Famoso por seu estilo pouco convencional, Elon Musk costuma ser tema de artigos e notícias em todo o mundo, e vem mantendo seu nome em alta desde que assumiu o comando do Twitter.
Descrito como excêntrico por alguns e visionário por outros, é certo que tentar desvendar os próximos passos do CEO da Tesla passou a ser um exercício comum do mercado e do público, que mesmo sem compreender totalmente o que vem a seguir, se sentem instigados por suas declarações capazes de movimentar ações instantaneamente.
A compra do Twitter por US$ 44 bilhões, por exemplo, está entre os assuntos que vem mantendo a audiência engajada, e desde que os primeiros rumores acerca das negociações começaram - há pouco mais de seis meses -, a história vem ganhando novos desdobramentos.
Repleta de reviravoltas emocionantes, a relação entre Musk e o Twitter sempre foi inconstante, e mesmo após o acordo ser oficializado, em outubro de 2022, novos capítulos são adicionados à narrativa, com Elon Musk protagonizando momentos singulares em sua mais nova empreitada.
O vídeo em que entra na sede do Twitter segurando uma pia - uma espécie de piada com a expressão “deixar a ficha cair/deixe a pia cair”, já possui mais de 10 milhões de visualizações, 450 mil curtidas e 110 mil compartilhamentos. Além disso, sua descrição também mudou para “Chief Twit”, deixando claro seu mais novo cargo.
No entanto, a nova posição vai além de posts e atualizações de bio, e promete não só uma verdadeira reestruturação no negócio, mas uma reestruturação ao estilo de Musk - uma abordagem que vem levantando questionamentos sobre os fundamentos e boas práticas de gestão e liderança modernas.
Entre os diversos tipos de liderança, a liderança autocrática, conhecida também como autoritária, parece ser a abordagem predominante na maneira como Elon Musk conduz suas empresas, com destaque para Tesla, SpaceX e agora, o Twitter.
Marcado pela centralização de poder, possui entre seus adeptos nomes como Steve Jobs e Bill Gates, e adquiriu popularidade no meio empresarial por suas características marcantes.
Entre as principais vantagens dessa liderança, está a agilidade na tomada de decisões, a desburocratização e a definição clara de expectativas e papéis, o que pode impulsionar a busca por resultados e aumentar a produtividade.
Por outro lado, o autoritarismo pode levar a um alto nível de turnover, ambiente de trabalho inflexível e pouco inovativo, mais propício para conflitos e dependência da liderança. O modelo também inclui naturalmente maior hierarquia, pouca deliberação antes das decisões, maior controle e supervisão, além de apresentar uma comunicação mais unilateral.
Embora a liderança exercida por Elon Musk possua prós e contras (assim como qualquer outra), dado o contexto das relações de trabalho modernas, algumas discussões a respeito de sua natureza pouco flexível e impositiva estão surgindo, buscando entender sobretudo, se há espaço para ela em um mercado de trabalho mais colaborativo.
Com grandes planos, a primeira semana do Twitter sob o comando de Musk comprovou o ritmo intenso de sua abordagem. Com a meta de dobrar a receita da plataforma apenas com assinaturas, Musk tem perspectivas claras sobre sua mais nova aquisição - que compreende desde a moderação de conteúdos até o formato da rede - a longo prazo, ele a vê como um aplicativo de tudo, semelhante ao WeChat.
Enquanto vários executivos do alto escalão do Twitter foram demitidos (entre eles o ex-ceo Parag Agrawal e o ex-diretor financeiro Ned Segal), listas com nomes de funcionários baseadas em avaliações de desempenho tinham a responsabilidade de dizer quem deveria permanecer.
Novos prazos foram estabelecidos e muitos colaboradores começaram a dormir no escritório para cumpri-los.
No fim da semana a equipe recebeu um e-mail dizendo que haveria desligamentos e que o escritório seria fechado, e embora estivesse estipulado para acontecer a partir de sexta-feira, as demissões começaram ainda na quinta, e acabou com metade dos colaboradores demitidos.
A maneira como Musk lidera não é novidade, contudo, parece que ao ser aplicado a uma das mídias sociais mais populares da atualidade. Visto majoritariamente como anacrônico por muitos especialistas em liderança e gestão, passou a levantar debates acerca de suas vantagens e real efetividade.
Embora a genialidade de Musk seja reconhecida e admirada por muitos, quando o assunto é a maneira como ele gerencia pessoas a percepção muda - justamente por seu perfil autoritário, instável e centralizador - comuns na liderança autocrática.
Após uma primeira semana repleta de mudanças, sua gestão - que em tese, é oposta a tudo que muitos teóricos dizem - incluindo nomes como Peter Drucker -, passou a ser acompanhada por todo o mundo.
Isso porque o que a teoria moderna dizia sobre líderes de sucesso parecia não incluir Musk: do gerenciamento cotidiano a tomadas de decisões mais estratégicas, o novo dono do Twitter faz as coisas à sua própria maneira.
Um estudo da Harvard Business School mencionado em um artigo do The Economist, por exemplo, tentou descobrir como CEOs tomam decisões e se haveria maneiras mais eficientes de tomá-las, contribuindo expressivamente para um crescimento rápido.
Embora não haja um jeito certo ou errado de decidir, entre as descobertas, processos mais estruturados e mais detalhados ficaram à frente daqueles mais instintivos - o oposto de como Musk decide: alguns dos colaboradores demitidos durante os cortes da primeira semana, por exemplo, estão sendo recrutados novamente, ilustrando seu processo decisório pouco planejado.
Enquanto Peter Drucker, um dos maiores pensadores da administração afirmou que o CEO era a ponte entre o funcionamento interno da empresa e o mundo exterior (que inclui sociedade, economia, tecnologia, mercados e clientes), tornando-se responsável por alinhar custos internos e resultados externos, Musk borra os limites dessa ponte e reconfigura seu próprio papel enquanto CEO.
Sua imagem pessoal e de seus negócios são praticamente uma só e ele mantém suas decisões mesmo que o mundo (que corresponde ao exterior), esteja em um sentido diferente.
Enquanto o líder moderno é descrito como uma figura benevolente, que fomenta ambientes de trabalho colaborativos e que com baixo ego, muita humildade e escuta ativa impulsiona a autonomia da equipe, Elon Musk atua em seus próprios termos - ao ponto de fazer com que veículos especializados questionassem suas decisões mais recentes.
Considerada a maior compra da indústria de tecnologia até agora, Musk adquiriu o Twitter com cerca de US$ 13 bilhões em dívidas - que acarretará em um pagamento de mais de US$ 1 bilhão em juros anualmente. Além disso, em 2020, a empresa teve menos de 1 bilhão em fluxo de caixa, e em 8 dos últimos 10 anos, não apresentou lucros, de acordo com uma matéria do The New York Times.
Além disso, o Twitter vem enfrentando dificuldades com uma de suas maiores fontes de receita. Devido a economia global o mercado de publicidade digital recuou, e a empresa chegou a perder cerca de US$4 milhões por dia com a redução de anúncios. Com a chegada do novo dono, que sempre deixou claro seu desejo de alterar a moderação de conteúdo da plataforma, a situação se agravou, afastando marcas como Audi e General Mills.
Com um histórico de perdas e crescimento lento, um dos principais objetivos da gestão de Musk é aumentar a receita da plataforma, saindo de uma cobrança única para uma maior diversificação de receita.
Reviver o Vine, possibilitar o envio de mensagens diretas para famosos e celebridades por uma taxa nominal, sistema de paywall para conteúdos adultos e até economizar até US$ 3 milhões por dia com infraestrutura estão sendo discutidos, contudo, alguns avanços tangíveis já foram alcançados - é o caso das contas verificadas e da possibilidade de pagamentos dentro da plataforma.
Atualmente, existem mais de 423.000 contas verificadas na mídia social, e com o Blue Check, incluído no programa de assinatura já existente “Twitter Blue”, os usuários terão que pagar US$ 8 dólares por mês para garantir sua popular marca de verificação. Além do pagamento recorrente, a iniciativa também tenta dificultar a criação de contas falsas, um problema de longa data no Twitter.
Já o pagamento recorrente é uma ideia mais robusta, e ao que tudo indica um grande desejo de Elon Musk, um dos fundadores do PayPal.
Atualmente, os planos de pagamento contemplam três frentes: criadores, P2P e contas financeiras.
Enquanto a ideia da primeira frente é manter os criadores interessados em postar conteúdo nativo, viabilizando a monetização de conteúdos através de valores atraentes e competitivos, a terceira é a criação de uma conta financeira alternativa dentro da plataforma, considerada a parte final da proposta.
Com o avanço dos digital influencers, o primeiro modelo consiste em atender uma demanda latente e comum às plataformas de mídia social e o terceiro, embora grandioso, é uma evolução mais distante da realidade atual.
Portanto, de todo o plano, o conceito P2P (pagamento de pessoa para pessoa), é o que apresenta o maior potencial, isso porque esse tipo de pagamento é muito popular no Twitter, e atualmente, a plataforma não participa das transações.
Para se ter ideia, um levantamento da empresa FXC Intelligence estimou que os usuários ativos do Twitter monetizáveis enviaram cerca de US$ 30 bilhões em remessas em 2021, o que poderia ser uma fonte de receita expressiva para a plataforma que luta para obter lucros consistentes.
A Ko-fi, por exemplo, plataforma que permite que o público faça doações a usuários - incluindo criadores, obteve volumes totais de US$ 6 milhões em outubro deste ano, e mesmo que não publique seus volumes específicos para o Twitter, acredita-se que a mídia social seja sua principal fonte de pagamentos.
O Twitter já deu o primeiro passo para conquistar a permissão apresentando os documentos necessários para o órgão americano responsável - a Rede de Repressão a Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (FinCEN), o que indica que em breve, os pagamentos serão uma parte vital da estratégia de Elon Musk alcançar o objetivo de ampliar a receita.
“A taxa de evolução do Twitter será uma imensa mudança em comparação com o que foi no passado, será veloz. E é isso que você verá acontecer no Twitter.”
Elon Musk
Assim como pretende colonizar Marte com a SpaceX, Elon Musk chegou ao Twitter com sua típica atitude visionária - olhando para a plataforma como uma “grande praça da cidade digital” em que a liberdade de expressão é exercida e também protegida.
Com a pretensão de ocupar um lugar pioneiro no campo expressivo, ele tem o desafio de aumentar a receita do Twitter de maneira sustentável, enquanto lida com um histórico de performances abaixo do esperado.
Enquanto alguns defendem que o único jeito de colocar a rede social na rota do sucesso é através de seus métodos considerados agressivos, outros apontam que é preciso manter Musk no departamento de inovação - exercitando seu olhar visionário planejando os próximos passos da empresa e contratando talentos.
Embora as opiniões sobre o estilo de gestão de Elon Musk sejam divergentes, sua abordagem apresenta insights cruciais e pertinentes para qualquer líder que deseja se destacar no mundo empresarial atual:
Fontes relataram ao The Economist que uma das primeiras ações de Musk no comando do Twitter foi cancelar os “dias de descanso” mensais.
Em outra notícia que saiu exatamente enquanto esse artigo era finalizado, os colaboradores da plataforma receberam um memorando sinalizando que o novo ambiente de trabalho seria "extremamente hardcore", e quem não quisesse se comprometer, poderia deixar a empresa.
Para o lançamento do Blue Check (programa de verificação da conta por US$8 dólares), os desenvolvedores chegaram a dormir na empresa sob circunstâncias estressantes: a entrega do projeto deveria ser em uma semana ou estariam demitidos.
Embora a agilidade na realização de tarefas e a entrega de resultados sejam indicadores importantes para todo negócio, sendo acompanhados com cuidado pela liderança, é fundamental para qualquer líder desenvolver habilidades interpessoais, as chamadas people skills, a fim de promover um ambiente de alta performance e ainda assim, estável e positivo para todos.
Afinal, uma gestão de pessoas efetiva é aquela que envolve capacitação, engajamento e direcionamento dos colaboradores com o objetivo de otimizar a produtividade e cultivando uma cultura saudável.
É preciso equilibrar resultados com um ambiente coeso e seguro. Embora picos de produtividade intensa tragam resultados, é difícil sustentar o mesmo ritmo por muito tempo, o que pode causar exaustão, falta de rendimento e perda de grandes talentos.
É certo que novos valores e prioridades estão reconfigurando o mercado de trabalho.
A busca por maior flexibilidade, pessoalidade e qualidade de vida estão emergindo como pautas urgentes, sustentadas pelo employee experience, que visa tornar a jornada do colaborador melhor - aumentando o senso de pertencimento, investindo em seu desenvolvimento e reconhecendo suas contribuições para o crescimento do negócio.
Na contramão das tendências mundiais, o dono da SpaceX é lembrado por encerrar carreiras com e-mails impessoais, exigir alta carga horária, além de ter solicitado aos funcionários da Tesla que voltassem a trabalhar pelo menos 40h semanais no escritório - mesmo com o aumento de modelos de trabalho cada vez mais flexíveis.
Mesmo que sua visão visionária e estilo de gestão tenham construído de fato, negócios amplamente bem-sucedidos, é importante destacar que essa abordagem apresenta desdobramentos que nem todos os negócios podem arcar - é o caso da rotatividade.
Uma de suas maiores empresas, a Tesla, é conhecida pela alta rotatividade de executivos. Um relatório de 2019 da AllianceBernstein citado em um artigo da The Street, divulgou que a empresa apresentou uma taxa de turnover de 44% para executivos que se reportavam diretamente a Musk. Para termos ideia, empresas como Facebook, Netflix e Amazon, apresentam uma taxa média de 9%.
Quando o colaborador confia na liderança, seu engajamento aumenta e sua produtividade também - apresentando melhores resultados.
A tomada de decisão é um dos processos mais importantes e difíceis para os líderes deve ser priorizada - e quanto mais fundamentada a decisão for, melhor.
Portanto, investir em um bom planejamento tendo em mente os principais objetivos de negócio a médio e longo prazo é essencial para ter êxito. Ao demitir e chamar colaboradores novamente, Musk exemplifica que quanto mais alinhado esses elementos estão, mais assertiva será a decisão.
Se for necessário, não hesite em reunir pessoas que podem ajudá-lo a ampliar a linha de raciocínio, contribuindo para uma gama maior de perspectivas e conhecimentos.
As novas possíveis avenidas de crescimento do Twitter estão sendo pensadas principalmente por Elon Musk, mas existem comitês especializados no assunto e com diferentes expertises ajudando a construir o futuro da plataforma a partir de agora.
Mesmo que a decisão tenha que ser tomada pelo líder, o processo para chegar até ela não deve ser solitário, pelo contrário. Reunir referências e reunir quem pode efetivamente contribuir efetivamente é fundamental.
De acordo com o professor de administração e liderança executiva na Columbia Business School, William Klepper, executivos de grandes empresas podem exercer quatro papéis em suas posições: o líder que cuida das pessoas, o gestor que olha para processos, o estrategista que está por trás do negócio e o empreendedor que foca na inovação.
Segundo essa visão, ele vê Musk como um estrategista nato, contudo, com pouco tato para a gestão de pessoas.
"O Elon Musk, como visionário que é, se encaixa no perfil de estrategista. Mas, do ponto de vista do que consideramos as boas práticas de gestão de pessoas, ele está completamente desalinhado e pode, até mesmo, ser considerado um líder tóxico."
William Klepper, professor de administração e liderança executiva na Columbia Business School
Dentre os vários tipos de liderança, não existem certas e erradas, mas sim aquelas que são mais adequadas para determinadas situações, nível de maturidade da empresa, e também seus objetivos.
Enquanto alguns veem as atitudes de Musk como a única maneira do Twitter atingir seu potencial e sair da performance abaixo da média, outros atestam que poderia haver um plano de reestruturação mais brando e participativo.
Exercendo uma liderança autocrática, Musk raramente utiliza outros modelos de gerenciamento. Embora alguns possam vê-lo como um exemplo de liderança transformacional, ele não necessariamente ocupa esse lugar conscientemente.
Portanto, toda abordagem apresenta vantagens e desvantagens e é preciso dosar quando ser mais centralizador e quando priorizar a colaboração - tendo em mente o que é melhor para o negócio.
O autoconhecimento pode ser a chave para vencer o ego, entendendo a melhor forma de contribuir para o crescimento da companhia e do time liderado.
Evitar o efeito dunning-kruger também pode ser uma ótima maneira de exercitar o life long-learning - se você é um ótimo gestor de pessoas mas peca com processos ou tem medo de inovar, desenvolver essas habilidades constantemente irá prepará-lo para diferentes desafios e formas de superá-los.
A marca pessoal de Musk é tão poderosa que distingui-la de seus negócios é uma tarefa desafiadora. Sua maneira intensa transparece na cultura organizacional de suas companhias e sua maneira de fazer negócios é única.
Embora todas essas características tenham feito dele o homem mais rico do mundo, com uma trajetória empresarial singular, seu protagonismo levanta discussões pertinentes para qualquer empresa que deseja crescer de maneira sustentável - é preciso que o negócio prospere mesmo sem figuras de liderança emblemáticas.
Em “Good to Great”, Jim Collins aponta que empresas de sucesso investem em desenvolver a autodisciplina, e uma empresa com autodisciplina é diferente de uma empresa que possui um líder disciplinar.
Enquanto o segundo não é capaz de manter resultados sustentáveis a médio e longo prazo (ou até depois que deixa a companhia), o primeiro é responsável por reunir colaboradores com altos níveis de diligência e intensidade, que trabalham por conta própria para contribuir com o objetivo.
Portanto, uma cultura organizacional de autodisciplina faz com que a companhia opere sob uma lógica de grandeza comum, promovendo o passo a passo para chegar onde deseja conjuntamente.
Em resumo, da estratégia à operação, trazer bons talentos deve ser a prioridade, assim, é possível construir uma cultura de resultados forte e ampla, que não depende de apenas um colaborador para fluir.
Em meio a decisões que geram dúvidas, a pergunta que permanece é: irá o Twitter progredir sob o comando de Musk? Isso só o tempo dirá.
Até lá, é fundamental entender que reunir referências de vendas, gestão e liderança pode ajudá-lo a expandir seus horizontes, contudo, nem tudo que funcionou para grandes empresas, funcionará exatamente igual na sua companhia.
É preciso exercitar a capacidade de abstração, utilizando a criatividade e o histórico do seu próprio negócio para entender o potencial de aplicação de teorias e ferramentas, compreendendo melhor como adequá-lo à sua realidade.
Assim como Elon Musk parece atuar na contramão das teorias de administração modernas, é possível construir seu próprio caminho, evoluindo seu negócio e se mantendo relevante em seu mercado de atuação.