Em 2021, além de seguir presenciando a crescente digital de 2020, mais e mais pessoas começaram a testemunhar o que pode vir a ser o futuro dos negócios. Se bem termos como metaverso e NFTs tiveram um aumento significativo no número de pesquisas, desde o ponto de vista do empreendedor, outra procura se destacou, compreender o que é DAO, a possível disrupção da gestão empresarial.
Essa crescente curiosidade por conhecimento é atribuída em grande parte a alta no valor (e na popularidade) de criptomoedas como Bitcoin e Ethereum e ao recente renomeamento do Facebook como empresa para Meta Plataforms, Inc., nome ligado diretamente a ideia do metaverso, onde Mark Zuckerberg vem alocando um percentual dos recursos de sua empresa.
Dito isso, apesar de hoje possuir uma maior exposição nos veículos de mídia, boa parte dos termos ligados a nova iteração da internet (Web 3.0) já existem e vem sendo trabalhados há muito tempo.
No caso das DAOs, do inglês decentralized autonomous organization, de acordo com uma pesquisa conduzida pela Aragon, esse tipo de organizações provavelmente estão evoluindo mais rápido do que qualquer indústria na história. No começo de 2021, as DAOs detinham coletivamente US$550 milhões e agora comandam mais de US$11 bilhões.
Em casos mais específicos, em novembro de 2021, um grupo chamado ConstitutionDAO arrecadou US$47 milhões em criptomoedas para licitar uma das treze cópias originais existentes da Constituição dos Estados Unidos –ela eventualmente perdeu o leilão para Ken Griffin, CEO da Cidadel.
Outras DAOs, segundo o The New Yorker, foram criadas com objetivos tão ousados como o acima mencionado:
Contudo, esse tipo de histórias, cada vez mais recorrentes no meio virtual/digital, fornecem apenas uma imagem parcial deste crescente fenômeno. Além disso, por mais esse exemplos ilustrem o potencial e a ambição de muitas dessas empresas, eles não são o suficientemente para um real entendimento sobre o que é DAO e por quê essas organizações são importantes.
“A maneira tradicional de ganhar dinheiro era “trabalhar para ganhar”, mas o futuro da renda é “x-para-ganhar” –jogar para ganhar, aprender para ganhar, criar para aprender e trabalhar para ganhar”
Andreesen Horowitz
Uma das principais venture capitals do mundo
Organizações autônomas descentralizadas (ou DAOs) são negócios nativos digitais governados pelo consenso de seus membros, em vez de em uma liderança centralizada.
As DAOs prometem que a tomada de decisões de uma organização caberá a um amplo grupo de membros, e não só à uma pequena parcela da empresa presente, geralmente, no conselho corporativo.
Se observamos mais de cerca o movimento das DAOs nos últimos meses, vemos como sua estrutura já se mostra promissora e, inclusive, já proporcionando um ecossistema de startups digitais fora do Vale do Silício.
Na governança corporativa tradicional, as empresas possuem estatutos que ditam as políticas à serem seguidas, como a forma de eleição do conselho. Uma DAO é regida pelas regras redigidas em um smart contract (contratos inteligente), que executa o protocolo de forma automática e autônoma através de seu código.
Portanto, DAOs costumam evitar contratos legais, se apoiando nas regras definidas e colocadas em código. Em comparação com as entidades legais existentes, as DAOs apresentam certas eficiências operacionais e atualmente são usados por organizações que gerenciam mais de US$500 milhões em ativos.
Do mesmo modo que membros da DAO conseguem contribuir com ativos digitais com alguns cliques em seus dispositivos móveis, a tecnologia blockchain facilita a movimentação de ativos, que podem ocorrer em questão de segundos.
Além disso, quando um membro decide sair, ele/ela receberá seus ativos com ganhos baseados no sucesso da organização.
Um dos principais benefícios de uma DAO (e algo fundamental no entendimento sobre o que é DAO) é que ela possui o balanço em uma blockchain pública com o descritivo de todo o histórico de transações, portanto, é completamente transparente, o que reduz significativamente o risco de corrupção e censura.
Ao unir essa transparência ao smart contract, que garante o cumprimento das regras estabelecidas, como por exemplo, o poder de voto nas decisões ou em executar determinada regra para a distribuição de lucros, chegamos ao valor mais importante dessa estrutura: uma relação de confiança entre membros, mesmo que estes não se conheçam pessoalmente.
A DAO, por definição, possui capital interno e seus ativos podem ser diretamente controlados pelas parte interessadas por meio de um token. As partes interessadas podem ser pseudônimos e sediadas em qualquer lugar do mundo, além disso, elas podem alocar os ativos de uma DAO para diferentes fins, inclusive para contratações.
As responsabilidades costumam ser divididas entre os membros e, normalmente, qualquer transação precisa ser aprovado por consenso, a não ser que a pessoa seja a única responsável pela tomada daquela decisão.
Os princípios podem ser aplicados a uma ampla variedade de organizações, incluindo organizações sem fins lucrativos, coletivos, cooperativas e fundos de investimento.
Essa estrutura costuma ser acessível e sem altas barreiras de entrada. Da mesma forma, dada sua transparência e menores barreiras, tende a ser uma organização mais dinâmica, tendo a saída de membros, caso discordem das regras e ações tomadas pelo grupo, sendo inclusive normal a migração de membros para DAOs que compartilham de uma missão semelhante.
Isso só é possível dada a facilidade de saída de cada indivíduo. Alguns smart contracts, inclusive, permitem que o membro saia e saque os seus ativos com apenas alguns cliques, dando controle ao indivíduo sob todos os seus ativos alocados em DAO e minimizando os seus riscos colaterais.
Existem várias ferramentas que funcionam como um facilitador para se criar e coordenar uma DAO, entre elas, Aragon, DAOStack, DAOhaus, Llama e MyCo, para que os membros não precisem criar tudo do zero.
O “The DAO” é uma das DAOs mais conhecidas e umas das utilizadas para o entendimento sobre o que é DAO e o propósito que a organização pode ter. O “The DAO” é, infelizmente, um exemplo dos riscos sofridos pelas DAOs.
Lançado como fundo de capital de risco descentralizado em abril de 2016, seus membros contribuem com ETH (criptomoeda Ether) e recebem tokens DAO em troca, que podem ser usados para votar em quais projetos os fundos devem ser alocados.
Um mês após seu lançamento, a The DAO levantou cerca de cento e 150 milhões ETH. Os lucros teoricamente seriam devolviddos para os detentores de tokens, semelhantes aos dividendos de ações –mas fora do mercado regulamentado. Contudo, em junho de 2016, a The Dao implodiu quando hackers desviaram cerca de um terço de seus fundos.
Assim como esse exemplo –com excessão do trágico resultado–, existem outras organizações com foco em investimentos e com teses específicas.
A “Moloch DAO”, por exemplo, busca promover iniciativas que incentivam o crescimento do ecossistema Etherium, enquanto outras têm foco específico em investir em aplicativos descentralizados (dApps) ou em investir em artes (NFTs), onde os membros podem votar nas decisões.
Dito isso, se por um lado vimos DAOs que atraem investidores para lograr objetivos audaciosos, por outro vemos DAOs como a F.W.B., por exemplo, que serve como um lounge exclusivo para criadores/artistas.
Para entrar nesta comunidade fechada, as pessoas devem comprar um token (também chamado F.W.B.) para logo serem adicionados a “grupo” dentro do Discord, onde debates são levados a cabo). Além disso, esses tokens também permitem que os membros participem de encontros presenciais e possam desenvolver projetos com outros integrantes da F.W.B.
O resultado é uma espécie de identidade de marca descentralizada onde os titulares votam na ratificação de códigos de conduta, na aprovação de orçamentos mensais e na colaboração com outras empresas.
Outras startups de porte um pouco maior começaram a experimentar com o estilo de governança das DAOs.
Em agosto de 2021, o marketplace de NFTs “SuperRare” enviou aos seus usuários tokens proporcionais ao volume de suas transações na plataforma –para efeito comparativo, imagine se o Twitter te recompensasse com base em seus retweets acumulados. Os tokens foram utilizados para escolher quais usuários poderiam abrir novas vitrinas em sua plataforma.
Segundo Sarah Moosvi, co-fundadora da aGENDAdao, grupo que apoia artistas digitais trans e não binários que trabalham com blockchain, a filosofia do ponto de vista do usuário é que você, ao realizar transações em determinada plataforma, que eventualmente recebe um percentual por essa atividade, pode esperar alguma remuneração por isso.
Por último, algumas pessoas estão interessados em traduzir o utopismo da internet das criptomoedas para o mundo real. No caso da Cabin, DAO lançada no Texas para administrar um conjunto de casas, o grupo criou um token comercializável para financiar um orçamento além de permitir que os detentores desses tokens votassem em quem receberia residências.
Atualmente, existem em torno de 280 detentores de tokens que podem votar no futuro da empresa. Para o co-fundador da Cabin, Jonathan Hillis, sua organização é descrita como uma “cidade descentralizada”, com o objetivo de construir espaços ao redor do mundo e conectá-los por meio de ferramentas digitais.
A internet sempre foi sobre conectar pessoas. A Web 3.0 emergiu como uma forma de ressignificar essa estrutura, colocando os indivíduos no centro e trazendo novos métodos mais colaborativas de relacionamento como, por exemplo, comunidades onde os próprios membros são os donos.
Apropriando-se dessa filosofia de colaboração, as DAOs cresceram de forma independente e vertiginosa em 2021, formadas por pessoas em prol de objetivos em comum. Mas quais são os seus fins e quem são elas.
A gestão de ativos é uma das principais atividades entre as DAOs. Nesse modelo, as decisões sobre onde alocar recursos é coletiva, contemplando os insights e os votos de vários agentes independentes. Como toda DAO, ela é transparente, o que favorece a gestão de ativos e como o fundo está sendo utilizado.
Assim, todas as partes interessadas podem acompanhar de perto os gastos e investimentos da organização. Entre exemplos de DAO de gestão de ativos está a BitDao, que levantou recentemente US$230 milhões, com investidores como Peter Thiel (co-fundador do PayPal e Palantir), Pantera Capital e Dragonfly Capital. Outros exemplos são a DecentralizeWSB e PieDAO.
As vantagens de ter uma venture capital (VC) sob uma DAO são as mesmas que a de uma gestora de ativos.
Um exemplo de venture capital nesse modelo é a VentureDAO, uma sub-DAO do ecossistema MetaCartel que se distingue das empresas tradicionais de VC, oferecendo rodadas de investimento relativamente pequenas com foco em projetos nativos de criptomoedas. Até agora, a VentureDAO levantou rodadas de pré-feed, seed e series A, num total de 120 investimentos.
Um outro exemplo é a DuckDao, que possui 25.000 membros que apoiam diversos investimentos não só com capital, mas funcionando também como uma incubadora.
Um outro exemplo é a Decentralize WSB, uma tentativa nascente de estruturar o movimento r/WallStreetBets em uma DAO, onde as estratégias de investimento podem ser votadas e executadas. Até agora, cerca del 20.000 signatários registraram seu interesse.
O r/WallStreetBets foi um movimento originado no agregador social de notícias Reddit onde participantes discutem o comércio de ações. O r/WallStreetBets foi um dos grandes responsável pela alta das ações do varejista de videogames Game Stop e da rede de cinemas AMC em janeiro de 2021.
Um outro segmento que tem criado novas soluções através de DAOs é o dos seguros. Através da transparência das DAOs –aproveitando-se da falta de transparência das seguradoras tradicionais– e de smart contracts, o mercado de seguros tem potencial para entregar soluções mais claras para os contratantes.
Por conta disso, a proposta da Aigang DAO Insurance Protocol é disponibilizar seguros de curta duração para carros, propriedades e qualquer objeto de posse do segurado, com regras claras sobre como o prêmio é calculado, como avaliar um dano e todos os detalhes relacionados às políticas de seguro.
Outro exemplo do segmente é a Uno Re, que se propõe a dar acesso à ferramenta de resseguro para seguradoras menores, um serviço tipicamente de acesso dos big players, permitindo que as seguradoras desenvolvam produtos de seguros inovadores adaptados às necessidades da comunidade. Além de na outra ponta, ofertar aos comerciantes a negociação desses ativos de risco.
Os desenvolvedores são os principais responsáveis pela construção da infraestrutura Web 3.0 e foram responsáveis pela construção de várias DAOs. Naturalmente, eles possuem as suas próprias organizações.
A Gitcoin é um exemplo de coletivo e tem por objetivo construir a Web 3.0. A organização é composta por mais de 300.000 desenvolvedores ativos e já levantou mais de US$50 milhões, atendendo a mais de 1.600 projetos. Outros exemplos de DAOs de desenvolvedores são a API3 e a BadgerDAO, sempre em busca de fornecer soluções tecnológicas para o ambiente da Web 3.0.
Além desse segmentos, há DAOs relacionados à compra de artes, comunidades coletivas beneficentes com teses próprias de causa (por exemplo, a Womens’DAO, composta só por mulheres) e outras iniciativas.
No caso da Decentraland, metaverso da Web 3.0, por exemplo, existe uma DAO que funciona para votar as políticas permitidas dentro do mundo virtual, definindo questões como que tipos de itens são permitidos na Decentraland e as regras sobre moderação de conteúdo.
Atualmente, o entendimento sobre o que é DAO vem se tornando cada vez mais claro, o conceito vem ganhando força e a lista de DAOs vem se tornado cada vez mais extensa.
Alguns projetos ainda buscam atingir a descentralização completa através do modelo DAO, porém vale ressaltar que eles têm apenas alguns anos e ainda não atingiram suas metas e objetivos finais.
Como organizações nativas da Internet, os DAOs têm o potencial de mudar completamente a maneira como a governança corporativa funciona.
Embora existam muitas preocupações persistentes e possíveis problemas relacionados à legalidade, segurança e estrutura, mais e mais organizações passarão a compreender o que é DAO e adotarão esse modelo para ajudar a governar algumas de suas atividades.