Quando a gente pensa em processo, a primeira coisa que vem na cabeça é: “Vou engessar minha empresa e agora todo mundo vai ter que fazer as coisas do mesmo jeito pelo sistema”. Aí a gente pensa num cenário em que vai ter Oracle, SAP, um baita sistema parrudo e ninguém vai conseguir fazer nada diferente disso. Só que isso é o final da Pirâmide de Processos. E para dar certo, você tem que partir do começo.
O processo é o jeito como as coisas são feitas na empresa.
Quando você começa a jornada de empreendedor, geralmente está sozinho ou acompanhado de dois, três sócios. Portanto, a empresa começa com as pessoas, cada uma delas fazendo uma coisa. Se você é uma dessas pessoas, sabe que tem dia em que faz alguma coisa bem, no outro tem um problema para resolver, já não está tão bem, pode até se ausentar. Consequentemente, a qualidade daquele trabalho que você está tocando vai cair.
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Qualquer área — seja vendas, desenvolvimento de produto, entrega, atendimento etc — depende muito das pessoas que estão ali. E cada um faz do seu jeito. Então, ao longo do tempo você tem que colocar processos para que essa variabilidade não dependa exclusivamente da pessoa que está executando aquela tarefa. A tecnologia vem depois.
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Primeiro pessoas, depois processos, depois a tecnologia.
Vamos imaginar que eu preciso melhorar algum ponto na minha empresa, implementar algum processo, padronizar a maneira como as coisas são feitas. O que precisa ser feito? Em primeiro lugar, nomear o processo. Quais são as coisas que nós fazemos na empresa? “Ah, eu vendo”, “Eu recruto”, “Eu negocio com o fornecedor”, “Eu entrego o produto”. Tudo isso são processos, por isso o primeiro passo para pensar na melhoria deles é nomear o que nós fazemos dentro da empresa.
Por exemplo, eu tenho que recrutar uma pessoa para o Financeiro. Para isso eu preciso construir um job description. Essa tarefa vem antes de eu anunciar a vaga, selecionar candidatos, marcar entrevistas, escolher quem vai trabalhar comigo, mandar a proposta e fazer o onboarding. Sem o job description, meu processo não acontece da maneira como tem que ser.
Para nomear todos esses pontos, você tem que quebrar sempre de cima para baixo. Você começa listando os principais, depois vai entrando em cada um deles e descendo.
Se você listou seus processos e chegou em 12, por exemplo, com certeza está errado.
Dificilmente uma empresa, mesmo pequena, com dez pessoas, vai ter menos de 100 processos. Vai ter folha de pagamento, onboarding, entrega de produto, se você nomear tudo e descer em cada etapa, vai ver que tem muita coisa.
Isso quer dizer que uma empresa que está abrindo hoje tem que começar listando todos os processos para fazer tudo fluir direito? Não, porque é aquilo que eu disse: pessoas, processo, tecnologia.
Você não coloca processo naquilo que você ainda não faz. Se fizer isso, está gastando energia à toa.
O segundo passo da Pirâmide de Processos é definir quem são as pessoas responsáveis. E a regra aqui é que cada processo só pode ter um dono, por mais que a pessoa não execute aquele processo de ponto a ponta e que exista um time com o qual vai dividir as tarefas. Esse colaborador é a Pessoa Diretamente Responsável ou DRI (Directly Responsible Individual), como muitas empresas usam em seus projetos, incluindo o G4 Educação.
Esse dono tem que ter o ownership, a responsabilidade sobre se as coisas deram certo ou errado. A responsabilidade dessa pessoa é fazer aquele processo dar certo, de novo, por mais que não seja ela quem vai pôr a mão na massa em todas as etapas.
O dono do processo (DRI) tem que fazer interface com outras áreas, como Jurídico, Financeiro, Comercial, entre outros.
Digamos que alguém é responsável por ligar para o cliente para saber se ele ficou satisfeito com o produto. Se você é o DRI, mesmo que tenha outras pessoas que trabalham com você nessa tarefa, você tem que garantir que todos os clientes estão recebendo a ligação, que todas essas ligações são registradas, que todas essas informações estão indo para o sistema onde você pode medir esse nível de satisfação e outras áreas têm visibilidade de como o processo está sendo feito.
Não existe isso de dizer “Ah, eu fiz o meu, agora é com o Marketing”, percebeu?
O terceiro ponto é determinar os dados que serão acompanhados. E aqui estamos falando de colocar dados, colocar indicadores. A função dos indicadores de processo é identificar se aquele processo está sendo bem executado ou não, sem necessariamente acompanhar tudo o que é feito. Esse é o objetivo.
Essa etapa precisa ser muito bem pensada porque aqui pode estar o incentivo que você vai dar aos colaboradores para cumprirem suas metas. No recrutamento, por exemplo, se você colocar como indicador que vai acompanhar o número de vagas fechadas, o incentivo que está colocando para quem está no processo de recrutamento é contratar para caramba, o mais rápido possível. E geralmente não é isso que se busca, você precisa que a contratação seja bem feita, que selecione o melhor candidato, com habilidades e fit cultural. Então, quais indicadores podem estimular a contratar bem e não contratar mais em termos de volume. Por isso, muito cuidado com quais indicadores você vai acompanhar.
O grande erro de muitas empresas é pensar que você só precisa fazer isso quando tiver uma grande base de dados porque aí vai ser tudo automatizado e tal. Você tem que ter a sua base de dados, que pode ser uma pessoa preenchendo uma planilha Excel. Esses dados vão te indicar se as coisas estão avançando bem e o que você pode fazer para melhorar.
A partir do momento que essa base de dados se torna grande, você pode pensar em maneiras de criar um dashboard para acompanhar os indicadores. Mas tem o seguinte: ter indicadores não significa ter dashboard. Você pode fazer análises, forecast com os dados da sua planilha.
Para saber quando é o momento de fazer essa troca e investir em um sistema para automatizar é só levar em conta quanto tempo e energia você está gastando para repetir um processo.
Se você fizer o contrário e automatizar muito cedo, não vai usar toda essa capacidade. Esse é o ponto. No momento que você perceber “estou gastando duas horas todos os dias para atualizar esse número, será que faz sentido?”, vai se dar conta duas horas é muito e já faz sentido investir em automatizar o processo.
Agora a gente entra na parte em que é preciso desenhar o processo. Desenhar é dar visibilidade. Para desenhar o processo, o líder precisa perguntar para as pessoas que estão executando as tarefas quais são todas as etapas e os passos envolvidos.
Não adianta o coordenador ou gerente querer fazer isso sozinho. A pessoa que está ali fazendo na prática é que vai dizer como o processo é feito. Essa etapa pode contar com todo mundo numa sala desenhando em uma cartolina ou usando post-it na parede para desenhar passo a passo quais são as etapas daquele projeto e quais áreas são responsáveis por cada uma das etapas. Só de dar essa visibilidade já vai melhorar muito.
Importante: ainda não estamos falando em ferramenta. Tudo isso que a gente falou até aqui é Excel, PowerPoint, Miro, cartolina na parede, tabela no papel, não tem nada de ferramenta até esse ponto. O que a gente está apontando é como as coisas são e deveriam ser.
É papel do líder garantir que as coisas saiam daquela forma.
O quinto ponto é garantir a execução. Aí sim começamos a entrar em ferramenta. Aqui é que a gente começa a pensar como garantir que esses processos que são mais críticos, que podem trazer mais riscos para a empresa sejam executados da maneira que foram mapeados e desenhados.
Como líder, você vai começar a pensar em sistemas, adotar uma ferramenta para que esses processos que são realmente mais “pesados” tenham visibilidade e você saiba em qual etapa estão.
Eu sempre gosto de pensar do mais simples para o mais complexo. Então, geralmente o Excel e o Trello são as ferramentas mais simples na qual eu consigo pensar. O Trello entra para me mostrar cada passo do projeto e você vai movendo os cards conforme as coisas vão andando. E o Excel pode registrar cada movimento, oportunidade, o que deu certo e o que não deu.
O topo da Pirâmide de Processos é pensar em melhoria de processo. Depois de mapear todos os pontos em cada etapa, o que eu consigo eliminar daquele processo para que se torne mais simples? Se eu não consigo eliminar, o que posso combinar? Se eu não consigo combinar, o que consigo reduzir? E se eu não consigo reduzir, o que posso simplificar?
A literatura sobre melhoria de processo é muito extensa e não é o caso de entrar nesse ponto aqui, como eu faço na minha aula de Imersão G4 Traction. [leia mais sobre PDCA, a metodologia de melhoria contínua]
Para concluir, o grande ponto é pensar que ao fazer a sua pirâmide de processos, você lista cada coisa que é feita, coloca nome em quase tudo, define indicadores de uma boa parte, desenha a maioria dos processos. No final, você vai garantir o processo de ponta a ponta de três, talvez cinco coisas. Porque se tentar fazer tudo ao mesmo tempo, você vai demorar muito.
Qual é o critério que você vai usar para priorizar o que precisa ser feito? Eu gosto da Matriz Eisenhower. Você coloca tudo na matriz e as escolhas vão ficar mais claras. O que eu faço que vai gerar um impacto mais alto? O que vai me trazer mais resultado? Ou diminuir o risco? E o que está mais fácil de fazer? Onde está o esforço baixo?
Por exemplo, quando você pensa no que está te dando mais problema, mas pode te trazer mais retorno, geralmente estaria no processo comercial. Ou um processo contábil, em que o risco é muito grande. Então esses serão os pontos que eu vou priorizar e endereçar o mais próximo possível.
Por outro lado, um indicador de produção de PowerPoint, por exemplo. Não é um indicador que eu vou acompanhar o tempo todo porque esse não é o meu business. É algo que eu sei que existe, sei quem é o dono. A partir do momento que começar a dar problema, eu vou definir o indicador. Se continuar dando problema, eu vou mapear o processo e garantir que o processo seja seguido. Essa é a lógica de ir subindo na pirâmide aquilo que vai me dando mais problema.
De novo, não é desenhar todos os processos de uma vez. Esse é o erro. Eu não estou preocupado em mapear, desenhar e garantir que todos os processos da minha empresa estejam detalhados. O que eu quero é garantir aqueles que são mais importantes.
Para a maioria das empresas, considerando a pirâmide de construção e pensando que à medida que você vai subindo, o número de processos diminui, é o que vai fazer a diferença dentro da empresa sem que fique engessada.
O líder, o dono da empresa ou gestor precisa se enxergar como um cirurgião. O cirurgião não sai fazendo cirurgia sem saber o que está acontecendo. O cirurgião não vai realizar um cateterismo porque aquela veia vai entupir daqui a 20 anos. Ele vai esperar o momento certo, olhar os resultados dos exames e atuar naquele sintoma. Então, o processo não é um exercício físico, que você sai fazendo. É uma cirurgia.
Luccas Riedo é CEO do G4 Educação e mentor da Imersão G4 Traction, em que ensina Processos. Antes de assumir o cargo de CEO, ele foi CFO do G4 e atuou como gerente-executivo da consultoria Ekantika Brasil.