É provavelmente um consenso entre empresas de todos os tamanhos e segmentos que melhorar a Experiência do Cliente (CX) é algo que deveria ser trabalhado de forma constante e contínua. Segundo a Gartner, 80% das empresas esperam competir principalmente baseada por CX. Mas há um abismo entre a teoria e a prática.
Para Caio Poli, Diretor Executivo Internacional de Experiência do Cliente na DiDi, a experiência do cliente como disciplina ainda não é tão difundida quanto Finanças ou RH. “É comum as empresas dizerem que têm que melhorar [CX], mas as pessoas não sabem o que tem que ser feito”.
Experiência do Cliente é muito mais do que uma “palavra do momento”, é uma estratégia para atrair, converter e reter mais clientes. Em outras palavras, está completamente conectada com o crescimento da empresa. Caio acredita que melhorar a experiência do cliente passa necessariamente por educar e apostar nos colaboradores.
Na DiDi, ele construiu um time global capaz de reduzir o abismo entre teoria e prática. Quer saber como ele construiu isso? Confira a entrevista completa com Caio Poli.
“Colocar o cliente no centro” é algo cada vez mais exigido por clientes e recomendado para empresas que querem crescer. Mas o que é este conceito na prática?
Na minha visão, o básico de colocar o cliente no centro é a empresa tomar decisões que vão de encontro a melhorar a vida do cliente. Ou seja, oferecer mais valor para o cliente. Como você faz isso? Eu sempre olho sob duas dimensões: uma é a dimensão da cultura e a outra é a dimensão da operação.
Na parte da cultura, o primeiro passo é ter isso na sua missão, no seu propósito como empresa e nos seus valores. E comunicar que de fato você, como empresa, valoriza isso. E tem várias formas para reforçar isso. Na minha concepção, acho que a mais importante é garantir que as pessoas conheçam os clientes e suas necessidades. E isso envolve treinamento com as pessoas da empresa.
O próximo passo é a sensibilização. É mostrar o quanto a sua empresa impacta na vida do cliente e como você pode se conectar com ele. Para fazer isso, você pode mostrar o impacto que gera na vida do cliente com frequência – seja através de vídeos, histórias de sucesso, etc. Além disso, você também pode trazer o cliente para dentro da empresa, literalmente. Convidar o cliente para visitar a empresa e falar sobre suas dores e o que espera.
O terceiro passo é colocar todo mundo na linha de frente. Depende muito do segmento, mas você pode levar os colaboradores para o Atendimentos ao Cliente ou para as conversas de Vendas, ou até fazer rotas na rua e ver a operação, sabe?
Cada empresa tem que ajustar a sua operação, mas o importante é estar na batalha, conhecendo o cliente, entendendo e pegando informações em primeira mão. E fazer isso com frequência.
Para além desses rituais, o que é preciso fazer para ter uma empresa verdadeiramente centrada no cliente?
Garantir que os rituais de comunicação interna, de performance, de promoção, absolutamente tudo valorize a relação com o cliente. Por exemplo, você pode colocar como um dos critérios obrigatórios para alguém ser promovido o fato de ter realizado ações que geram mais valor para o cliente.
Você precisa colocar isso “embedado” no seu sistema de performance. E tem várias coisas que você pode fazer, a partir das métricas utilizadas pela empresa. Você pode ter uma métrica bem abrangente, como um NPS. Mas eu sou mais a favor de cascatear o NPS em métricas que mostram como cada área contribui para melhorar a vida do cliente, ou a experiência do cliente. E, com isso, cada área tem a sua meta específica.
Por que eu acho isso importante? Porque se você só coloca a parte inicial (rituais), mas no dia a dia as pessoas precisam focar em outras coisas, elas vão achar que ser centrado no cliente é um peso. Agora, se a meta operacional da pessoa tem a ver com o negócio do cliente, então ela estará trabalhando e tomando decisões para melhorar a vida do cliente.
Um exemplo: na área de Logística de um e-commerce, você tem várias métricas que representam a experiência do cliente, como tempo de entrega, volume de reclamações, problemas na entrega, apresentação do pacote, etc. Você deve olhar para essas métricas juntamente com aquelas relacionadas ao crescimento e eficiência da área.
Então, a cultura, o alinhamento estratégico e as metas operacionais cascateadas fazem com que a centralidade no cliente não fique só na parede da empresa.
Olhar com carinho para CX (Experiência do Cliente) é essencial para empresas que querem ser centradas no cliente. Mas não é todo mundo que conhece esse conceito.
Afinal, o que é “experiência do cliente”?
A Experiência do Cliente é o conjunto de sensações que o cliente sente e percebe, em todas as interações que ele que tem com a empresa. Basicamente, quase tudo faz parte da experiência do cliente.
Muitas pessoas acham que a experiência do cliente é um departamento ou uma área de atendimento. Mas a experiência é a percepção da jornada inteira.
As pessoas também se confundem sobre as diferenças entre o que a empresa faz e a percepção do cliente. Às vezes, as empresas olham muito para o próprio umbigo. Em um e-commerce, por exemplo, você pode reduzir o tempo de entrega de 10 para 8 dias. Mas se o cliente achar que é ruim, está ruim, entendeu? Não é porque você melhorou que está bom. Essa parte é muito importante porque estamos falando da percepção do cliente.
Eu quero ressaltar esses dois conceitos na definição de experiência do cliente: a percepção, e [a percepção] em todos os seus pontos de contato.
O que separa uma experiência do cliente positiva de uma negativa?
O básico de uma boa experiência do cliente é resolver o problema do cliente. O cliente vai fazer um curso em uma empresa porque ele quer aprender. O cliente vai usar um aplicativo de mobilidade, ele quer ir do lugar A ao B com segurança. É isso, esse é o básico.
Depois, você vai buscar conveniência, ou seja [resolver o problema] com o menor esforço possível. Então, eu quero ir do ponto A ao ponto B com um clique só. Eu quero aprender da forma mais prática possível, para que eu consiga resolver meus problemas imediatamente. É isso que a gente chama de conveniência.
De novo, não adianta eu ter conveniência se não resolver o problema. [O curso] foi super prático, mas eu não aprendi nada. Pode ser super fácil, se eu não for do ponto A ao ponto B, não resolve. Então, [resolver o problema] é a prioridade máxima da boa experiência.
E a terceira é a conexão com a marca. Criar um engajamento e uma sensação de pertencimento e de conexão.
Mas você tem que seguir essa ordem, na minha opinião. Se você não resolver o problema do cliente, não adianta fazer um negócio super diferente. A empresa que não faz o básico não sobrevive no longo prazo, porque ela não atende às necessidades do seu cliente.
O que você considera como o principal desafio na criação de uma boa experiência do cliente?
Primeiro, as áreas da empresa não acharem que são responsáveis pela experiência do cliente. Depois, quando acham, olham de uma forma muito desintegrada. Então, a jornada do cliente fica muito truncada.
Imagina o seguinte: uma pessoa vê a campanha de marketing linda da sua empresa na TV, e entra em contato com o Atendimento para dar o próximo passo. Mas chegando lá, o atendente não sabe nem falar português direito.
Em outro exemplo, o discurso da empresa é sobre simplicidade, mas na hora que você usa o aplicativo, é complexo pra caramba. Falta a integração dessa jornada.
É claro que não é fácil fazer isso porque, como empresa, você precisa dividir os trabalhos e, com isso, você acaba perdendo muito na comunicação. Mas por meio de métricas, cultura e processos de trabalho, você consegue tornar a jornada um pouquinho mais suave.
Mas como isso funciona na prática? Para empresas que querem colocar o cliente no centro, por onde começar?
O primeiro passo é criar um quadro de métricas. Como há um risco grande das pessoas ficarem muito enviesadas, defina quais são as métricas que vão olhar. Normalmente, são métricas mais gerais, como o NPS, e métricas transacionais ou de operação, como satisfação do cliente, SLA, etc.
O segundo passo é, depois de entender onde você está pelos quadros de meta e conhecendo o cliente, criar programas de melhoria contínua. Não dá tempo para fazer tudo. Então, você tem que escolher um processo, um projeto ou uma jornada [para melhorar]. Como você escolhe? Começa pela principal dor do cliente que vai ajudar a endereçar os desafios de negócio.
Estou com problema de aquisição? Talvez a jornada de onboarding esteja com problema. Ou então o problema é de retenção. Será que o problema não está no pós-venda? Você escolhe uma jornada que está conectada com a sua estratégia de negócio e põe um time que vai te ajudar a discutir e definir como resolver esse problema.
Mas é óbvio que isso varia de empresa para empresa. Tem coisas que você consegue fazer em uma semana, tem coisas que precisam de um mês. Você define a rotina e o tempo necessário para esse processo de melhoria contínua.
Na DiDi vocês atendem clientes do mundo inteiro. E isso significa diferentes pessoas, com diferentes culturas. Como vocês lidam com isso?
Você tem que entender a cultura. O que aquele cliente espera e o que vivencia naquele país. Então, se eu trabalho em um aplicativo de mobilidade, quais são os outros aplicativos de mobilidade que o cliente tem? Como ele usa? Esse cliente valoriza mais o preço, a conveniência ou a qualidade do carro?
Em um país como o Brasil, as pessoas gostam de resolver o problema por um canal de “tempo real”, como WhatsApp ou telefone. No México, é muito mais no telefone e presencial. Por quê? Porque as pessoas culturalmente estão acostumadas a resolver problemas desse jeito. Em outros países, como a Austrália e a Nova Zelândia, é tudo digital.
Você tem que entender aquele cliente local para conseguir fazer com que a sua solução, de fato, resolva o problema. O que muita empresa globalizada erra é que ela usa um modelo padrão e isso em geral não funciona. Você tem que customizar.
O ideal é fazer um cohort [recorte] pela persona, porque ela [a persona] é o ponto inicial de como você vai desenhar sua jornada. Vou tentar ser mais específico: tem passageiros que usam o nosso aplicativo para sair só de fim de semana. Esses passageiros que vão usar só no final de semana, preferencialmente à noite, não se preocupam tanto com velocidade. Talvez o preço seja mais importante.
Já o público corporativo, que usa durante a semana e se preocupa menos com preço, e mais com a velocidade, quer ter a certeza que vai ter um carro.
A persona é o primeiro passo para você desenhar a sua jornada.
Quais foram seus principais aprendizados nessa jornada?
Acho que o primeiro é entender que a experiência do cliente tem que estar muito conectada com o negócio. Você não pode ter uma agenda paralela; ela não se sustenta no longo prazo. As pessoas facilmente se engajam com a experiência do cliente, mas se o colaborador virar para o outro lado e perceber que esse não é o problema do negócio, não vai ficar engajado.
A experiência do cliente tem que ser um enabler (facilitador) do negócio. É uma forma de atingir seus objetivos de negócio.
O segundo aprendizado é que a experiência do cliente é uma jornada, e não um projeto. Ela não vai se resolver de um dia para o outro. Você precisa ter um trabalho contínuo para melhorar a experiência.
E o terceiro é que cada empresa opera de uma forma diferente. Não adianta você encaixar o “quadradinho na bola”, sabe? Você tem que entender o formato que encaixa para a sua empresa, no modelo operacional da sua empresa. Se é uma empresa muito focada nas metas, tudo bem, então coloca [a experiência do cliente] na meta. Se é uma empresa mais focada na cultura, reforça na cultura. Se a empresa quer olhar para os processos, coloca nos processos. Você precisa entender o que se encaixa na empresa e adaptar esses princípios.
Um estudo recente publicado por Shep Hyken revelou que 58% dos clientes estão dispostos a pagar mais por melhores experiências com produtos/serviços. Qual é a sua visão sobre isso?
Em geral, acho que [a experiência do cliente] é um diferencial, sim. Só que cada indústria vai saber o tamanho desse diferencial. Em indústrias como serviços e bens de consumo, as pessoas tendem a pagar mais pela qualidade do serviço, dado o mesmo nível de preço. E com mercados cada vez mais competitivos, você precisa achar a forma de se diferenciar.
Mas sendo bem realista: vai variar com a indústria.
A retenção é cada vez mais atribuída ao sucesso das companhias, mesmo em modelos de negócio que não são de recorrência. Nesses casos, é mais sobre ter o mesmo cliente retornando mais vezes. Ou seja, maior LTV (Lifetime Value). Quais recomendações você daria para uma empresa que deseja melhorar a retenção dos seus clientes?
Para trabalhar a retenção, você precisa [primeiro] oferecer um bom serviço, entendendo qual é o principal ponto de atrito e [segundo] diminuir esse atrito. Para ser mais prático: o cliente deixou sua empresa. Por que ele deixou? Você pode tentar medir, fazer entrevista e “diminuir a razão” pela qual ele saiu.
Para isso não precisa ter um programa de fidelidade, nem nada. Ele pode ter saído porque não gostava da experiência de onboarding. Ou talvez porque não usava todas as ferramentas. Se eu sou uma empresa de software, o que eu vou fazer? Fazer os clientes saberem mais e aproveitarem as ferramentas. E aí ele não vai mais sair.
Honestamente, eu acho que essa é a arma mais poderosa para a retenção.
Com a penetração da IA, especialmente nas áreas de atendimento do cliente, como você enxerga o futuro da experiência do cliente?
Acho que a Inteligência Artificial já vem sendo utilizada há algum tempo no core (núcleo) do negócio, que é resolver melhor o problema do cliente, com mais conveniência.
No G4 Educação, por exemplo, vocês têm uma plataforma [o G4 SKILLS] que recomenda a solução de treinamento customizado. Na 99, muito do nosso algoritmo é usado para direcionar um motorista para um passageiro. É tudo muito sofisticado com Inteligência Artificial.
Os princípios da experiência são fundamentais. O que quer dizer que ele não muda de acordo com a tecnologia. Eu vejo a tecnologia ajudando a executar esses princípios. Para resolver o problema do cliente, você usa a Inteligência Artificial no core da sua solução.
A IA também pode ser utilizada para melhorar todas as outras partes do touchpoint com o cliente. A gente falou das personas, né? Por que você agrupa as pessoas em persona e não trata cada pessoa de um jeito? Porque não é escalável. Com Inteligência Artificial, em alguns casos você consegue.
Você pode usar IA no onboarding, no atendimento ao cliente, até nos serviços de vendas. O fato é que essa interação vai ser cada vez mais poderosa. Você sai do lado de clusterização e vai para o lado da personalização.
Os principais relatórios sobre as tendências de CX ressaltam uma característica que ganhará relevância nas relações entre marcas e pessoas: a transparência. Qual é a sua opinião sobre o assunto?
Eu acho que as pessoas fazem negócio baseados em um pilar principal: a confiança. Quando você fecha um negócio, é porque você confia na outra parte. E a base da confiança é a transparência.
Se você não é transparente, a pessoa não vai confiar em você e não vai fazer negócio. É difícil construir uma relação de longo prazo, se ela não for transparente. Isso na vida, mas também nos negócios.
Toda empresa tem que se comunicar. Só que você pode fazer isso de duas formas: sendo transparente ou não-transparente. Se as empresas podem contar o que fazem, acho que a transparência ajuda na construção de confiança. Se as pessoas confiarem na sua empresa, elas comprarão seu produto ou serviço. Se elas não confiarem, não vão comprar.
E se as pessoas se sentirem enganadas, elas vão parar de comprar. Essa é a relação.