Chamado de “grande demissão”, o fenômeno representa a série de pedidos de demissão em massa que ocorrem intensamente desde 2021, principalmente nos Estados Unidos. Nesse cenário, para atrair e reter talentos, as empresas devem se atentar às novas necessidades e motivações dos trabalhadores.
Embora o ritmo de demissões tenha diminuído e alguns até reavaliaram suas decisões retornando ao trabalho, uma pesquisa realizada pela McKinsey, apontou que 40% (2 a cada 5 funcionários), planejam deixar o emprego nos próximos três e seis meses, o que demonstra que a tendência continua forte.
A pesquisa global abordou vários setores em diferentes lugares do mundo e se propôs a entender não só o que está levando tantas pessoas a sair de um trabalho, mas também o que as faz ficar, ajudando as empresas a diminuir o atrito na hora de conquistar colaboradores.
A pandemia possui um papel importante para os pedidos de demissão em massa, mas a grande demissão ou “the great resignation" vem acontecendo desde 2009.
A verdade é que o COVID-19 intensificou o que as pessoas já estavam sentido: exaustão e insegurança, sentimentos que foram potencializados pelo luto. Embora esse movimento tenha crescido de maneira exponencial nos últimos anos, de acordo com o estudo, os principais fatores para as demissões em 2021 foram:
Além disso, houve uma intensa reavaliação de prioridades, seguida por uma forte mudança de valores: muitos estão deixando seus cargos para atuar em outros setores, buscando por oportunidades mais flexíveis ou começando seus próprios empreendimentos, deixando a carreira em segundo plano.
Outra parcela significativa também deixou o mercado de trabalho completamente, o que acaba aprofundando a lacuna ainda mais, afinal, o problema deixa de ser como atrair talentos para como fazer com que as pessoas retornem ao mercado de trabalho.
Muitas empresas estão tentando reverter a situação rapidamente, mas sem levar em consideração as mudanças comportamentais por trás do fenômeno, o que tende a esticar o problema a médio e longo prazo. Isso porque grande parte da gestão está tentando olhar para sua proposta de trabalho, não para sua proposta de valor.
A remuneração ainda é um fator importante, mas não mais determinante para fazer com que os funcionários fiquem. Isso porque as pessoas querem um tratamento mais humano e menos transacional. Esse novo paradigma demanda uma abordagem mais social e emocional por parte das organizações, fazendo com que o employee experience seja um aspecto fundamental para a retenção de talentos.
O EX é capaz de colocar a satisfação emocional e social dos colaboradores no centro do negócio, aumentando o engajamento e senso de pertencimento, potencializando a sensação de valorização muitas vezes deixada em segundo plano na cultura organizacional.
Sendo assim, enquanto as estratégias de recrutamento e seleção continuarem priorizando melhores bônus e salários, focando em aspectos práticos ao invés de subjetivos, a tendência é que o problema seja resolvido superficialmente.
Por exemplo, em um passado não tão distante, ambientes que cultivavam líderes ruins mas que mantinham bons pagamentos dificilmente enfrentavam problemas demissionais. Contudo, o padrão agora é outro, e as pessoas estão mais inclinadas a evitar ambientes que considerem mais propícios a exaustão mental.
Um artigo recente da Harvard Business Review, aponta o que o quiet quitting ou demissão silenciosa, está intimamente relacionada à uma liderança ruim e ambientes de trabalho estrassantes, que tendem a valorizar pouco os funcionários.
Mas saúde mental é apenas só uma das prioridades em ascensão.
A pesquisa proposta pela McKinsey tentou mapear as dores mais latentes dos trabalhadores, e identificou que para passar pela grande demissão, as empresas devem focar em uma “abordagem multifacetada” a fim de se relacionar com os diferentes grupos e seus respectivos interesses.
O estudo chegou a cinco grupos com diferentes necessidades e motivações e definiu cada um com uma persona, sendo elas: tradicionalists, do-it-yourselfers, caregivers, idealists e relaxers. A seguir, descrevemos em detalhes o que cada um desses grupos procura em um proposta de trabalho e como sua empresa pode adequar a proposta de valor, focando em atrair e reter esses talentos:
Embora os chamados “tradicionais” se importem com o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, eles estão mais dispostos a ceder em prol de um bom pacote de benefícios e desenvolvimento de carreira.
Esse grupo é o mais estável, sendo os que menos deixaram os empregos em tempo integral. Mais avessos a correr riscos, o processo de recrutamento e seleção para esse grupo pode ser desenvolvido sem grandes inovações e até, apresentar menos flexibilidade se as vantagens forem consideradas competitivas o bastante.
Contudo, para empresas que enxergam nesse grupo uma solução para evitar a onda de demissões deve estar atenta, pois pode travar uma guerra de salários e benefícios com outros competidores. Uma vez que esse perfil não está apegado a um propósito mais profundo, é mais difícil retê-lo para além da abordagem financeira, o que pode não ser a estratégia mais sustentável a longo prazo.
Diferente do conjunto anterior, possuem ocupações mais variadas, desde profissional autônomo, a temporário e de meio período, por essa razão, é um dos grupos que mais deseja flexibilidade. As principais motivações na hora de encontrar um trabalho são a remuneração e o senso de propósito da atividade.
Durante a pandemia, esse perfil de colaborador foi apresentado a maneiras mais autônomas de atuar, fazendo seus próprios horários e obtendo mais liberdade para trabalhar além do escritório.
Atraí-los tende a ser mais desafiador para as empresas, pois a competição deixa de ser diretamente com outros negócios e passa a ser com o próprio candidato, e o que ele criou para si mesmo. Um bom caminho pode ser uma cultura híbrida, priorizando uma gestão baseada em resultados ao invés de atividades, além de um pacote de vantagens financeiras mais atrativas que o trabalho autônomo.
Muitas pessoas nesse grupo precisavam de mais autonomia do que é possível através de um trabalho tradicional de período integral e deixaram sua função para cuidar dos filhos, familiares ou de si mesmas.
A tendência é que não abram mão dessa escolha a não ser que a proposta contemple alguns aspectos inegociáveis como: remuneração, flexibilidade e desenvolvimento de carreira, além de apoio a saúde e bem-estar.
Sendo assim, apresentar uma carga horária flexível ou de meio período, semanas de trabalho mais curtas e benefícios relacionados ao bem-estar pode configurar uma proposta atrativa.
Uma vez que muitas pessoas desse grupo decidiram ficar em casa impulsionadas por um contexto familiar, estender licença parental, definir um período de férias escolares mais flexível e até creche no próprio escritório por ser visto como irrecusável.
Estudantes e funcionários de meio período, esse grupo tende a ser mais jovem. Com menos responsabilidades, estão no início de sua vida profissional, desse modo, priorizam flexibilidade (para manter os estudos), e potencial de evolução na companhia. Além disso, esse é o grupo que mais preza por um senso comunitário.
Para ser considerada uma opção para os chamados “idealistas”, as empresas devem estar dispostas a investir em seu desenvolvimento profissional e horários flexíveis. Construir uma cultura organizacional forte, capaz de manter o propósito claro também tende a ser um diferencial.
Nesse sentido, programas de desenvolvimento com um plano de carreira claro e subsídios educacionais podem destacar sua proposta de emprego das demais.
Apesar de possuírem algumas características singulares, esse grupo representa a maior força de trabalho, reunindo aposentados, pessoas que não estão à procura de um emprego e também aqueles que voltariam para o mercado sob algumas condições.
De maneira geral, para conquistar essa parcela significativa de pessoas, as empresas devem focar em desenvolver uma proposta equilibrada, que mantenha o senso de propósito e que seja financeiramente estável.
A tendência é que a nova maneira de contratação leve em consideração o que a organização precisa, mas principalmente, o que as pessoas valorizam, tentando fazer com que a negociação seja um "ganha-ganha", tentando alinhar tanto as expectativas dos candidatos quanto as necessidades dos contratantes.
É preciso que as empresas se concentrem na verdadeira causa das demissões, entendendo a fundo o que os funcionários estão priorizando, valorizando e rejeitando. O próximo passo é incorporar esses aspectos à sua proposta de valor e na cultura da empresa, de modo que seja tangível no cotidiano.
Embora as soluções que foquem no aspecto financeiro sejam consideradas relevantes e válidas para alguns grupos, são consideradas também mais tradicionais, ficando cada vez menos atraente para grande parte das pessoas, uma percepção gerada principalmente pela pandemia.
Além disso, optar por uma abordagem que priorize crescimento, engajamento e bem-estar dos funcionários, parece ser a mais assertiva para atrair e reter talentos, já que se mostram como elementos fundamentais na hora de decidir ficar ou deixar um emprego.
Em suma, uma maneira de passar pelo período de “grande demissão”, transformando o atrito em renegociação, é entender uma mudança de paradigma comportamental que tende a mudar a relação entre empresa e funcionário de maneira estrutural: as pessoas estão mais dispostas a correr riscos, mais confiantes em seu potencial (tanto no que diz respeito a escolhas de vida como de carreira) e com mais disposição para dizer não.
Portanto, as empresas precisam repensar modelos de contratação tradicionais, assim como pacotes de benefício. Em certa medida, deverão estar dispostas a negociar para conquistar bons talentos.
“As empresas precisam contratar da "piscina" de funcionários existente, não daquela que desejam. Isso pode significar reduzir ou alterar os requisitos de trabalho para algumas funções.”
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