Ricardo Basaglia: “Em um mundo que muda tão rápido, a capacidade de se adaptar é fundamental”
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Ricardo Basaglia: “Em um mundo que muda tão rápido, a capacidade de se adaptar é fundamental”

Ricardo Basaglia: “Em um mundo que muda tão rápido, a capacidade de se adaptar é fundamental”

Por:
Soraia Yoshida
Publicado em:
26/2/2024

Que a Inteligência Artificial Generativa (GenAI) vai mudar a maneira como as empresas buscam, selecionam e contratam pessoas está mais do que claro. Mas juntamente com essa onda de transformação vem junto um foco em habilidades que ultrapassam o conhecimento técnico. Não apenas os colaboradores terão de aprender uma maneira de trabalhar que envolve a IA em vários pontos, como também serão avaliados por ter ou não soft skills mais desenvolvidas. No movimento da contratação por habilidades, a discussão é de que habilidades estamos falando e quanto elas vão pesar na busca por talentos.

“Em um mundo que muda tão rápido, a capacidade de se adaptar é fundamental”, afirma Ricardo Basaglia, CEO da Michael Page e mentor do G4 Educação. Segundo ele, a adaptabilidade permite que o profissional seja capaz de se desenvolver e avançar, sem ficar preso ao que traz em seu currículo. “Nós somos contratados por uma foto que vai mudar muito rápido”, diz.

Um relatório de tendências em contratação da Mercer aponta que as habilidades dos candidatos vão contar mais pontos do que necessariamente as empresas pelas quais o profissional passou. O estudo traz ainda que 39% dos CEOs entrevistados estão redesenhando seus processos em torno de habilidades e 33% estão investindo em na avaliação de talentos e no desenvolvimento de habilidades dos funcionários.

Para Basaglia, as soft skills, que ganham a designação de people skills na Michael Page, são muito importantes para o que ele chama de “ganhar o jogo”. “As habilidades técnicas te faz entrar no jogo, as emoções te fazem ganhar o jogo e o que vence o campeonato é a adaptabilidade”, compara.

A seguir, Ricardo Basaglia explica como enxerga as mudanças na busca por talentos e traz provocações que fazem refletir sobre como deveríamos olhar para o que é importante ou não no mercado de trabalho.

Alguns relatórios de tendências apontam que as empresas estão começando a olhar mais para as chamadas soft skills dos candidatos, do que para a formação. O que isso deve mudar na aquisição de talentos? Você tem sentido isso no mercado?

Para dizer como eu vejo essa questão, vou contar a história de um amigo que morava em Barcelona, na Espanha. O sonho dele era assistir a um treino do [Lionel] Messi. Quando ele finalmente conseguiu ir a um treino, foi a maior decepção da vida dele porque a expectativa que ele tinha era ver o melhor jogador do mundo fazendo gols maravilhosos, de bicicleta e tal. E o que ele viu durante três a quatro horas foi o Messi pegar bola, passar bola, pegar bola, passar bola. Só que é justamente isso que faz o Messi ser o Messi: ele tem fundamentos muito sólidos. 

Para mim, isso diz muito sobre o mundo em que a gente vive. Muitas vezes, quando falamos de habilidades [as chamadas skills], tem muita pirotecnia no mercado, antes de olhar para o que é básico. O que eu tenho muito claro na minha cabeça é que treinamento não é garantia de conhecimento e conhecimento não é garantia de resultado. O que o mercado valoriza é resultado. Então, o que eu mais vejo atualmente são pessoas frustradas por terem investido dinheiro em treinamento e que não estão sendo valorizadas pelo mercado. Precisamos pensar em como transformar esse treinamento em conhecimento e esse conhecimento em resultado. 

A minha provocação é que as people skills, que é como definimos essas habilidades na Michael Page, podem ser suficientes na falta de hard skills, quando a empresa possui um ambiente em que há espaço para desenvolver as pessoas. Muitas vezes, eu vejo grandes empresas dizendo que vão contratar alguém por people skills e depois desenvolver internamente. Se você perdeu um profissional que atuava em Relação com Investidores (RI), você contrataria alguém que nunca trabalhou em RI para falar sobre as suas ações? Duvido. São situações em que temos que olhar caso a caso. O que não não deveria acontecer é a necessidade do conhecimento técnico atropelar o que é necessário do ponto de vista de people skills

Qual seria a principal habilidade ou habilidades que um profissional precisa ter hoje?

De todos os preditivos sobre sucesso que já vimos nos últimos tempos, o que traz mais força é o QA, que é o Quociente de Adaptabilidade. Em um mundo que muda tão rápido, a capacidade de se adaptar é fundamental. Nós somos contratados em uma empresa por uma foto que vai mudar muito rápido [que são as habilidades que nós desenvolvemos e tudo o que aprendemos até chegar naquele ponto] e a maior parte das pessoas fica presa naquela foto querendo que aquela foto volte e ela não vai voltar. 

E tudo que fica cristalizado não sai do lugar. Então, ser adaptável faz com que a gente possa avançar. O que mais?

Um dos maiores skills que a gente vai precisar daqui para frente é um negócio chamado discernimento. Para ser bem específico, discernimento é como eu uso a minha experiência, a minha visão de mundo para tomar boas decisões. É fácil explicar discernimento, mas como eu desenvolvo discernimento em alguém? E a partir daí, quais são os elementos que temos de trazer? 

Pensando em adaptabilidade, talvez uma das habilidades mais poderosas daqui para frente é o poder da escuta. Como a gente pode ter presença para escutar não somente com os ouvidos, mas com os olhos e, principalmente, com o coração. Escutar sem julgamento para que a gente possa entender o contexto. E ninguém é adaptável sem resiliência. Nós vivemos em um mundo em que a mídia vende atalhos a todo momento, mas algumas coisas na vida não têm atalho. Não dá para inventar desculpa para tudo que não se quer fazer ou que vai ser difícil. Sem resiliência, nada de valor vai ser construído na sua carreira. Então, resiliência é fundamental porque antes de dar certo, vai dar errado muitas vezes. 

Existe um entendimento de que somente o conhecimento técnico é ensinado, as people skills são desenvolvidas durante a nossa vida… 

A grande maioria dos módulos de graduação, pós-graduação, MBA e mestrado é focada em conhecimento técnico, ou seja, hard skills. Se você pensar bem, ao longo da vida, nós aprendemos hard skills, não aprendemos people skills. Como nós aprendemos hard skills? De fora para dentro. People skills é justamente o contrário, a gente aprende de dentro para fora. Então, tem essa questão que é “aprender a aprender” essas habilidades. 

Mas você sente que existe uma mudança no peso dado a hard skills ou isso é apenas reflexo da dificuldade de preencher certas vagas?

Eu não acho que o conhecimento técnico [hard skills] deixou de ser importante. Ter hard skills é o básico para você estar no jogo – sem isso você nem entra no jogo. O Quociente Emocional (QE) é o que te faz ganhar o jogo, mas é a adaptabilidade que vence o campeonato. Eu acho que dá para a gente pensar dessa forma: as habilidades técnicas são o que te faz entrar no jogo, as emoções para ganhar o jogo e o que vence o campeonato é a adaptabilidade.

Voltando a pensar em escuta ativa e resiliência, essas são skills associadas no ambiente de trabalho à convivência e troca entre profissionais mais jovens e outros mais experientes. Existe algum outro caminho para desenvolver soft skills?

Qualquer pessoa pode desenvolver people skills. Talvez você não desenvolva essas skills a ponto de ser o melhor do mundo, mas certamente pode se tornar uma pessoa acima da média. Para desenvolver people skills, dois elementos são fundamentais. Um é a intencionalidade: você precisa querer. Sem a intencionalidade, ainda que você esteja no ambiente certo com as melhores pessoas, você não vai desenvolver essas habilidades. O segundo elemento é colocar em prática: people skill não se aprende apenas na teoria. Eu não consigo aprender resiliência e escuta ativa lendo um livro – e aí, sim, o ambiente no qual você convive, mais a sua intencionalidade, é o que vão fazer você desenvolver essas habilidades. 

Para o que você acha que deveríamos olhar?

A maioria das empresas tem consciência dessa necessidade de hard skills e soft skills, só que quando você olha para o processo seletivo, quanto de soft skills está efetivamente sendo avaliado? É um índice muito baixo. A avaliação fica quase toda em conhecimento técnico. Quando você olha para as avaliações de desempenho, basicamente falam de resultado e menos de comportamento. 

Tem uma fórmula na qual acredito muito, que é performance = resultado + comportamentos e atitudes adequadas. Se você não tem comportamento e atitudes adequadas, você não tem performance. Você pode ter resultado, isso sim. É importante trazer o conceito de performance dessa forma, para entender o espaço que ocupa na realidade das organizações.

Quando olhamos para a questão da retenção de talentos, como as empresas deveriam pensar no desenvolvimento dos colaboradores, em fazer com que cresçam e se enxerguem dentro da companhia para ficar mais tempo?

Eu não gosto muito dessa palavra retenção. Eu prefiro pensar pelo prisma da era da experiência. Vamos pensar o seguinte: a gente tem a nossa assinatura do Netflix ou do Spotify, que paga todo mês e que poderia cancelar a qualquer momento, mas que continua pagando todo mês. Por quê? Porque a experiência está sendo boa. Qual é a experiência que a gente está trazendo para os colaboradores, para que eles queiram continuar “renovando a assinatura”, ficando na empresa? Lembrando que na experiência do colaborador, cada pessoa valoriza uma coisa em maior ou menor proporção, portanto não se trata só de dinheiro. Estamos falando sobre um bom ambiente de trabalho, oportunidades de desenvolvimento e de carreira, uma boa relação com os colegas, um ambiente de respeito. 

Há muito tempo que se fala da experiência do cliente (CX) e pouco se fala da experiência do colaborador (EX). A gente precisa pensar em qual experiência está oferecendo para o colaborador para que ele queira renovar a assinatura.

E isso tem muito a ver com a possibilidade de expressar ideias, ser quem é e não se sentir encaixotado no ambiente de trabalho.

No programa presencial G4 Gestão de Pessoas, do qual sou mentor, eu discuto esse elemento. Eu pergunto qual é o contrário de inclusão e muita gente responde que é exclusão, portanto, se eu não sou incluído, eu sou excluído. Eu não gosto dessa definição, para mim o antônimo de inclusão é encaixe. “Eu me encaixei naquele ambiente”. E o encaixe talvez seja o que mais destrói as relações e a longevidade de um colaborador na empresa, porque se eu tenho que me encaixar naquele ambiente, é porque eu não posso ser quem eu sou de forma autêntica. 

O fato de que a Inteligência Artificial (IA) vai impactar todas as áreas da indústria é inevitável, segundo relatórios das maiores consultorias. Como você enxerga a adoção da IA na aquisição de talentos e nos processos de RH? Vai ser difícil ou vai mirar o que aconteceu com a internet e com a telefonia móvel?

Eu acredito que vai mudar em uma intensidade mais forte do que quando a gente compara com outras tecnologias. Mas eu trago dois exemplos que me dizem exatamente onde está o papel do ser humano nessa história. O primeiro é que se já existisse Inteligência Artificial na década de 1940, 1950, eu tenho certeza que o homem teria pisado na Lua de forma mais rápida, mais barata e mais segura. Só que a Inteligência Artificial jamais conseguiria ter a ideia e o sonho de mandar o homem à Lua – isso é inerente ao ser humano. A IA pode ter as maiores habilidades do mundo, mas ela não é capaz de criar uma criança para ser um bom ser humano. Esses são elementos importantes para termos no radar quando pensamos na essência humana e nas discussões sobre o futuro da Humanidade e para onde estamos indo.

Vocês usam IA nos processos da Michael Page para fazer match entre candidatos e empresas ou para melhorar a produtividade?

Sim. Hoje na Michael Page a gente vem com algumas iniciativas de Inteligência Artificial que têm trazido muita eficiência, seja para tratar ou analisar dados. Em paralelo, temos feito uma reflexão muito grande: o que a Inteligência Artificial é capaz de fazer e o que, na nossa opinião, a IA não deveria fazer. A Inteligência Artificial seria capaz de fazer sozinha uma proposta salarial para um candidato? Será que o candidato vai sair da empresa em que está por uma nova oportunidade “falando” somente com a Inteligência Artificial? A gente acredita que não. Nós precisamos de uma relação de confiança para que isso aconteça. Tudo aquilo que envolve o desenvolvimento de uma relação de confiança, de eu acreditar que tenho um futuro, uma carreira dentro de uma empresa, de que quero me desenvolver e que preciso ouvir aquele feedback de alguém, tudo isso sempre vai passar pelo aspecto humano.

Uma analogia que pode ajudar a entender esse ponto é como a gente deve tratar a intuição. A intuição é importante, só que ela deveria ser vista como um insight para eu validar depois com fatos, dados e o meu discernimento. Se eu simplesmente colocar tudo que parte de intuição sem uma prova mínima, acho que vai dar errado. Então, dentro dessa dinâmica, a Inteligência Artificial vai trazer muitos insights, muita ajuda para a tomada de decisão, mas é o componente humano que ajudará a extrair o melhor dessas decisões. 

Nós vivemos nos últimos anos uma escassez de talentos, principalmente em áreas como TI e Ciência de Dados. Você acha que ainda falta encontrar ou colocar bons profissionais em posições críticas nas empresas? 

Eu acredito que o mercado está sempre buscando um equilíbrio para chegar no equilíbrio de forças. Para a gente chegar em um equilíbrio de forças, eu aprendi com o meu avô a regra do ouro. Qual é a regra do ouro? Quem tem o ouro faz a regra. Então, quando os profissionais de Tecnologia estavam sendo demandados e não tinha gente suficiente no mercado, os salários subiram, eles passaram a ter toda a flexibilidade. Se as empresas não tivessem feito isso, elas teriam perdido seus profissionais e não seriam capazes de contratar outros. Agora, esse fenômeno está mais reduzido, estamos experimentando um equilíbrio nessa dinâmica entre empresas e colaboradores. Talvez o ouro tenha voltado um pouquinho mais para a mão das empresas, do ponto de vista de quem define essa dinâmica. 

No país em que a gente vive hoje, com mais de 8 milhões de desempregados e um grande número de desalentados que nem entram na estatística porque deixaram de procurar emprego, alguns dados mostram que 20% dos motoristas de aplicativo e 10% dos entregadores de delivery têm graduação. E aqui não há qualquer demérito ou crítica. Por outro lado, quando converso com os CEOs e diretores, é difícil não ouvir que existe uma posição em aberto e que a empresa não está achando a pessoa com a qualificação necessária. É uma dicotomia.

Para alguém que está começando agora seu negócio, qual é o conselho que você daria para atrair talentos diante de um mercado que talvez seja capaz de oferecer mais? O que olhar na hora de trazer as pessoas para dentro?

Pensando em um passo antes, que é sobre empreender, acho que tem uma grande diferença entre empreender por convicção e empreender por falta de opção. A gente fala muito do Brasil Empreendedor, mas a verdade é que a maior parte das pessoas empreende por falta de opção – e aí é onde mora grande parte do risco. Quem não teve outra alternativa nem sempre se prepara para encarar todos os aspectos, desde o financeiro até desenvolver as habilidades e conhecimento que todo gestor precisa ter.

Mas pensando em contratação, o grande elemento é conversar com muita gente. As pessoas acham que quando você vai recrutar, vai falar com duas ou três pessoas e aí vai chegar na pessoa certa. Na Michael Page, lidamos com muitos cargos na alta liderança, e é comum falar com pelo menos 70 pessoas. 

Para uma vaga?

Sim. Dependendo da vaga, eu vou falar com 70 pessoas ao telefone, depois marcar algumas entrevistas virtuais, para somente então marcar as entrevistas presenciais. É uma qualificação de elite. É estimado que a maior parte dos CEOs das Big Techs dedicam de 40% a 50% da sua agenda somente para entrar em contato com novos talentos que possam trazer para a organização. Só que essa não é uma realidade viável para a maior parte dos empreendedores. Mas não é porque não é viável que você tem que varrer para baixo do tapete e falar que está tudo bem – quando não está. Você não vai conseguir identificar o melhor se não falar com muita gente, se não escutar muita gente para entender se é possível oferecer algo que esteja dentro da sua realidade para essas pessoas que estão buscando colocação.

Fit cultural ainda é um ponto importante na hora de dar match entre empresas e talentos?

Isso para mim é uma evolução do mercado. Eu tenho 17 anos de Michael Page e quando comecei na empresa, o recrutamento era puramente técnico: você olhava a graduação da pessoa, as empresas pelas quais tinha passado, qual a sua experiência e isso era quase que suficiente para colocar alguém no processo. Depois evoluímos para a avaliação por competências: quais competências as pessoas têm e que batem com o que estamos procurando. Hoje, a gente está na avaliação cultural, em que precisamos entender quais valores são fundamentais para a longevidade do profissional na empresa. Acredito que isso não vai mudar tão cedo, mas o mercado tende a evoluir e trazer elementos mais importantes que possam oferecer preditivos de sucesso. 

Uma das maiores dicotomias no mercado é o nosso currículo profissional. Normalmente, é mais uma lista do que a gente não quer fazer mais do que uma lista do que queremos continuar fazendo. Então, como posso usar isso como preditivo do que vai dar certo daqui para frente, dado que o ser humano é o produto mais instável da face da Terra, o que ele pensava ontem é diferente do que ele pensa hoje e vai ser diferente do que ele pensará amanhã? Lembrando que quando falamos em trabalhos intelectuais, metade é sobre habilidades para se fazer, a outra metade é sobre motivação para se fazer.

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