Humanos entendem o mundo através de histórias. Seja na política, na religião, ou até mesmo nos negócios, o storytelling é uma ferramenta essencial para conectar e engajar as pessoas.
Ainda que todo consumidor pareça estritamente racional nas suas decisões de compra, a verdade é que sentimentos e sensações alteram consideravelmente a forma como interpretamos o mundo — de acordo com a Teoria da Perspectiva, desenvolvida por Daniel Kahneman e Amos Tversky em 1979.
Enquanto números e fatos recorrem ao nosso lado racional, as histórias conversam com o nosso “irracional”, ou seja, com aquilo que sentimos. É por isso que boas histórias são capazes de influenciar uma decisão, mesmo quando os dados apontam em outra direção.
E é por isso que o storytelling é tão importante para os negócios.
Em um cenário cada vez mais competitivo e com uma infinidade de soluções para os consumidores, uma boa história pode ser o principal fator de diferenciação e conquista de um mercado.
Engana-se quem acredita que o storytelling é uma ferramenta “romantizada” ou que serve apenas para grandes companhias que já se estabeleceram. Durante todo o artigo, traremos exemplos de empresas de diferentes níveis de maturidade que realmente colocaram o storytelling em prática para se conectar com o público certo e fazê-lo comprar seu produto ou serviço.
Storytelling é a capacidade de transformar um conjunto de informações em uma história compreensível e emocionante. No mundo dos negócios, isso significa usar elementos narrativos para promover os diferenciais da empresa e influenciar na decisão de compra dos consumidores.
Na prática existem várias formas de utilizar storytelling como uma estratégia de negócio. O time de vendas pode instrumentalizar a história da empresa para valorizar e diferenciar seu produto. A Cruz Vermelha, por exemplo, utiliza a narrativa de “salvar vidas” como um argumento para aumentar as doações.
O time de marketing, por sua vez, pode desenvolver uma história da marca para criar conexão com determinados perfis de pessoas. A Harley Davidson construiu uma narrativa poderosa que faz com que as pessoas associem seus produtos a “vidas com liberdade e emoção”.
Até mesmo na criação de estratégias operacionais, o storytelling pode ser usado como uma ferramenta que facilita a compreensão dos objetivos desejados e desafios esperados.
Confira as principais formas de usar o storytelling como alavanca de crescimento para o seu negócio, e cases de empresas que tiveram sucesso na execução.
🎧Ouça agora: Como construir uma marca forte
Este é provavelmente o uso mais conhecido do storytelling por empresas. Em resumo, as companhias usam o storytelling para construir relacionamentos mais fortes, ou seja, resilientes e duradouros que mantenham o cliente próximo da empresa.
A principal força do uso do storytelling neste contexto é o apelo emocional que histórias podem criar. Enquanto a maioria dos negócios foca na divulgação das qualidades racionais do seu produto (preço, tecnologia, etc), uma boa história pode oferecer argumentos ainda mais poderosos, como o que significa ter aquele produto para o cliente e como ele impacta sua percepção sobre si mesmo.
Pense em um time de futebol. O preço pode até ser um componente relevante na decisão de compra, mas está longe de ser o principal. O símbolo e cores do time são muito mais importantes, pois contam uma história.
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No TEDx Talks “What's your brand story?”, o estrategista de negócio Jeff Freedman faz duas perguntas simples, mas incrivelmente poderosas que, ao serem respondidas, oferecem basicamente todos os insumos necessários para criar uma história verdadeira e relevante para sua marca.
Com base nas respostas, você já terá uma estrutura básica que define para onde a empresa quer ir, e por qual caminho. Como complemento, o framework de arquétipos de marca, ilustrado abaixo, apresenta possibilidades de como a marca se relaciona com os clientes durante a sua jornada.
É importante ressaltar que esses arquétipos não são imutáveis. Empresas podem flutuar por diferentes personas à medida que evoluem.
Em 2018, o publicitário norte-americano Mike Cessario enxergou uma grande oportunidade de negócios na venda de água mineral. Para ele, todas as marcas apostavam em uma mesma narrativa que evocava os valores naturais e saudáveis da água.
Então, ele resolver apostar na construção de uma história diferente. Uma história heavy metal. Antes de criar o produto, Cessario fez um pequeno comercial e investiu US$ 1.500 na divulgação. Este foi o resultado:
Em apenas uma semana, o vídeo acumulou mais de 3 milhões de visualizações e milhares de seguidores para o canal. Com o ótimo resultado, ele decidiu abandonar a carreira de publicitário e construir o produto que o anúncio vendia.
O resultado é a Liquid Death, uma empresa com valuation de US$ 700 milhões.
Se o storytelling pode ser instrumentalizado para valorizar a percepção dos clientes e do mercado sobre determinada marca, o mesmo pode ser feito para a valorizar a percepção interna, de colaboradores, parceiros estratégicos e outros stakeholders (partes interessadas).
Cultura é um dos elementos mais importantes para um negócio. Como o pai das metodologias modernas de gestão, Peter Drucker, afirma: “A cultura come a estratégia no café da manhã”.
O que isso significa na prática é mais importante do que qualquer plano muito bem elaborado: são as pessoas que o implementarão. Se a cultura da empresa não estiver alinhada com os planos estratégicos da companhia, as chances de fracasso são enormes.
O storytelling pode servir como ferramenta para fortalecer a cultura, criando uma narrativa que atraia as pessoas com os mesmos valores, reforce suas decisões do dia a dia e inspire todos a fazer mais e melhor.
Mais sobre cultura organizacional: Como controlar a cultura da sua empresa
Um dos livros mais relevantes sobre branding da última década, "Primal Branding", oferece um passo a passo de construção de cultura e marca que utiliza o storytelling como principal “cola” que unifica todas as etapas. Confira:
De acordo com o autor do livro, Patrick Hanlon, esses atributos são essenciais para qualquer organização (religiosa, privada, política, etc) de alto impacto. E o storytelling ajuda não somente na criação dos atributos, como também na “amarração” em algo coeso e facilmente compreensível.
Reforge é uma edtech de alto crescimento, que em menos de 10 anos se tornou uma das principais instituições de ensino superior para profissionais de Growth e Produto no mundo todo.
Brian Balfour, o fundador e CEO da companhia, utiliza a cultura de forma estratégica para o seu negócio. De acordo com sua publicação, a cultura é usada para
Ou seja, o CEO enxerga a cultura como fundamental para as decisões mais importantes da empresa e como alavanca para atrair, incentivar e recompensar os melhores talentos.
O storytelling também pode ser utilizado como uma ferramenta que facilita a compreensão e engajamento de estratégias da companhia.
Uma estratégia de negócio é uma ferramenta para organizar e implementar ações relacionadas, com um objetivo em comum. Simples assim. Mas para que ela funcione, é necessário entender seu contexto, o que se pretende conseguir, quais serão as capacidades necessárias e os desafios previstos.
Mas uma boa estratégia é só o começo. Para funcionar, ela precisa ser comunicada e entendida por todos que participarão dentro e fora da empresa. Times de vendas e CS que não compreendem uma estratégia podem promover ações conflitantes, que geram problemas para toda a empresa.
E é aí que entra o storytelling, como ferramenta para simplificar e engajar as pessoas. O caráter emotivo das histórias pode inspirar as pessoas, e fazer com que tomem decisões mais acertadas, mesmo quando as estratégias são complexas.
No artigo “ Your Strategy Needs a Story” publicado na Harvard Business Review, os autores Martin Reeves, Roeland van Straten, Tim Nolan e Madeleine Michael criam um guia de como criar histórias para as estratégias de negócio, mesmo quando uma operação é complexa.
Um dos maiores desafios da Wildlife Conservation Society, uma organização não governamental norte-americana, é coordenar ações de mais de 500 projetos de conservação em 69 países, com mais de 200 cientistas, além de doadores e voluntários.
Em 2016, o projeto “96 Elephants” exigia a coalizão de centenas de zoológicos, empresas, ONGs e indivíduos. Certamente um dos maiores e mais complexos que a organização já orquestrou. Para isso, as pessoas envolvidas criaram uma história poderosa e simples que colocava todos os participantes na mesma página.
“No ano passado, caçadores mataram 35 mil elefantes para comercializar suas presas. Estamos enfrentando uma grande crise. Mas temos uma estratégia simples para salvar os elefantes. Parar a matança. Parar o tráfico. Parar a demanda”.
Uma história simples e direta, que qualquer pessoa é capaz de entender.
Essa estratégia de conservação se tornou uma das mais bem sucedidas da história. Segundo John Calvelli, vice-presidente executivo de Relações Públicas da Wildlife Conservation Society, “seria inconcebível executar essa estratégia de proteção e preservação por todo o mundo sem criar histórias poderosas”.
Um dos principais movimentos dos gestores nesta década é o de substituição do "feeling" (sentimentos, emoções) por dados nas decisões estratégicas. E à medida que mais e mais dados são gerados pelos usuários, mais assertivas são as decisões dos negócios.
A questão, no entanto, é como transformar os dados em uma boa história? E é exatamente isso que propõe o data storytelling.
Data storytelling é simplesmente a aplicação de técnicas narrativas para construir uma história baseada em dados. É a habilidade de comunicar conceitos e ideias complexas de forma precisa, eficiente e memorável.
No jornalismo tradicional, essa técnica é amplamente utilizada. Em um ano, ninguém se lembrará do valor registrado pelo Índice oficial de inflação no Brasil (IPCA). Mas a maioria se lembraria de uma história sobre uma mãe que precisou escolher se levaria uma caixa de ovos ou leite para os filhos.
De acordo com o ex-CIO da Intel, Jim Stikeleather, para criar uma história através de dados, o primeiro passo é encontrar uma narrativa atraente. Isso significa que você precisa encontrar uma forma de contextualizar, encontrar conexões entre os dados e não ser chato. Em seguida, você deve entender sua audiência. Afinal, diferentes audiências têm diferentes conceitos do que significa “ser chato”.
O próximo passo é garantir que sua análise seja objetiva e equilibrada. Além disso, você deve evitar censurar determinados dados que podem contradizer a história. O maior risco no data storytelling é “dobrar” os dados para que eles contem uma história. São as histórias que precisam se adaptar aos dados, sempre.
Por fim, você deve editar continuamente. Reescrever é tão importante quanto escrever.
Quando não há dados suficientes: utilize o framework ICE Score
A verdade é que este artigo já te deu a estrutura necessária para dar o primeiro passo na utilização do storytelling como alavanca do negócio. Mas para aqueles que querem aprofundar seus conhecimentos, separamos quatro leituras que são a base teórica para a maioria dos debates e recomendações de storytelling no mundo:
Quando o assunto são histórias, este livro é provavelmente o mais amplamente discutido por acadêmicos e profissionais (escritores, cineastas, roteiristas). E há uma razão para isso: o autor criou o que é considerado o mais robusto estudo sobre mitos do planeta.
Para donos de negócios, ele oferece toda a conceituação básica sobre arquétipos, arcos narrativos e os elementos capazes de gerar emoção e conexão para a audiência. Mas aqui vai um aviso: a leitura é densa!
"Primal Branding" é uma das leituras obrigatórias para quem quer construir uma marca que dure. O autor não apenas introduz as características que uma marca precisa ter, como também as explica do ponto de vista histórico.
Além disso, a leitura está repleta de estudos de casos que mostram como as empresas de fato utilizaram os atributos para a construção dos seus impérios.
Mais de uma vez falamos aqui sobre como histórias são usadas para se conectar com as pessoas. Mas por que isso acontece? O que há de tão diferente em uma história que faz ela “grudar” na sua mente?
O autor propõe a primeira teoria unificada sobre storytelling como ferramenta que nos ajudou a sobreviver, dos tempos pré-históricos até a Era Digital. Ele também oferece uma visão evolutiva sobre o storytelling como ferramenta humana.
Este livro pode parecer um “estrangeiro” na lista. Mas se você acompanhou a leitura até aqui, verá que grande parte das estratégias de storytelling passam pelo grande “porquê” da empresa.
No livro, Sinek oferece mais do que uma forma de usar o storytelling na prática, ele mostra os motivos pelos quais o framework Golden Circle é essencial para a prosperidade da companhia.