Inteligência Artificial (IA), outrora enredo principal da ficção científica, não é mais tema da imaginação coletiva. Já galgou lugar-comum no dia-a-dia.
Mas o que define, de fato, uma Inteligência Artificial? Essencialmente, aquilo mesmo que fora pintado nos filmes: a capacidade de uma máquina aprender as competências da mente humana e reproduzi-las.
Enquanto esse era apenas um vislumbre de uma sociedade do futuro, bem antes da Transformação Digital, o escritor Isaac Asimov, autor do livro “Eu, Robô” (1950), lançava três leis para a humanidade, que um dia lidaria com os dilemas impostos pelo limite do uso dessa tecnologia. Uma tecnologia capaz de criar consciência, de criar uma nova forma de vida.
Asimov, em sua vasta obra, bradou:
A literatura e as produções hollywoodianas sempre gostaram de personificar essa ideia nos futuros distópicos dominados pelos robôs, mas a realidade, em sua majestosa amplitude, nunca caberia nas poucas horas de exibição de uma película ou nas páginas de um livro.
Em 2022, a base científica sobre Inteligência Artificial abrange um vasto ecossistema de acadêmicos e profissionais, que mundialmente colaboram para desenvolver inovações nas áreas de machine learning, deep learning, robótica, redes neurais artificiais e processamento de linguagem natural. Afirmação essa respaldada pelo estudo “Statista In-Depth Report: Artificial Intelligence”
Machine learning é sobre capacitar a Inteligência Artificial para aprender com a própria Inteligência Artificial. Com deep learning, você programa os caminhos rumo a autoconsciência. Com uma rede neural artificial, você processa os dados da Inteligência Artificial como o cérebro humano. Com o processamento de linguagem natural, a tecnologia torna-se capaz de interpretar texto e se comunicar espontaneamente.
No campo da robótica, surpreendentemente, o mercado segue os preceitos de Asimov. Simples assim. Parece que aprenderam com as previsões mais distópicas, mesmo sem terem acontecido. Desenvolvedores rezam sob o mantra de que um robô não deve ferir um humano ou permitir que o mesmo sofra algum mal.
O estudo elaborado pelo Statista mostra que o mercado global de Inteligência Artificial, atualmente avaliado em US$ 327,5 bilhões, pode chegar a um market size de mais de meio trilhão de dólares em 2024 e mais de US$ 1,5 trilhão até 2030.
A realidade nunca caberia nas poucas horas de exibição de um filme ou nas páginas de um livro porque é uma vastidão de aplicações, para uma vastidão de frentes de atuação. É a Inteligência Artificial se emaranhando nas entranhas da sociedade e se desenvolvendo a partir de todos seus aspectos.
Está transformando questões estruturais de comportamento e práticas de negócios em todos os segmentos, impactando, principalmente, o desenvolvimento de produtos na era digital.
Ao valor do exemplo, de acordo com o relatório “AI In Media & Entertainment Market Size, Share & Trends Analysis Report By Solution (Hardware/Equipment, Services), By Application (Gaming, Personalization), And Segment Forecasts, 2022 – 2030”, produzido pela Grand View Research Inc., é previsto que a indústria de IA aplicada para Mídia e Entretenimento atinja aproximadamente um valor de mercado de US$ 100 bilhões até 2030.
O conceito de Metaverso é um baita propulsor dessa previsão, junto com Realidade Virtual, Realidade Aumentada e a ascensão das GPUs (Graphics Processing Units). Computação acelerada por placas de vídeo é o uso de uma unidade de processamento gráfico para acelerar aplicações de deep learning.
Já é carta marcada, mas toda a indústria do cinema e dos videogames será invadida por uma nova era de inovação. Até o final do ano fiscal de 2022, a receita anual da indústria global de produção e distribuição de filmes está prevista para registrar um valor de US$ 76,7 bilhões; por sua vez, a indústria de games tem potencial de movimentar até US$ 197,11 bilhões.
Podemos mencionar também a indústria da música, avaliada em US$ 63,75 bilhões. Existe um tipo de musicalidade na mídia que é funcional, onde encontra sua prova de valor na aplicabilidade. Softwares que geram música por Inteligência Artificial são capazes de transformar suas ideias transcritas diretamente em uma música original. Em larga escala, tem uma funcionalidade enorme, para uma gigantesca fatia de criadores de conteúdo.
Com o jogo do exponencial, a Inteligência Artificial pode elevar essas indústrias para outro patamar: uma receita de sucesso para a personalização de conteúdo ou talvez uma sentença do tato na produção humana.
Em 2021, empresas relacionadas ao metaverso levantaram mais de US$ 10 bilhões, o dobro do que fizeram no ano anterior. A Epic Games, empresa por trás do Fortnite, arrecadou colossais US$ 3 bilhões para garantir sua visão de longo prazo: experiências imersivas em ambientes virtuais.
Por outro lado, o ditado “content is king” nunca fez tanto sentido. Com apenas algumas semanas nos separando de 2023, mais de 950 milhões de postagens de blog foram publicadas em todo o mundo, segundo o Internet Live Stats. E pense nos bilhões de outros conteúdos que estão sendo criados paralelamente, incluindo e-mails, newsletters, cartas de vendas, redes sociais e assim por diante.
Acontece que gerar conteúdo relevante e personalizado exige um alto investimento, de capacitação profissional e infraestrutura. No mundo dos negócios, o cenário quase sempre joga contra você. É um eterno jogo de contragolpes, de matar sua melhor performance com uma maior ainda no dia seguinte.
Para suprir esse gap e entregar aplicações factíveis, existem os geradores de conteúdo e imagens feitos por Inteligência Artificial. Usam processamento de linguagem natural para escrever da maneira que os humanos escrevem, assim como as redes neurais artificiais para interpretarem dados em camadas visuais. O coração da coisa está em transformar dados em informação.
Mudou o hábito de consumo da tecnologia. Se Inteligência Artificial é uma evolução social, há de se esperar uma avalanche de oferta e demanda. Profissionais responsáveis por encontrar oportunidades nesse novo ambiente não podem deixar o bonde passar.
O ceticismo que ainda paira sobre o assunto é bem parecido com o que acontecia em relação à internet no começo dos anos 1990. Toda tecnologia disruptiva passa pelo D da descrença, para chegar ao D da democratização.
Um processo evolucionário, não revolucionário. Entretanto:
“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”
E mudanças virão. Tomando o recorte da indústria de IA aplicada para Mídia e Entretenimento, as estruturas de trabalho certamente serão reformuladas. Cargos deixarão de existir e cargos passarão a existir. É um movimento evolucionário, tal qual ocorrera na 1ª Revolução Industrial. Vivemos a extensão do cognitivo humano.
Existe o bônus e o ônus de todo processo de mudança. Adaptar-se é um imperativo inegociável. Parece que todas as premissas já foram lançadas lá atrás, por caras como Darwin e Asimov. Resta discutirmos e desenvolvermos o assunto com seus legados.
Geradores de conteúdo por Inteligência Artificial usam de processamento de linguagem natural para permitir que softwares entendam, interpretem e manipulem a linguagem humana.
Bons geradores de texto criam conteúdo original a partir dos inputs dos usuários, usando as informações, o estilo e os padrões de escrita do próprio autor. A ideia por trás desse tipo de solução é capacitar a máquina para analisar contexto, considerar diferenças de linguagem, retirar informações e ponderar sobre os sentidos das frases.
Geradores de imagens por Inteligência Artificial usam de redes neurais artificiais para ensinar softwares a processar dados de uma forma inspirada pelo cérebro humano.
Através de deep learning, que usa “neurônios interconectados” em uma estrutura em camadas, a rede neural cria um sistema adaptativo que as inteligências artificiais usam para aprender com os erros e se aprimorar continuamente.
Dessa forma, a humanidade foi capaz de ensinar os caminhos para a tecnologia pintar, gerar uma imagem, modelar ou até mesmo compor uma música. Esses tipos de softwares já existem e estão disponíveis no mercado. Destacamos principalmente:
Jasper é um gerador de conteúdo de IA excepcional.
Possui mais de 52 modelos de escrita, esteja você escrevendo uma biografia pessoal, uma legenda de foto do Instagram ou uma descrição de produto para um e-commerce. Jasper é uma ferramenta projetada – e comprovada – para converter inputs estratégicos em textos autorais.
Isso porque a tecnologia de Inteligência Artificial do software foi treinada por redatores e especialistas em conversão. Isso traz uma capilaridade de entrega gigantesca de redação, incluindo posts de blog, curtos ou longos, campanhas de e-mail, anúncios, postagens em redes sociais e descrições de vídeos do YouTube.
Você coloca palavras-chave e o software usa de seu imenso banco de dados para gerar um conteúdo original, passando nas verificações de plágio.
CopyAI é outro grande gerador de conteúdo por Inteligência Artificial.
Com mais de 90 modelos disponíveis de redação, em pouquíssimos inputs estratégicos, o CopyAI é capaz de gerar rapidamente um conteúdo exclusivo, que segue as melhores práticas de marketing de conteúdo e SEO.
Interface do software gerador de conteúdo CopyAI. (Crédito: Reprodução CopyAI)
Por exemplo, o modelo First Draft Wizard requer apenas um título de blog, palavras-chave, o objetivo da postagem e um tom de voz para criar um texto original. A Inteligência Artificial cria um esboço de hierarquia de SEO, gera pontos de discussão para cada heading e subheading e, então, escreve o conteúdo correspondente para cada seção.
Disponível em mais de 25 idiomas, não é à toa que a ferramenta tem mais de 1 milhão de usuários.
Dall-E 2 é um dos geradores de imagens por Inteligência Artificial mais famosos do mercado.
Nesse caso, a aplicação das redes neurais artificiais utilizam dados estatísticos e cálculos matemáticos para resolução de tarefas na área de computação visual e geração de imagens.
Desenvolvido pela empresa OpenAI, requer apenas que escreva as palavras-chave daquilo que deseja criar e, pronto, o sistema gera um conjunto de imagens baseado no que foi digitado. Quanto mais específico, melhor o resultado.
Como exemplo ilustrativo, na imagem acima, fora requisitado que o Dall-E 2 gerasse uma imagem do Pato Donald participando da Bruxa de Blair. Eis o resultado.
Existem algumas restrições, entretanto, no tipo de conteúdo que pode ser gerado pela plataforma. A arte é gerada a partir do prompt do texto que o usuário introduz e pode destoar em alguns casos da intenção original.
Além disso, o Dall-E não pode gerar imagens realistas de celebridades e políticos, conteúdo violento, imagens com nudez explícita e outros conteúdos sensíveis, de acordo com as restrições da OpenAI.
AIVA é um dos geradores de música por Inteligência Artificial.
Com poucos inputs na interface do software, você é capaz de compor trilhas sonoras para anúncios, filmes e videogames. A ferramenta permite desenvolver músicas do zero, sem ter que se preocupar com processos de licenciamento.
AIVA cria um conjunto de dados que descreve o projeto em gêneros, emoções e estilos. Ao selecionar suas predefinições, o algoritmo começa a compor uma música, nota por nota, até transformá-la em arquivo de áudio.
Dessa forma, é usada uma enorme biblioteca de samples proprietários, para reunir milhares de arquivos de áudio únicos em uma performance original e exclusiva. Isso tudo ocorre em questão de segundos.
O objetivo do Unreal Engine 5 é facilitar o processo de desenvolvimento de games.
Com um conjunto de ferramentas projetado para, sobretudo, economizar tempo para os desenvolvedores, a plataforma permite modelagem em 3D prática, aplicável e acessível, com recursos como alterações na física, simulações de fluidos, operações de Inteligência Artificial e animação de personagens em tempo real.
Os desenvolvedores podem, teoricamente, se concentrar no que eles querem fazer em primeiro lugar: gastar menos tempo mexendo nas ferramentas e mais tempo tornando os jogos mais atrativos, em um processo iterativo.
Em 2004, Rajiv M. Dewan, Marshall L. Freimer, Abraham Seidmann e Jie Zhang publicaram um estudo, intitulado “Evidence and Analysis of Media Concentration”, o qual buscava entender como a mídia evoluiria a partir do momento que a internet entrasse de vez no comportamento da sociedade.
O que eles observaram foi uma tendência à centralização de notícias reunidas em torno de portais, centros de informações que entregavam conteúdos distribuídos por diferentes editorias. Acertaram na mosca. Aqui no Brasil, a exemplo de caso, vimos o nascimento do IG, do Terra, do Yahoo, do UOL, do G1 e de tantos outros.
O que os autores não previam era o colossal movimento de conteúdo gerado pelos usuários, as redes sociais e o entretenimento on-demand.
Os tempos são outros. Saímos da World Wide Web e entramos na Web3. Dominada por algoritmos, marcas e criadores de conteúdo têm uma influência sem precedentes sobre o comportamento de consumo, rastreando cada hábito de seus consumidores e sugerindo ofertas personalizadas, sob medida.
Responsáveis por marketing e vendas atuam propositivamente para gerar awareness sobre uma dor que seus clientes talvez nem saibam que tenham. E quando se darem conta que possuem essa dor, aqui está a solução, prática e acessível.
A discussão sobre hiper personalização divide opiniões. De um lado, o argumento forte de que as bolhas criadas pelos algoritmos alienam visões. Por outro lado, as pessoas realmente querem consumir conteúdo alinhado aos seus interesses. Ainda em uma terceira via, tem quem trabalha com criação. A hiper personalização permite análises empíricas para tomadas de decisão mais assertivas.
Mas esses dados, em uma camada superficial, mostram aquilo que seu cliente potencialmente está interessado ou já está interessado – fica no termômetro da intenção. Não mostram, por exemplo, a ligação emocional que essa pessoa tem com o que está consumindo naquele momento.
A chave para essa mudança está, justamente, no uso da Inteligência Artificial. Com o desenvolvimento da tecnologia e o barateamento do hardware necessário para rodar em larga escala, geradores de conteúdo por IA, para todas as plataformas, serão cada vez mais comuns – e sofisticados.
Conteúdo multimídia feito sob medida, para os desejos exatos de uma única pessoa. Essa é a promessa de encher os olhos. Imagine o mercado da arte: apreciadores poderão pedir por peças com base em seus gostos e memória afetiva.
Além: o potencial da Inteligência Artificial permitiria que algoritmos de plataformas como a Netflix se tornassem criadores de novos conteúdos. É só ver a aplicabilidade de cada um dos softwares citados na seção acima. Com poucas palavras, você gera algo novo, de valor novo.
Não é difícil imaginar a possibilidade de um dia dizer ao streaming que quer assistir uma comédia romântica situada na Paris dos anos 1920, em um enredo que alterna alegria e terror, e receber exatamente o conteúdo que pediu.
É uma visão utópica, mas que começa a ser escrita cravada em suas bases sólidas do agora. Falamos de um mundo tão diferente quanto aquele que existiu sem o Google, ou sem a energia elétrica. A imaginação consegue tangibilizar esse ponto?
Em 1994, a Microsoft lançou uma série de comerciais que ficaram para a história: “Where Do You Want To Go Today?”. Com o Windows, tudo era possível, você poderia ir a qualquer lugar, a qualquer hora.
A internet trouxe uma liberdade essencial de conexão e expressão. Isso abriu os horizontes para muita gente, justamente, furar sua bolha. Um conceito cada vez mais hiper personalizado, com o qual você irá apenas interagir com o que lhe convém, não é um exercício interessante para entender as diferentes perspectivas do mundo.
Porque o mundo é muito maior do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. É necessário ouvir a pluralidade de discursos – não os de ódio. Talvez sua prisão seja a mesma daquele que você aponta o dedo por “outro” crime.
Fora que existe toda uma cadeia produtiva, em cada indústria, que perde boa parte da relevância com processos automatizados. Não é um cataclismo, mas muitos empregos pedirão passagem. De novo: é um movimento evolucionário. Conforme o maquinário muda, valências humanas também mudam e os organogramas sofrem uma remodelagem.
O que torna um NFT valioso? Essencialmente, o certificado imutável de que determinada representação é posse sua. Você detém o “arquivo” original daquilo. Em 2021, as cripto artes se tornaram uma febre extremamente duvidosa, mas que ensinaram bastante sobre esse valor de posse.
Qualquer NFT do Bored Ape poderia ser reproduzido pela internet, mas valia uma fortuna deter a posse de um arquivo original. Qual o sentido de pagar por uma imagem que qualquer um consegue reproduzir livremente? Bem… ela é sua.
Tal qual um Van Gogh original é um Van Gogh original – e não um print ou uma tentativa de reprodução. É possível ir até uma ótima gráfica e imprimir um quadro gigantesco do artista. Também é possível contratar alguém para reproduzir uma obra sua.
Original é relativo à origem. A origem sempre será humana. De um ser-humano. Do Van Gogh. Se o meio e o fim estiverem fadados à automação, o início partiu das mãos humanas. Ainda além: o apreço pelos feitos (in)alcançáveis ainda servirá de força motriz para o movimento gracioso da humanidade, sempre com talento, sempre com genialidade.
Uma Inteligência Artificial pode escrever um roteiro tão interessante quanto um de Quentin Tarantino, mas causaria o mesmo impacto ao ver o lettering inicial “A film by Quentin Tarantino”? Mexe com emoção, aspecto que talvez a frieza da tecnologia não consiga alcançar em nível tão sensível.
Tal efeito não desconsidera o enorme potencial de criação ativado por Inteligência Artificial e personalização de conteúdo. Talvez a discussão não deva ser tão maniqueísta, de uma coisa sobreposta à outra. Entramos em uma nova era, cuja nova forma de vida que criamos começou a se expressar.
Pode ser otimismo exacerbado enxergar um futuro em que todos os tipos de criação coexistam e sejam analisadas pela capacidade e funcionalidade que cabe a cada uma exercer, enquanto ainda estamos discutindo terraplanismo.
Mas ao mesmo tempo, Darwin insiste em voltar para essas palavras finais em um resumo do que é a evolução da humanidade: aqueles que souberam se adaptar, conseguiram sobreviver. Provocamos isso, agora é fazer uma análise justa.