar”
  • Possibilidade de ter escolhas personalizadas para cada membro da família
  • Possibilidade de baixar vídeos para reproduzir mais tarde
  • Oferecer histórias interativas e ramificadas
  • Capacidade de reproduzir vídeos mais rápido/lento
  • Contar com grade de esportes ao vivo
  • Contar com notícias e eventos atuais
  • Possibilidade de acessar histórias imersivas em 3D/VR.

Com a lista em mãos, o time começou a realizar testes para validar se os pontos levantados eram de interesse dos clientes e se o produto teria aderência ao público.

Leia mais: Bullseye Framework: o que é e como aplicar na gestão de negócios?

Como a Netflix criou um produto difícil de ser copiado?

Dentro do framework DHM, a companhia utilizou o efeito de rede para ampliar sua base de usuários. Como seu produto exige que o cliente tenha um dispositivo com acesso à internet, a partir de 2008 a gigante do streaming fechou uma parceria com o Xbox. Assim, os clientes do videogame podiam acessar o aplicativo pelo console. 

Nesse momento, as Smart TVs estavam entrando no mercado. O teste com o Xbox surtiu o efeito de rede esperado, e a Netflix conseguiu ampliar a quantidade de clientes.

A plataforma de filmes e séries replicou a fórmula e fechou outras parcerias. Hoje, quase todas as TVs, reprodutores de DVD/Blu-Ray, sistemas de jogos, decodificadores e dispositivos móveis são pré-conectados para transmitir Netflix.

Além disso, a empresa conta com tecnologia única, alto poder de processamento, uma economia de escala e uma marca consolidada no mercado. 

Quando ainda brigava com o Blockbuster por uma fatia do mercado, a Netflix lançou uma campanha intitulada  “Sem taxas atrasadas” em 2004. Esse contra-posicionamento colocou o concorrente de aluguel de DVDs em apuros, já que não podiam igualar a oferta: grande parte dos lucros da Blockbuster vinha justamente da cobrança de atraso na entrega dos
DVDs. 

Os custos de mudança para os usuários também são uma barreira de entrada a novos players. Com contas personalizadas e catálogo extenso, a Netflix conseguiu fidelizar seu público. A empresa também investe em melhorias contínuas no produto e no serviço, mesmo tendo alcance global e a maior base de usuários. 

Testes com randomização de  títulos de filmes e séries, a possibilidade de pular a abertura das produções e o aprimoramento constante das sugestões para os usuários tornam a empresa bem posicionada quando se pensa na experiência e satisfação do cliente. 

Como a Netflix aumentou sua margem de lucro?

Hoje em dia, a Netflix é mundialmente conhecida como uma plataforma de streaming de filmes e séries. Mas esse nem sempre foi o modelo de negócio da companhia. Em 1998, a Netflix lançou um site de aluguel e compra de DVDs. 

A Netflix parou de vender DVDs porque previu corretamente que a Amazon dominaria as vendas de DVD online. Quando o streaming foi lançado pela primeira vez em 2007, a companhia colocou um limite nas horas mensais de streaming, correspondente ao preço do plano de um membro. Os membros com o serviço de US$ 23 tinham direito a três DVDs por vez e streaming de 23 horas por mês. 

Houve um momento em que a companhia inclusive anunciou que iria separar os serviços de streaming e de locação de DVDs, que passaria a se chamar Qwikster. O plano não saiu do papel, a empresa enfrentou a transição tecnológica que removeu os DVDs do mercado e se tornou líder do streaming mundial com um produto sem limite de horas mensais.  

Tudo isso só foi possível porque a empresa foi adequando seu produto ao mercado, ao contexto histórico e à revolução digital que atravessou o mundo. O modelo DHM norteou a organização por essas transformações e a Netflix continua a buscar formas de aumentar sua margem de lucro por meio da inovação voltada a suprir as necessidades dos clientes. 

Leia mais: The Golden Circle: como funciona o framework + 20 exemplos

Conclusão

O framework DHM pode ser eficaz para direcionar sua companhia rumo à consolidação no mercado. O modelo auxilia um negócio a se manter focado em atender às necessidades do cliente por meio do encanto, mantendo os esforços na melhoria contínua de um produto ao longo do tempo e das gerações e buscando otimizar os ganhos. 

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