Estudo de caso Mastercard: como a empresa se tornou uma gigante global no setor de pagamentos

Estudo de caso Mastercard: como a empresa se tornou uma gigante global no setor de pagamentos

Por:
Guilherme Canineo
Publicado em:
9/6/2023
Atualizado em:

No primeiro trimestre de 2023, a Mastercard obteve uma receita líquida de US$ 5,7 bilhões, um aumento de 11% em relação ao mesmo período do ano anterior. No geral, a Mastercard responde por 26% de todo o volume de compras com cartão de pagamento nos Estados Unidos. Internacionalmente, 24% dos mais de US$ 624 bilhões gastos com cartão de pagamento em 2022 foram feitos com Mastercard. 

Ao longo de seus 57 anos, a Mastercard conectou bilhões de clientes (consumidores, comerciantes, empresas, governos e instituições financeiras) em todo o mundo. Segundo a EnterpriseAppsToday, haviam cerca de 1,05 bilhão de cartões de crédito e 1,54 bilhão de cartões de débito da Mastercard em circulação em abril de 2022. 

Neste estudo de caso, veremos como inovação, tecnologia e ousadia na tomada de decisões transformaram a Mastercard de uma empresa de cartão de crédito em uma gigante financeira, com um valor de mercado superior a US$ 350 bilhões. 

Mastercard: Primeiros Passos

Em 1950, o hoje conhecido como Diners Club International lançou o primeiro cartão de cobrança aplicável a um grupo limitado de restaurantes e lanchonetes. A diferença entre esse tipo de cartão (change card) e o que viria a ser introduzido como cartão de crédito era que o titular do cartão não tinha de pagar juros no momento de reembolsar o montante do crédito. 

O sucesso do Diners Club foi tanto que outras empresas passaram a buscar maneiras de entrar nesse novo mercado e investir nesse sistema de crédito. Uma das primeiras grandes instituições financeiras a se aventurar foi o Bank of America (BofA) e, em 1958, lançaram o BankAmericard.

Para popularizar seu cartão, o BofA autorizou a emissão de inúmeros cartões para residentes de Fresno, Califórnia. A tática acelerou o uso de cartões de crédito, mas também resultou em muitos usuários com inadimplência nos pagamentos. O BofA persistiu com o produto, realizando ajustes ao longo dos anos e, em 1961, o  BankAmericard passou a trazer lucro; o banco manteve esses números em segredo para não fornecer qualquer tipo de incentivo aos novos participantes. Assim, de 1958 a 1966, o BofA desfrutou de uma confortável posição de liderança. 

Em 1966, para contornar certos obstáculos criados por órgãos reguladores e capitalizar com o boom do cartão de crédito, um grupo de bancos (United California Bank, Wells Fargo, Crocker National Bank e Bank of California) adotaram o conceito de associações regionais, permitindo uma economia de escala e a consolidação de uma rede muito maior de comerciantes e clientes. Os titulares de cartão poderiam utilizar o serviço em todo o país. No ano seguinte, a Interbank Card Association (ICA) foi formalmente introduzida.

Para conseguir um maior alcance nacional e internacional – já estava se destacando no México ao se aliar ao Banco Nacional e começando a realizar parcerias na Europa e Japão – a ICA decidiu estabelecer uma identidade que ressoasse globalmente e acompanhasse o progresso do Interbank. 

Em 1969, a ICA mudou o design do cartão, que agora passaria a ter dois círculos sobrepostos (um laranja e um amarelo) e um “i” no canto inferior esquerdo, representando o nome “Interbank”. Pouco tempo depois, veio a mudança de nome: Master Charge: The Interbank Card.

(Na imagem: campanha publicitária da Master Charge de 1977 | Crédito: Reprodução/YouTube)

#1 - A mudança é um processo contínuo

A ICA estava pronta para tornar seu cartão Master Charge um produto indispensável (must-have) para todas as pessoas, enquanto também seguia percorrendo sua expansão internacional para o Reino Unido, Austrália e o continente africano nos anos 1970. 

Para ganhar escala e garantir transações seguras, foi preciso melhorar aspectos tecnológicos do cartão. A ICA desenvolveu o Interbank National Authorization System (INAS), o primeiro sistema informatizado de autorização e compensação, transformando completamente a forma como as transações com cartão de crédito eram realizadas. 

Em 1974, para integrar e acelerar ainda mais o processo, a ICA começou a adicionar tarjas magnéticas no verso de seus cartões, o que permitiu um melhor rastreamento e dissuadiu atividades fraudulentas. Com uma mentalidade focada em inovação, a equipe por trás da associação seguiu testando e trazendo novidades com o intuito de acelerar ainda mais o processo de transação e torná-lo o mais conveniente possível. 

No ano seguinte, foi introduzido o Interbank Network for Electronic Transfer (INET) para digitalizar a comunicação de cartões de crédito entre os bancos emissores. Antes, os bancos precisavam enviar boletos e faturas de cartão de crédito pelo correio, um procedimento sujeito a atrasos e erros.

O principal rival, o BofA, que ainda estava muito à frente por ter sido o pioneiro nesse segmento, renomeou o BankAmericard como Visa em 1977 – três anos depois, consolidou sua imagem e identidade sob a marca Visa. Como resposta a esse movimento, a ICA renomeou seu cartão para MasterCard. 

A ideia era refletir a crescente natureza global e as ofertas da marca. No entanto, nos Estados Unidos, a MasterCard encontrava dificuldade em convencer os bancos de que o novo visual faria diferença. 

#2 - A importância de explorar múltiplas avenidas de crescimento

Em 1980, a ICA trouxe o experiente Russel E. Hogg – que teve uma passagem pela American Express – para liderar as novas iniciativas. Duas mudanças iniciais importantes da gestão de Hogg foram:

  • Reestruturação do sistema organizacional. A ICA abandonou a estrutura hierárquica e adotou um sistema de gestão horizontal, permitindo maior comunicação dentro da organização e diminuindo as lacunas e desconexões entre colaboradores e a liderança. 
  • Foco na internacionalização. Vendo como o mercado estadunidense ficava próximo de atingir seu ponto de saturação, ele conduziu cortes significativos nos investimentos domésticos. 

Com as mudanças feitas por Hogg, a MasterCard entrou em uma nova fase de crescimento e explorou vários caminhos, sendo um dos primeiros em segmentação de mercado. Em 1981, a empresa começou a oferecer Traveler’s Cheques (cheques de viagem) e o cartão dourado Gold MasterCard. 

No mercado asiático, a organização identificou o potencial dos cartões de afinidade e lançou o BusinessCard para clientes internacionais. A essa altura, havia mais de 120 milhões de usuários de MasterCard em todo o mundo. No entanto, Hogg estava determinado em aumentar esse número, principalmente na Ásia. 

  • Em 1986, a MasterCard abriu seu escritório em Hong Kong, o primeiro da região;
  • No ano seguinte, tornou-se o primeiro cartão de crédito da República Popular da China; 
  • Em 1988, a MasterCard já havia emitido mais de 20 milhões de cartões no Círculo do Pacífico (formado por aproximadamente 39 países). 

Outro movimento no plano internacional de Hogg foi a compra da Cirrus, maior empresa de caixas eletrônicos do mundo, por US$ 34 milhões. Posteriormente, a empresa adquiriu uma participação de 15% na EuroCard e também entrou no mercado soviético.

Em 1984, Hogg supervisionou o lançamento do Banknet, um sistema avançado e integrado do INET e do INAS, o que tornou muito mais simples e seguro a autorização de transações globais. A MasterCard, inclusive, adicionou um recurso de holograma a laser para limitar a possibilidade de fraude.

Apesar dos bons resultados, muitos membros do conselho de administração tinham objeções às estratégias de Hogg e ele acabou sendo substituído por Alex W. Hart, que buscava trazer um pouco mais de estabilidade para as operações globais da MasterCard. 

Além de estabelecer um conselho regional de diretores para ajudar a supervisionar as operações em seus respectivos continentes, uma das iniciativas da gestão de Hart foi um sistema de processamento de cartões, permitindo a emissão de cartões MasterCard de forma econômica por meio de microcomputadores.

Em 1990, a empresa estabeleceu a rede MasterCard ATM – na época, os caixas eletrônicos estavam localizados em 50.000 locais diferentes em todo o mundo. 

Em sua ambição por reconhecimento global, a MasterCard se tornou patrocinadora oficial da Copa do Mundo de Futebol edição 1990. O evento foi um dos mais assistidos da história da televisão, atraindo cerca de 26,69 bilhões de espectadores não únicos ao longo do torneio. Tal foi o sucesso da estratégia que a empresa patrocinou as edições de 1994, 1998, 2002 e 2006, quando foi substituída pela Visa.

Por meio de vários programas de marketing desenvolvidos e implementados durante as 5 edições que patrocinou, a MasterCard foi capaz de aumentar a circulação e o uso dos cartões com sua bandeira, gerando receitas para si e para as instituições financeiras de sua rede. Desde então, a empresa passou a patrocinar inúmeros outros eventos esportivos e em outros setores da indústria do entretenimento. 

A década de 1990 também ficou marcada por outro movimento significativo: a introdução de seu sistema de débito Maestro, que teve sua primeira transação processada em 1992. O problema foi que a Visa já havia entrado nesse mercado com seu sistema Interlink, que já tinha contabilizado mais de 120 milhões de transações para portadores de seu cartão de débito na mesma época.

No início de 1993, o Interlink já contava com mais de 16 milhões de usuários de cartões de débito, ficando muito à frente do Maestro que registrava apenas 800.000. Tanto a Visa quanto a MasterCard se deram conta que os bancos precisariam apenas de uma bandeira de débito, fazendo com que a concorrência se tornasse mais intensa entre as duas empresas.

No final do século 20, os serviços da MasterCard já eram oferecidos em 220 países e a empresa contava com escritórios em 30 países. O negócio estava gerando mais de US$ 1 bilhão em receita com quase 350 milhões de cartões MasterCard em circulação.

Embora o Maestro não tenha sido um sucesso imediato, garantiu um espaço para a Mastercard no segmento, trazendo um aumento significativo nos lucros.

#3 - Não tenha medo de tomar decisões ousadas

Talvez uma das decisões mais ousadas – e também mais acertadas – foi a campanha publicitária “Priceless”, que teve início em 1997. 

Resultado de uma colaboração com a McCann-Erickson, os anúncios apresentavam uma lista de produtos e serviços com suas respectivas etiquetas de preços, seguida de algum aspecto intangível associado a  viver bem, como contar histórias de ninar para os filhos, algo considerado “inestimável”. O final de cada peça publicitária dava espaço para o hoje memorável slogan: “Existem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras existe MasterCard”. 

Além do apelo emocional e consistência, outro ponto de destaque da campanha foi seu amplo alcance. Ao alcançar clientes em uma variedade de canais e pontos de contato, a Mastercard conseguiu garantir que sua marca permanecesse relevante e fosse uma das principais na mente dos consumidores (top of mind). 

Para Raja Rajamannar, Chefe de Marketing e Comunicação e Presidente de Healthcare da empresa, o conceito da “Priceless” é tão inclusivo, "que pode ir a qualquer lugar que quisermos”. 

Veiculada em cerca de 210 países e em 49 idiomas, a campanha aumentou muito  o reconhecimento da marca e contribuiu para um crescimento significativo da empresa. A “Priceless” ganhou inúmeros prêmios e é considerada até hoje como uma das campanhas mais longevas e consistentes da história. 

  • Em 2018, a MasterCard mudou o nome para “Start Something Priceless”, com o intuito de reconhecer as mudanças sociais e a realidade dos consumidores, especialmente os mais jovens, que querem trabalhar e se envolver com marcas e empresas com um propósito central distinguível, empresas que representam mais do que apenas ganhar dinheiro.

Em 2002, a MasterCard se fundiu com a EuroPay International, uma das maiores empresas emissoras de cartões de crédito na Europa,  para se tornar a MasterCard International. A fusão MasterCard + EuroPay consolidou o domínio da MasterCard no mercado europeu e permitiu que a empresa recém-formada oferecesse seus serviços a um público global muito maior, atendendo à base de clientes específica da Europa com uma abordagem mais local e flexível.

A mudança também permitiu à companhia reduzir custos significativamente e agilizar suas transações. Assim, a MasterCard tornou-se líder incontestável em sistemas de pagamento na região. Segundo a empresa, o movimento foi feito para começar a preparar a MasterCard para a abertura de capital (IPO) na bolsa de valores. 

Após 4 anos, a empresa debutou na Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock Exchange ou NYSE) colocando mais de 95 milhões de ações a US$ 39 cada – a empresa levantou US$ 2,4 bilhões, alcançando um valor de mercado de US$ 5,3 bilhões. O IPO resultou em outro rebranding, com a empresa se tornando MasterCard Worldwide e adicionando um terceiro círculo ao seu logotipo. 

Em 2009, recuperando-se da crise financeira global, a MasterCard trouxe o ex-Citigroup Ajay Banga para assumir o posto de CEO e conduzir a empresa da turbulência para o futuro digital. Vale ressaltar que seu antecessor Robert W. Selander supervisionou a compra da irlandesa Orbiscom para “acelerar o desenvolvimento de soluções inovadoras de pagamento”, no mesmo ano. Sob a liderança de Banga, a Orbiscom passaria a ser MasterCard Labs no ano seguinte, operando como incubadora de novas ideias da empresa. 

A principal estratégia da MasterCard não era apenas competir e vencer a Visa e a American Express, mas também pegar o dinheiro vivo, que representava quase 80% dos pagamentos de varejo em todo o mundo. Ao entender o porquê, como e onde o dinheiro estava sendo usado, a MasterCard conseguiu implementar uma estratégia vencedora.

Na década de 2010, clientes no mundo inteiro passaram a usar os serviços digitais mais do que vinham fazendo até então. Oferecer a possibilidade de pagar como quisessem — conta a conta por crédito, cartão pré-pago, débito ou qualquer outro caminho — fazia sentido para a Mastercard. A companhia também se esforçou para criar ferramentas de ponta para tornar o uso de tecnologias mais integrado e seguro. 

A MasterCard se diversificou ao expandir para segurança cibernética e análise de dados para agregar valor substancial às suas principais ofertas de pagamento. A empresa também dobrou a inclusão financeira, garantindo que todos tivessem acesso a amplas opções de pagamentos.

Dando continuidade à onda de aquisições, a MasterCard desembolsou US$ 520 milhões para adicionar serviços de e-commerce ao seu portfólio com a aquisição da DataCash em 2010. Um dos principais objetivos da aquisição era “impulsionar sua expansão de pagamentos de comércio eletrônico na região da Ásia-Pacífico, Europa e Austrália”, segundo reportagem da TechCrunch

Em 2012, a empresa realizou nova compra estratégica ao adquirir a Truaxis, startup estadunidense focada em ofertas personalizadas e programas de fidelidade. Outro ponto importante da jornada de digitalização veio dois anos depois com sua entrada no segmento de carteira móvel junto ao Apple Pay – a colaboração, no entanto, não foi exclusiva, com a iniciativa incluindo Visa e American Express. Para 2026, estima-se que o número de usuários de carteiras digitais chegue a 5,2 bilhões, quase 2 bilhões a mais do que em 2022, segundo a Juniper Research

Em julho de 2016, a empresa mudou o nome do serviço de "MasterCard" para "Mastercard".

Futuro da Mastercard: inovação e tecnologia vão ditar as regras do jogo

Desde seu início, a inovação fez parte do DNA da Mastercard, com a empresa fazendo grandes investimentos em tecnologias que identificou como fundamentais para facilitar e permitir pagamentos seguros, rápidos e protegidos. 

Em 2017, a empresa anunciou a aquisição da Brighterion, Inc, uma das principais empresas de software especializadas em Inteligência Artificial (IA) na época. Em comunicado oficial, o CEO Ajay Banga disse que o uso sem precedentes de IA em sua rede já estava mostrando resultados positivos e que a aquisição da Brighterion “ampliaria ainda mais as capacidades da organização na hora de oferecer suporte à experiência do consumidor.”

De olho em novas oportunidades, a companhia identificou os pagamentos B2B como avenida de crescimento e passou a investir mais no segmento.

  • Aquisição da VocaLink Holdings Ltd. (2017), que possuía software para execução em redes de pagamentos em tempo real;
  • Compra da Nets A/S (2019), empresa de pagamento conta a conta (account-to-account).
  • Lançamento do Mastercard Track (2019), ecossistema de pagamentos B2B e o primeiro serviço comercial global de circuito aberto criado para automatizar pagamentos entre fornecedores e compradores do mundo.

No início de 2021, a Mastercard anunciou seu suporte às criptomoedas, que foi implementado em sua rede em setembro do mesmo ano. Um mês depois, a companhia anunciou uma parceria com a plataforma de gestão de ativos digitais estadunidense Bakkt, permitindo que qualquer banco ou comerciante em sua rede em breve pudesse oferecer serviços de cripto.

Em todos esses anos, a MasterCard também foi mudando e adaptando sua cultura organizacional e a maneira com que investe em talentos. De benefícios e programas de capacitação até opções sobre ações (stock options), contribuições de poupança para aposentadoria acima do mercado e cronogramas de aquisição de direitos.

Conclusão: a ousadia na tomada de decisão e constante busca por inovação e melhorias guiadas por tecnologia tornaram a Mastercard e umas das maiores potências financeiras do mundo.  

Segundo a CNBC, no período pós-crise financeira (2009) e pré-pandemia (2019), a Mastercard aumentou os ganhos a uma taxa composta de crescimento anual de 20% em 10 anos. Nos últimos 5 anos, as ações da empresa tiveram um ganho de quase 100%. 

A empresa está reformulando seu futuro com apostas ousadas em novas tecnologias para modernizar os pagamentos, soluções inovadoras para criar um impacto significativo e insights centrados no cliente (customer-centric) que mudam a maneira como as pessoas compram, vendem, trocam e interagem.

Além disso, os compromissos de inclusão financeira e priorização das pessoas e do planeta – desde prometer US$ 250 milhões para apoiar pequenas empresas durante a pandemia e incentivar o comportamento de gastos ecologicamente corretos entre os clientes –  ajudaram a Mastercard a se destacar e conquistar a confiança de novas gerações de clientes em todo o mundo.

Em 2020, a empresa estabeleceu uma meta de conectar um bilhão de indivíduos globalmente à economia digital até 2025 – em 2021, a Mastercard já havia alcançado 675 milhões de pessoas

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