Em 2015, a ONU apresentou ao mundo seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, uma parte fundamental para o cumprimento de sua agenda mundial de políticas públicas que devem ser implementados até 2030. Desse momento em diante, a pauta se intensificou e as chamadas empresas sustentáveis também ganharam os holofotes.
No entanto, oito anos se passaram desde o anúncio dos ODS e durante esse tempo, grandes companhias se comprometeram com metas sustentáveis - muitas delas ambiciosas - e que em meio a conflitos políticos, crise econômica e uma pandemia, enfrentaram ainda mais desafios para serem implementadas.
A crise climática, ocasionada tanto por mudanças naturais como por ações humanas, envolve uma série de riscos sociais, ambientais e econômicos que demandam ações imediatas – não só de instituições e governos, como também do setor empresarial, que se optar por não agir pode pagar uma conta alta.
De acordo com um relatório divulgado pela seguradora Aon Plc, secas que aconteceram no Brasil e na África Oriental durante este ano custaram cerca de US$ 6 bilhões e inundações no sul da Ásia mais de US$ 8 bilhões.
Os compromissos de net-zero, proteção da fauna e da flora, e principalmente, financiamento climático foram discussões prioritárias durante a COP27 que aconteceu em novembro de 2022, e as empresas devem dar prioridade para essas questões, afinal, o espaço que ocupam não é modesto.
Para termos uma ideia, só a indústria têxtil responde por até 5% das emissões de gases de efeito estufa, sendo assim, o terceiro setor mais poluente do mundo.
O cenário repleto de obstáculos pode levar a uma pergunta simples mas fundamental: o que os CEOs estão pensando sobre sustentabilidade a essa altura? O estudo realizado pelo Pacto Global da ONU e a consultoria Accenture tenta responder.
Em sua 12ª edição, o estudo reuniu insights de mais de 2.600 CEOs sobre seus esforços em sustentabilidade e como estão lidando com o tema nas empresas. De 18 indústrias e 128 países, há um consenso a respeito do processo: os desafios são inúmeros.
No estudo de 2021 já havia indícios de que as metas de sustentabilidade estavam longe de onde deveriam estar, no entanto, nessa edição, a preocupação é evidente. Enquanto 93% dos respondentes dizem estar enfrentando 10 ou mais desafios simultâneos, 87% deles acreditam que as mudanças bruscas no mundo irão impactar diretamente as entregas dos ODS.
Enquanto enfrentam consequências da pandemia, efeitos da guerra e conflitos geopolíticos, CEOs de todo mundo compartilham suas incertezas e frustrações quanto ao futuro, apresentando suas perspectivas e compromissos com iniciativas sustentáveis que se tornam cada vez mais urgentes.
Antes de entrar a fundo no estudo, vale destacar o papel do CEO em uma companhia. Embora nenhuma empresa seja igual e haja alguma variação nas entregas, o CEO é responsável pela estratégia e pela visão da empresa, além de manter foco na direção, na gestão dos investidores e do mercado como um todo.
Portanto, o CEO ocupa um lugar de destaque em qualquer companhia que deseja perpetuidade. Entre definir objetivos, recrutar equipes e construir uma empresa em que as pessoas gostem e queiram estar, o CEO é responsável por criar uma cultura baseada em valores e com propósito.
Nesse sentido, as metas sustentáveis se relacionam diretamente com a estratégia de uma companhia, e por sua vez, com o CEO.
A pesquisa descobriu que 98% dos líderes concordam que sustentabilidade é assunto primordial em seus cargos, um crescimento de 15% em comparação aos últimos 10 anos.
A seguir, separamos os principais insights do estudo mais completo sobre o tema.
“Estamos no meio do alcançar os ODS, e estamos vendo uma recaída em termos de sistemas democráticos e conquistas. Quando olhamos para o estado do mundo, estamos andando para trás.”
A pandemia trouxe impactos significativos para o atingimento dos objetivos da ONU, atrasando o progresso dos esforços sustentáveis em mais da metade em países desenvolvidos.
Além disso, muitos governos estão enfrentando problemas para implementar seus compromissos, o que afeta também o mundo corporativo. O financiamento climático, por exemplo - grande destaque da última edição da COP27 - está US$ 100 bilhões abaixo do esperado, o que naturalmente desacelerou a implementação de muitas iniciativas.
Nesse cenário, 43% dos CEOs concordaram que instabilidades geopolíticas atrasaram ações sustentáveis trazendo não só uma onda de incerteza sobre o futuro como também desafios operacionais expressivos - além de impactar na expansão da oferta, contribuíram para interrupções na cadeia de produção, aumentaram a volatilidade dos preços e intensificaram a escassez de recursos.
Para superar esses desafios globais, muitos CEOs entenderam que uma reformulação na no conceito de globalização é urgente. Enquanto muitos países desenvolvidos concentram recursos através desse processo, é preciso repagina-lo de modo que mais países alcancem o progresso.
“Desigualdades e disparidades extremas surgiram devido ao globalismo excessivo. Temos que desenvolver um melhor sistema de globalização para que aqueles disparidades podem ser eliminadas.”
Nesse sentido, as empresas devem estar atentas às transformações que estão por vir, entendendo como navegar por novos mercados e como podem continuar gerando valor em meio a momentos de incerteza.
Para grande parte dos CEOs o mundo está mudando rapidamente e com as transformações quase que diárias a operação está sendo impactada constantemente. Escassez de produtos, inflação e crise energética, são alguns dos desafios que muitos estão lidando em âmbito global enquanto tentam manter bons resultados.
Assim, para muitos CEOs, lidar com múltiplos desafios ao mesmo tempo implica diretamente na superação e adaptabilidade - para 91% dos entrevistados as muitas prioridades impedem o progresso na construção da resiliência.
“O mundo hoje está cheio de tantos desafios, eu não acho que existe alguém que pode prever o futuro. Eu nem sei se os dados históricos são tão úteis mais, quando o mundo evoluiu tanto. Precisamos de novas soluções para novos problemas.”
Mas que desafios são esses? Muitos vão além dos tradicionais obstáculos empresariais. Entre as principais e mais conhecidas, podemos destacar inflação e volatilidade de preços, escassez de talentos e habilidades necessárias para o futuro do mundo do trabalho. Por outro lado, há a ascensão de situações que fogem do escopo tradicional, como mudanças climáticas e saúde pública.
Para lidar com as mudanças, muitos CEOs optaram por planos de médio prazo ao invés de longo prazo, permitindo que eventuais mudanças possam ocorrer visando menos danos à companhia.
“Enfrentamos uma mudança rápida, muito volátil. Agora avaliamos nosso progresso por trimestres, a fim de nos adaptarmos ao ambiente."
Em um cenário de disrupção, o papel do CEO também se transformou. Muitos disseram que deveriam falar publicamente sobre questões potencialmente divisivas 77%, e potenciais questões sociais divisoras 70%. Em geral, esse sentimento é mais forte em empresas africanas quando comparadas a europeias e americanas.
“[...] À medida que as responsabilidades diárias dos CEOs aumentam com a crescente pressão do público, os CEOs estão sendo mantidos em um novo padrão de liderança."
Além disso, 91% dos CEOs acreditam que seu papel é proteger as comunidades locais nas regiões onde atuam, reforçando a ascensão do ESG e principalmente da frente sustentável referente ao “S”.
Há uma expectativa cada vez maior de que as companhias desempenhem um papel sustentável significativo, impactando positivamente no ambiente social e econômico e ambiental e para isso, é preciso que a liderança esteja em sintonia com as novas demandas - do mundo e do consumidor.
Com novas necessidades globais, múltiplos desafios a sustentabilidade emergiu como um forte diferencial competitivo, tornando-se prioridade para os CEOs. Atualmente, 98% dos CEOs acreditam que é seu papel tornar seus negócios mais sustentáveis.
“A quantidade de foco que colocamos pessoalmente no ESG em comparação com até mesmo um ano atrás subiu para 3x. Antes, era um tópico esotérico - agora, tornou-se fundamental para a forma como nós fazer negócios."
Para a maioria dos entrevistados, adotar uma agenda sustentável não é um custo, mas o investimento. Além de ser um catalisador para a inovação, muitos estão encontrando novas alavancas e avenidas de crescimento sustentáveis - descobrindo novos segmentos de atuação e soluções que se relacionam com o momento atual.
Reconhecendo a oportunidade, 63% dos CEOs de todos os setores estão lançando novos produtos e ou ofertas de serviços sustentáveis. Ceos em comunicação e mídia, serviços financeiros e viagens lideram as iniciativas, com 75% e 74% respectivamente.
Para priorizar a sustentabilidade e fortalecer a resiliência, os CEOs estão implementando mudanças expressivas nas companhias - da estratégia à operação.
Com a instabilidade global, as cadeias de suprimentos foram fortemente afetadas, tornando-se um desafio para grande parte dos CEOs - 17% deles afirmaram que a cadeia de suprimentos einterrupções tiveram o maior impacto em seus negócios.
Com a economia fragilizada houve também um aumento no custo das matérias-primas, impactando diretamente a produção e a lucratividade. Portanto, o aumento dos custos da matéria-prima e interrupções na cadeia de fornecimento se destacaram como os maiores problemas na cadeia de suprimentos.
Para superar esses desafios os CEOs estão reimaginando o supply chain considerando diminuir a interdependência da estrutura voltando-se para regionalizar o processo, com 21% dos respondentes optando por manter as cadeias de suprimentos em âmbito local.
Além disso, 37% dos CEOs estão duplicando e diversificando elementos de suas cadeias de suprimentos com o objetivo de diminuir interrupções e fortalecer o relacionamento com fontes de abastecimento diversificadas, o que pode incluir uma maior colaboração com parceiros locais pequenos e médios - aumentando o progresso regional.
“A pandemia nos fez ver que a abordagem regional é mais importante do que nós pensamos. Agora, mais do que nunca, é importante diversificar as fontes de abastecimento e a longo prazo relacionamentos com todos os membros da cadeia de valor.”
Com as mudanças, é imprescindível fortalecer o relacionamento com stakeholders, impulsionando a resiliência e cobrindo possíveis lacunas. O ideal é que a mentalidade mude: de uma operação transacional para uma parceria colaborativa.
“Para um modelo de negócios resiliente, o fornecimento sustentável e confiável é essencial. Estamos trabalhando com nossos fornecedores em novas produção e aquisição que aproveitam tecnologia inovadora, bem como em multisourcing.”
Os CEOs reconhecem que a força de trabalho é essencial para aumentar a resiliência, contribuindo para a perpetuidade de qualquer negócio.
Considerando que 96% dos CEOs relatam a escassez de talentos como um principal desafio global, espera-se que nos próximos anos haja um esforço mais intenso para atrair e reter talentos.
Com a mudança de valores e expectativas em torno do trabalho, é preciso fortalecer o employee experience e as oportunidades de carreira, driblando o fenômeno da grande demissão, que fez com que diversas empresas enfrentassem pedidos de demissão em massa, principalmente nos Estados Unidos.
Além das iniciativas citadas acima, muitos CEOs estão focando em criar uma cultura organizacional forte, que alinhe os valores de ambas as partes - tanto da companhia como dos colaboradores, 56% dos CEOs estão focados em diversidade equidade e inclusão, construindo times mais diversos e aumentando o potencial inovador.
Como corporação, precisamos de inovação para sobreviver. E a inovação vem de um grupo diverso de mentes - criando algo juntos, trazendo diferentes experiências e conhecimentos, valores e origens, emparelhado com uma mente aberta e nível meio ambiente, é fundamental.”
Quando o propósito da companhia ressoa nos funcionários é possível aumentar o engajamento e o senso de pertencimento, e de acordo com um relatório anual da Gallup citado no estudo, o engajamento impacta diretamente nos lucros - companhia com colaboradores engajados tem lucratividade 21% maior que a média.
Muitos CEOs estão garantindo que haja uma mentalidade sustentável alinhada ao propósito da companhia, e que essa mentalidade por sua vez, seja traduzida em ações tangíveis.
Além de enfrentar dificuldades para reter talentos, 94% dos CEOs acreditam que os colaboradores não possuem as habilidades necessárias para o futuro, incluindo a sustentabilidade 91%.
Para superar esse gap, 75% dos CEOs estão investindo em requalificar e aprimorar as competências dos funcionários - habilidades voltadas para inteligência artificial e sustentabilidade, por exemplo. Para estimular o comprometimento dos colaboradores, 34% das empresas estão vinculando a remuneração da liderança às metas de sustentabilidade.
Embora muitos CEOs já estejam focados em integrar sustentabilidade à sua estratégia de negócio, demonstram preocupação quanto à velocidade das mudanças e como podem se preparar para enfrentá-las.
Para isso, estão investindo em tecnologias que os ajudem a prever diferentes cenários baseados na natureza e em ações que estão sendo tomadas atualmente. Dados de gerenciamento, planejamento e preparação estão avançando, no entanto, 87% dos CEOs dizem que precisam das ferramentas de análise de cenários mais fortes.
“Como resposta a cada vez mais eventos climáticos adversos, estamos fazendo investimentos em avaliações robustas de risco climático e modelagem de cenários para entender o potencial de realidades futuras. Estamos aproveitando isso para educar nossa equipe executiva e criando nossa estratégia de resiliência organizacional que alimentará todas as outras.”
Embora nove em cada 10 CEOs tenham dito que não há tecnologias suficientes para que os negócios aprimorem sua resiliência, muitos admitiram em entrevistas em profundidade que existem ferramentas suficientes há disposição, mas falta capacidade financeira e pessoas para utilizá-las, o que reforça a falta de habilidades necessárias.
Separamos mais algumas estatísticas relevantes dos avanços tecnológicos das empresas:
Apesar dos avanços, muitos CEOs lutam para realmente transformar a empresa de ponta a ponta. Um dos grandes desafios mapeados pelo estudo inclui a capacidade das companhias de implementar mudanças além do nível estratégico - para o tático e o operacional.
“Os negócios não podem ter sucesso em si próprios, devemos fomentar profundamente parcerias para sustentar o crescimento.”
Impulsionado por novos comportamentos de compra, o envolvimento das empresas com uma agenda sustentável cresceu. Para 68% dos CEOs, por exemplo, os clientes são os que mais influenciam suas pautas sustentáveis.
Em paralelo, a adoção de políticas verdes, aumento de incentivos e infraestrutura pelos governos também incentivaram uma gestão mais sustentável. Para termos ideia, a influência do governo aumentou de 31% em 2021 para 52% em 2022.
Embora haja maior alinhamento de interesses entre empresa, governo e consumidor, as mudanças tendem a continuar. Com o objetivo de construir uma base sólida capaz de absorver as transformações sem perder clientes, os CEOs querem aprimorar a agilidade, fortalecer suas operações e desenvolver suas iniciativas sustentáveis estrategicamente.
No entanto, focar em sustentabilidade relaciona-se diretamente com a reinvenção. As empresas precisam estar dispostas a entender que além de resiliência, ser mais sustentável envolve encontrar novas oportunidades, alavancas de crescimento e até, redefinir indústrias inteiras.
Em outras palavras, garantir que haja sustentabilidade nas empresas significa redefinir ofertas e serviços, proposta de valor e muitas vezes, o propósito. Ao catalisar a inovação a partir da sustentabilidade, é possível aumentar a competitividade e perpetuar o negócio.
De acordo com o estudo, para que as empresas se tornem mais resilientes e sustentáveis podem adotar iniciativas envolvendo a estratégia, cadeia de suprimentos e ecossistema:
Iniciativas estratégicas:
Iniciativas para supply chain:
Iniciativas para o fortalecer o ecossistema (parceiros):
Em suma, é preciso desenvolver agilidade para cumprir os 17 objetivos sustentáveis da ONU, e embora o tempo esteja passando, é possível com determinação e boa execução, garantir que eles sejam implementados a tempo.
Estamos, cada vez mais, caminhando para a chamada “low touch economy”, onde negócios além de sustentáveis, precisam ser mais digitais, ágeis e asset light do que nunca.
E nessa nova realidade, a máxima “inove ou morra” passa a ser aplicada a todos os setores.