Stelleo Tolda: “Todas as empresas e todas as pessoas têm capacidade de inovar"

Stelleo Tolda: “Todas as empresas e todas as pessoas têm capacidade de inovar"

Por:
André Teixeira
Publicado em:
26/2/2024
Atualizado em:

Inovação é um dos maiores desafios que empresas tradicionais enfrentam. Não por sua incapacidade de inovar, mas por acreditarem que não são capazes. Acreditando que não conseguem se adaptar à tecnologias que estão chegando, abandonam todo o conceito de inovação. 

Stelleo Tolda, cofundador e ex-presidente do Mercado Livre, não acredita nisso. Para ele, toda empresa pode (e deve) colocar a inovação no seu DNA. “Eu discordo veementemente que inovação só acontece em empresas de tecnologia”, afirmou em entrevista exclusiva para o G4 Educação

Para aqueles dispostos a aprender, o Mercado Livre oferece uma verdadeira aula sobre inovação. Ele transformou o comércio e varejo, mas não parou por aí. Seu ecossistema possui mais de 5 negócios adjacentes que permeiam áreas como logística e financeira. E Stelleo esteve presente desde o dia 1. 

Mas engana-se quem acredita que o “segredo” para o sucesso do Mercado Livre repousa nas tecnologias da empresa. Para Stelleo Tolda, “a inovação passa necessariamente pela cultura“. Aliás, cultura e liderança são os pilares mais citados pelo empresário durante a conversa. 

Confira a entrevista na íntegra com Stelleo Tolda e entenda sua perspectiva sobre inovação.

A palavra “inovação” tem diferentes significados para diferentes líderes. O que significa inovação para você? 

Para mim é fazer diferente, fazer algo novo. Tecnologia é apenas o meio e não um fim em si. Porque, na verdade, a gente está lidando com humanos. E a tecnologia tem como objetivo contribuir para a vida desses humanos.

Às vezes, as pessoas confundem inovação com invenção. Claro que uma invenção pode ser também uma inovação, mas a maioria não é. Inovações não são só aquelas que não se baseiam em nada do que foi feito anteriormente. Muitas vezes, inovação é uma adaptação de algo que já foi feito, é uma forma de melhorar algo que já é conhecido. 

Você acredita que a inovação é importante para qualquer negócio? 

Acredito. Acho que é importante para todo CEO estar atento ao seu contexto, entender os sinais do mercado e não ser pego de surpresa. Porque as coisas mudam rápido e se você não fizer nada, efetivamente estará fadado a morrer. 

A inovação está ligada a entender o contexto em que vivemos e, muitas vezes, mudar a direção da companhia para se adaptar. 

Vivemos em um ambiente de incerteza. Quatro anos atrás, ninguém podia prever uma pandemia. Mas todos nós fomos obrigados a nos adaptar à nova realidade. Não temos uma pandemia todo ano, é verdade, mas temos um cenário de incerteza. 

Inovar é se adaptar a isso. Não controlamos o contexto, mas podemos entendê-lo. 

Mas como construir uma “empresa inovadora”? Como transformar a vontade de inovar em ações práticas? 

Para mim, a inovação passa necessariamente pela cultura da empresa. Por quê? Porque a cultura vem de cima. Ela é exemplificada para a empresa, pela liderança. Se a liderança não tem a convicção forte de que é necessário inovar, não serão os comitês de inovação ou o Chief Innovation Officer (CIO) que farão isso. 

A cultura começa de cima e precisa permear a empresa como um todo. Quando uma empresa é inovadora, é porque a liderança é inovadora, e porque ela soube transmitir isso, contratar pessoas pensando nisso e desenvolver pessoas pensando nisso. Se ela não faz isso, se a inovação é uma convicção que permanece só com a liderança, temos um problema. 

Eu gosto de reforçar o imperativo que existe na inovação. Imperativo quer dizer que você tem que fazer, porque se não fizer, há o risco da empresa morrer. É por isso que a cultura precisa vir de cima. Uma liderança ativa, e que entende esse imperativo, age para que essa transformação aconteça na empresa como um todo. 

O que é uma cultura inovadora? Para mim, é uma cultura que não se dá por satisfeita. Uma cultura de excelência, que entende o valor que gera para seus clientes e sabe como desenvolvê-lo.


Como a inovação é pensada e construída no Mercado Livre?

O Mercado Livre surgiu com uma forte convicção de que a tecnologia iria mudar a vida das pessoas. Em 1999, pouco tempo depois do começo da internet comercial e do advento do Netscape, eu, o Marcos Galperín e o Hernan Kazah percebemos que havia uma grande transformação em curso. Para nós, estava claro que essa tecnologia ia trazer transformações para o comércio e varejo. A gente viu (e ainda estamos vendo) o quanto seria possível consumir, viver e participar do mundo digital. 

Mas isso não quer dizer que as pessoas que não estão a todo momento nesse mundo online, também não possam inovar nas suas empresas. Eu costumo dizer que no Mercado Livre, o nosso Departamento Jurídico é uma área inovadora. Algumas pessoas podem até achar que o Jurídico é uma coisa mais conservadora, que segue um padrão básico, mas não é assim. A nossa equipe jurídica entendeu que o mundo estava mudando e que as leis, de certa forma, também precisavam se adaptar à realidade desse mundo online. 

Transformar um negócio pode ser bastante desafiador. Você acredita que existe um momento certo para se planejar e um momento certo para tomar decisões? 

Isso vai ser diferente para algumas empresas e setores. Mas voltando para a história do Mercado Livre, nós acreditávamos que a tecnologia iria mudar a vida das pessoas. Outras empresas incumbentes que já estavam nesse setor, talvez não entenderam isso no primeiro momento. 

Às vezes a coisa acontece muito rápido, mas quando você analisa em retrospecto, percebe que muitos sinais já estavam ali. Eu acho que sempre dá tempo de planejar, mas a tomada de decisão precisa ser assertiva, decisiva. Isso significa que você tem que deixar coisas para trás. Podem ser até coisas boas para empresa , mas que para um novo momento não vão mais funcionar. E isso pode ser muito difícil para qualquer empresa, ter uma “galinha dos ovos de ouro” e enxergar que o mundo está indo em outra direção. 

Para uma empresa de varejo em 1999, talvez a internet parecesse só uma novidade. Mas em 2005 as coisas já eram diferentes. Quem não fez nada entre 1999 e 2005, perdeu tempo e em alguns casos efetivamente ficou para trás. Existe tempo para planejar, mas ao mesmo tempo é preciso ser muito assertivo nas decisões. 

E como encontrar o equilíbrio entre as ações que focam no presente e ações pensando no futuro da companhia? 

Para mim, isso realmente passa pela liderança. É ela que dita o ritmo da empresa e vai saber dosar a ênfase entre o curto e o longo prazo. É desafiador, mas acho que todas as empresas precisam ter um olho para o presente e outro para o futuro. 

É preciso ter pessoas ou áreas que se dedicam mais ao curto prazo e outras ao longo prazo. Não estou dizendo “bota todo mundo que é de Operação só para operar, e bota todo mundo que é criativo para pensar no futuro, em desenvolvimento e pesquisa”. Não é isso. Acho que mesmo nas áreas de Operação, você quer ter pessoas que são capazes de inovar, que são capazes de fazer coisas diferentes. 

Na área de logística do Mercado Livre, por exemplo, a gente começa o dia com uma quantidade de entregas a ser feita, uma estimativa de quantas novas vão chegar ao longo daquele dia, baseado no nosso forecast, e temos que nos preparar para isso. Mas ao mesmo tempo temos projetos, planos e desenvolvedores que estão trabalhando em inovações para a área. 

Uma empresa madura não perde de vista as duas coisas. Ela tem um olhar para o dia a dia, e outro para o futuro. Você precisa de recursos, mas, acima de tudo, você precisa de uma cultura e uma liderança que pensa em excelência e em inovação o tempo todo. 

Um relatório recente da McKinsey apontou que os CEOs de grandes empresas globais estão apostando em inovações ligadas à geração de novos negócios, como solução para os desafios de tempos incertos. Qual é a sua opinião sobre isso? 

A primeira questão que eu levanto é sobre o motivo que leva uma empresa a tomar uma decisão de abrir um novo negócio. Da forma como eu vejo, é importante ser não só uma forma de ler a realidade do mercado, mas também entender as necessidades dos seus clientes. 

Para mim, criar um novo negócio porque o seu concorrente está fazendo ou porque você ouviu um consultor não são bons motivos para se lançar em um novo negócio. Primeiro você tem que entender se isso é uma necessidade do seu cliente, se isso passa efetivamente por uma melhora na experiência daquilo que você oferece ao seu cliente. Se é uma adjacência natural do seu negócio core

Do contrário, por que você vai fazer isso?

O ecossistema do Mercado Livre representa muito dessa adjacência natural que você comentou. Como esses novos negócios foram planejados? 

O Mercado Livre surgiu como um marketplace de comércio eletrônico. Um lugar onde vendedores e compradores se encontravam. Muito cedo nessa história, nós identificamos que existia um grande ponto de fricção nas negociações, que era a questão da confiança. 

Por que confiança? Porque o vendedor não conhecia o comprador, muitas vezes não estavam nem na mesma cidade. Primeiro, o comprador enviava o pagamento para o vendedor, e só depois que o dinheiro caía na conta, o vendedor mandava o produto. 

Lançamos o Mercado Pago em 2004 com a intenção de gerar mais confiança entre as partes, servindo como um garantidor da transação. Nós recebíamos o pagamento do comprador, avisávamos o vendedor que ele podia enviar o produto e só depois que o comprador confirmasse o recebimento, liberávamos o dinheiro do vendedor líquido, descontando as comissões. 

Foi a forma que encontramos para melhorar esse grande ponto de fricção. Ao longo do tempo, fomos agregando outros meios de pagamento e ali vimos que isso era um “motorzinho de pagamentos” que poderia ser útil para outras empresas, além do nosso marketplace. Então, passamos a oferecê-lo para terceiros, como uma solução de pagamentos para outros sites e aplicativos. Hoje, o Mercado Pago é um banco digital completo que oferece não só pagamentos, mas outros serviços financeiros. 

A história do Mercado Envios é semelhante. Também estávamos lidando com um grande ponto de fricção no marketplace, que era a questão da logística. Até então, o vendedor enviava o produto pelos correios ou por uma transportadora, independente do Mercado Livre. As informações sobre a entrega do produto não passavam por nosso ambiente. 

Entendemos que precisávamos nos debruçar sobre isso. Com o tempo, a solução foi aprimorada e o que havia começado como uma integração com os Correios se transformou em uma rede de distribuição com grande operação de logística.

Quais são os aprendizados importantes na criação desse ecossistema? 

Quando criamos esses novos negócios, não pensamos em fazer um novo negócio em si, mas em resolver grandes pontos de fricção e melhorar a experiência dos nossos clientes. 

Além disso, eles não nasceram prontos. Foram desenvolvidos ao longo de bastante tempo, aprimorados para que efetivamente se tornassem soluções exclusivas. Outro ponto: eles foram lançados pensando no nosso negócio core. Só depois de algum tempo, entendemos que ele poderia ser oferecido também para parceiros fora desse ambiente core

A visão do ecossistema que o Mercado Livre tem nasceu do mais básico: entender a necessidade dos clientes e ter uma cultura de excelência. 

Você acredita que existe um risco de as empresas se “desviarem” do seu propósito à medida que criam novos negócios? 

Sim. Mas não deveria acontecer se a sua cultura for mais forte. Ou seja, se a cultura for calcada nos valores, nos princípios e no propósito da empresa.

No caso do Mercado Livre, posso dizer que não foi o lançamento de novos negócios que nos afastou do nosso propósito. No caso da logística, a gente precisou trazer pessoas que tinham trabalhado em outros ambientes corporativos, com outras culturas. Os que ficaram foram aqueles que souberam se adaptar ao ambiente do Mercado Livre e os que não ficaram foram os que não souberam.

Não é o fato de você vir de uma outra cultura que quer dizer que você não possa se adaptar a uma nova cultura. Não foi a nossa cultura que foi transformada por conta das novas pessoas, mas as pessoas que foram transformadas por ela.

Com a Inteligência Artificial (IA) ganhando cada vez mais espaço nas discussões de negócios, qual conselho você daria a empresários que querem usar a IA na operação? 

O empresário tem que ter bastante cuidado com relação às novidades. É preciso saber diferenciar o que efetivamente pode trazer grande impacto para o seu negócio, daquilo que não. Por que eu digo isso? Porque a gente a todo momento é alimentado com novidades. Existe sempre um “sabor do mês”. 

Não é o caso da Inteligência Artificial. Ela realmente pode mudar o nível de produtividade de uma empresa. Porém, não adianta uma empresa querer olhar para a Inteligência Artificial se ela não está fazendo o básico em tecnologia. Se a empresa não sabe trabalhar com dados, se não tem uma equipe de desenvolvedores, se não tem uma transformação digital em curso e se na cultura da empresa não existe essa visão, não adianta. 

Quem simplesmente ouviu falar de Inteligência Artificial e acha que precisa fazer alguma coisa, sem ter feito esse monte de outras coisas antes, está fadado ao insucesso. Você tem que estar atento ao contexto, tem que saber dizer o que é furada, o que é o “sabor do mês” e o que pode ser transformador para o seu negócio. Mas, às vezes, você também tem que fazer o dever de casa antes de se lançar nas novidades.

Quando é tarde demais para inovar? 

Nunca é tarde demais para inovar! Todas as empresas e todas as pessoas têm capacidade de inovar. 

Para mim, o empreendedor tem que ser otimista por natureza. Dificuldades vão existir, é preciso matar um leão por dia. Mas ele tem que imaginar que é possível e que é capaz. 

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