Stripe atinge valuation de US$ 95 bi e tem hub sólido de soluções para enfrentar quaisquer intempéries que surjam no mercado tech. Afinal, onde tem gente para comprar, tem empresa necessitando de sistemas de transações.
É quase que um ritual religioso que o co-fundador da Stripe, John Collison, se reúna toda sexta em um all hands com seus milhares de funcionários, distribuídos pelas bases da empresa na Irlanda, Nova York, Cingapura e São Francisco.
Tradição enraizada em sua cultura, a qual Collison co-fundou com seu irmão mais velho Patrick Collison, em 2010. A Stripe é uma startup que, em meio a polêmicas e números expressivos, possui um case riquíssimo de insumos.
Em meio a polêmicas envolvendo o escrutínio da concorrência em respeito aos padrões de ética da empresa irlandesa, sob falsos pretextos de que a Stripe teria encontrado com o board da fintech Plaid para construir uma ferramenta que espelhasse a solução, há uma pergunta mais importante e que hoje paira sobre o ambiente corporativo da Stripe.
Os engenhosos Atlas (seu software para ajudar na infraestrutura de pagamentos de empresas) e Radar (seu software para detecção de fraudes) são boas alcunhas para seus produtos, mas não funcionam bem para os mecanismos de busca.
Logo, as manchetes que têm associado o nome da Stripe na mídia envolvem sua reputação — e não a entrega de valor agregado de seus serviços. Para Patrick, os ataques tendem a se tornar cada vez mais comuns à medida que a empresa escalar e começar a dar as cartas no jogo das grandes tecnológicas. Quem faz barulho é o foco do holofote.
A Stripe Payments é uma plataforma global de infraestrutura para executar diversas ações relacionadas a transações de pagamentos, online e físicos. Com ela, é possível receber pagamentos nacionais e internacionais, efetuar repasses e gerenciar essas movimentações através de uma única plataforma.
Ela tornou-se uma das queridinhas do mundo das startups.
A empresa processou US$ 640 bilhões em pagamentos, distribuídos em 50 países, no ano fiscal de 2021, indica a Forbes. Sua receita bruta, ainda majoritariamente de 2% a 3% que arrecada com esse volume, atingiu quase US$ 12 bilhões no ano passado, conferindo um aumento de cerca de 60% ano a ano.
A receita líquida, que exclui o corte que a Stripe repassa para parceiros como Visa e Chase, atingiu quase US$ 2,5 bilhões. E, incomum para um unicórnio que ainda está crescendo vertiginosamente, a Stripe terminou o ano com centenas de milhões de lucro em uma base EBITDA, ou seja, Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
Seus números expressivos explicam por que investidores, incluindo Fidelity e o fundo soberano de desenvolvimento da Irlanda, injetaram US$ 600 milhões adicionais na empresa no começo de 2021, totalizando US$ 2,4 bilhões investidos, sob um valuation de US$ 95 bilhões.
Isso coloca a Stripe atrás apenas da Bytedance, proprietária do TikTok; do e-commerce chinês Shein; e da SpaceX, de Elon Musk, pelo título de startup mais valiosa do mundo.
Mas afinal, o que está por trás desse fenômeno?
Pelo menos dois condados irlandeses reivindicaram os Collisons como cidadãos ilustres de suas terras. Seus pais, engenheiros, operavam um hotel em County Tipperary, onde os meninos frequentavam a escola e começaram a dar seus primeiros passos no mundo da programação.
Aos 17 anos, Patrick Collison ganhou uma competição para jovens cientistas; seu projeto, construído em cima de Lisp, uma linguagem de programação desenvolvida no MIT, ficou em segundo lugar em toda União Européia. A vencedora acabou se tornando sua futura esposa, Silvana Konermann, que representava então a Suíça.
Durante o concurso, estreitou laços com um tecnólogo chamado Paul Graham, que havia escrito um livro sobre Lisp. Patrick só não sabia que esse seria o contato que os ajudaria a ingressar no MIT, em 2006, e posteriormente na Y Combinator, a maior aceleradora de startups do Vale do Silício, a qual Graham comanda até hoje.
Na aceleradora, a ideia de Patrick era simples: desenvolver um software de rastreamento para vendedores do eBay. Juntou forças com Harj e Kulveer Taggar, que à época possuíam pretensões parecidas. Desses esforços surgiu a Auctomatic, a primeira startup prototipada por um Collinson.
Acabou vendendo-a por US$ 5 milhões logo no ano seguinte. John, nesse momento, ainda cursava o ensino médio. Ao ver o caminho trilhado por Patrick, matriculou-se em Harvard e mergulhou profundamente no mundo da programação.
Juntos, agora mais velhos, tiveram a ideia de escrever um trecho de código de bastidores chamado de API (Application Programming Interface) — sim, dessas tão populares nos dias de hoje. A premissa era criar uma interface de programação para aplicativos, que facilitaria a adição de funcionalidades de cartão de crédito a um site.
A YC investiu no projeto, mas os Collisons nunca chegaram a apresentar a “/dev/payments” no Demo Day da aceleradora. Esses foram os primeiros passos do que viria a se tornar a Stripe, lançada publicamente um ano depois.
O conceito de API funcionou — e a promessa de Patrick de “continuar de onde o PayPal parou” — atraiu Michael Moritz, da Sequoia Capital. Semanas após o lançamento da Stripe, em 2010, Moritz injetou seed capital.
Sua participação não terminou por aí e foi além: dois anos depois, em 2012, juntou-se a Max Levchin, Peter Thiel e Elon Musk, para liderar uma Série A de US$ 18 milhões.
Para ganhar os primeiros usuários, Patrick e John imortalizaram um método na Y Combinator conhecido como “a instalação Collison”. Os irmãos pegavam os laptops de clientes potenciais e configuravam a solução Stripe ali mesmo. Não tinha para onde fugir: era teste na hora.
Criaram uma cultura forte, influenciada principalmente por empresas como Apple, Amazon e Berkshire Hathaway. Contrataram jovens empreendedores com brio, que queriam mostrar trabalho.
Faziam corridas semanais em Bernal Heights, em São Francisco, com toda sua equipe de engenheiros. Se orgulhavam dessa intimidade. Todos recebiam ementas sobre os assuntos discutidos internamente na empresa e o time realmente vestia a camisa.
Essa abordagem ajudou a Stripe a lançar rapidamente seus próximos grandes produtos no mercado, no mesmo ano em que recebera sua Series A. Criou robustez, passou a suportar o e-commerce Shopify e o aplicativo de carona Lyft. A Stripe Payments facilitava o repasse de pagamentos a comerciantes e motoristas.
Não demorou muito para outras gigantes da tecnologia, como Amazon, Wayfair, Instacart e Postmates, se juntarem ao movimento.
Os pagamentos sempre foram como a Stripe capitalizava seu negócio – eles ainda são – mas desde o início, os Collisons pressionaram os funcionários a entender outros problemas financeiros de seus clientes, como fraude, fluxo de caixa ou gerenciamento de estoque.
Grandes clientes como Shopify agora processam bilhões por meio da Stripe, mas grande parte de seus negócios continua sendo pequenas e médias empresas, como a Gaelic Athletic Association, que economizou mais de US$ 1 milhão ao ter seus clubes afiliados gerenciados por suas soluções.
No primeiro ano da pandemia, a Postmates gerou US$ 70 milhões adicionais em vendas e economizou milhões em taxas, evitando transações espelhadas e cobranças indevidas. Tudo usando o leque de serviços Stripe.
O desenvolvimento de produtos na Stripe se tornou razoavelmente complicado, por uma matriz que leva em consideração a complexidade regulatória, o valor estratégico e a urgência das necessidades do cliente.
Principalmente, isso significa investir pesado em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e inovação. Mais de 40% da empresa ainda é composta de engenheiros, incomum para sua escala, em uma combinação de melhorias práticas, com monitoramento de tecnologias emergentes.
Patrick ressalta que o tamanho e a influência da Stripe ainda são, no esquema global das coisas, relativamente pequenos. Uma tempestade de condições macro significa que as pessoas ainda vão comprar e as pessoas que administram negócios ainda precisarão de soluções de pagamento.
A Stripe está aí para isso. E a boa notícia, em um clima econômico cada vez pior, é que o desenvolvimento de software requer muito menos capital do que, digamos, construir carros, como diz o CFO Dhivya Suryadevara, que ingressou na Stripe da General Motors em 2020.
Em 2021, a última rodada de capital levantado pela Stripe estava na casa dos US$ 600 milhões. Incluiu investidores como Allianz e AXA, além de companhias como Fidelity, Sequoia Capital e também o fundo soberano da Irlanda.
A empresa disse à época que o capital seria destinado para investir em suas operações na Europa, que incluem 31 dos 42 países em que a Stripe tem atividade, e expandir sua rede global de pagamentos.
Com um valuation de US$ 95 bilhões, a Stripe atualmente é mais valiosa que qualquer banco da zona do euro.
A Stripe agora oferece um amplo conjunto de ferramentas para lidar com qualquer natureza de transação financeira, desde pagamentos para motoristas cadastrados na DoorDash, até impostos para pagamentos no aplicativo do Duolingo e assinaturas do Atlantic.
No centro de tudo: Patrick e John Collison, que ainda revisam todos os produtos que saem pelas portas da Stripe, como um chef de cozinha que garante a padronização de um prato.
Hoje o trabalho é mais difícil do que há um ano, quando a maior dúvida sobre a Stripe era abrir seu capital e ir a público. Com a pandemia, uma guerra terrestre acontecendo na Europa, uma crise global de energia e o derretimento do Vale do Silício em curso, essas preocupações se tornaram, no mínimo, discutíveis.
Até o dado momento de 2022, o S&P 500 caiu quase 20%. À medida que a pandemia parece não ter mais fim, a inflação aumenta, o Federal Reserve eleva as taxas de juros, faltam matérias-primas, as tensões geopolíticas se agravam e a preocupação com uma recessão global ficam cada vez mais evidentes.
Assim, muitos investidores têm optado por segurar as suas aplicações e venderem ações de empresas de tecnologia para alocação de recursos em ativos considerados menos arriscados.
Como se não fosse o bastante, essa nova relação com o mercado de tecnologia foi responsável por deteriorar cerca de US$ 9 trilhões do valuation dessas companhias listadas na Nasdaq, além da possibilidade de novos down rounds nos próximos meses.
Empresas de tecnologia estão afivelando os cintos e as ondas de choque desse momento de instabilidade estão sendo sentidas por todos. A Stripe, que impulsiona transações para praticamente tudo, supostamente tem um assento na primeira fila.
Segundo a avaliação dos Collisons, o momento é de navegar nesse “novo normal” sem desacelerar. Eles estão expandindo para novos mercados no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, ao mesmo tempo em que lançam novos produtos, como uma loja de aplicativos e uma soluções de criptografia para creators nas redes sociais.
A ideia é levar a Stripe mais a fundo no fluxo financeiro de uma empresa e seus clientes. Eles começaram a intermediar empréstimos para pequenas empresas e emitir cartões de crédito corporativos. E eles estão tentando fazer tudo isso diante de uma concorrência cada vez mais acirrada.
Os mais inquietos dentro da Stripe estão ansiosos pela liquidez de um IPO, mas manter-se privada pode ser uma bênção durante a tempestade econômica em curso. A maioria dos unicórnios — startups avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais — estão sendo negociados em mercado secundários a preço de banana entre os venture capitalists.
Mas as ações da Stripe continuam difíceis de serem obtidas por novos investidores e estão em alta demanda, o que pode impulsionar seu valuation até US$ 165 bilhões, em um mercado de ações pré-IPO.
Os pares mais próximos da Stripe negociados publicamente, como Adyen, PayPal e Square, caíram mais de 40% no acumulado do ano. Os Collisons não têm pressa de se juntar a essa galera. Mas se algum queridinho da tecnologia pudesse encenar uma listagem nesse mercado, a Stripe seria a candidata perfeita.
Para Patrick, os preços e as avaliações das ações são “acadêmicos” em comparação com o que ele considera uma missão de várias décadas. “Fico um pouco desconfortável quando as pessoas são extremamente otimistas em relação a Stripe. Há muita coisa que ainda não descobrimos”.
Internamente, roda um estudo do FMI que conclui que apenas 12% dos gastos mundiais acontecem online. Essa é a escala da oportunidade. “É um mundo enorme lá fora. Nossa meta é fazer crescer o PIB da internet”, comenta, dessa vez com seu otimismo, Patrick.
Os Collisons percorreram um longo caminho desde que impressionaram o Vale do Silício com apenas nove linhas de código — tudo o que os desenvolvedores precisavam copiar e colar para permitir pagamentos com cartão de crédito em seus domínios.
Das nove linhas de código, a Stripe hoje possui um total de US$ 2,4 bilhões investidos, sob um valuation de US$ 95 bilhões. Só fica atrás da Bytedance, da Shein e da SpaceX. O case nos ensina sempre buscar o progresso, não a perfeição.
Entremeia sempre aos entraves tecnológicos que a impediam de cobrir todas as arestas que hoje cobrem com suas soluções, foi aos poucos testando e validando premissas. Hoje é uma das gigantes da tecnologia.
Formou uma forte cultura organizacional — e time que joga junto é difícil de ser batido. Como a pandemia escancarou, adaptar-se é um imperativo maiúsculo. Parece que ter a excelência operacional e não abrir seu capital ajudou a Stripe a adaptar-se a esse categórico contexto de mundo.
Em uma mistura de melhorias práticas, com monitoramento de tecnologias emergentes, a Stripe parece ter achado um caminho sustentável, aquele das empresas vanguardistas.