Consistência: pequenas vitórias, grandes avanços

Consistência: pequenas vitórias, grandes avanços

Por:
Rodrigo Casagrande
Publicado em:
11/2/2021
Atualizado em:

A palavra “consistência” aparece em artigos, palestras, histórias e nos dias atuais é sempre abordada no meio profissional, atrelada a uma série de habilidades, ações e desafios. Você já parou para pensar que, às vezes, incorpora uma atividade importante à rotina e pouco tempo depois a deixa de lado sem atingir os resultados esperados? Isso pode acontecer com qualquer pessoa e, fundamentalmente, é causado pela falta de consistência. Todos precisam de consistência – que está intimamente ligada à ideia de continuidade – para manter atividades pessoais e profissionais.

Contudo, se tornar consistente não é fruto de uma fórmula mágica, mas um processo, em si, contínuo. A consistência pode ser aplicada em diversos cenários. Por exemplo, uma pessoa decide que precisa emagrecer e começa uma dieta com o objetivo de perder 10 quilos em três meses. Ao final do primeiro mês, ela já perdeu cinco quilos, mas começa a relaxar e volta à antiga alimentação desregrada ou abandona a rotina de exercícios físicos - ou os dois. Em um curto espaço de tempo, aqueles cinco quilos voltam - em muitos casos engordam além daquilo que emagreceram - e ela se desmotiva por se julgar incapaz de conquistar o objetivo que ela mesmo estabeleceu.

Entender que um processo deve ter início, meio e fim para ser concluído é a base para se tornar uma pessoa consistente. Nesse cenário, é interessante definirmos prazos e metas. Uma boa prática para se alcançar a própria superação, como um processo de autodesenvolvimento, é definir “mini” metas, ou seja, objetivos desafiadores, mas alcançáveis em uma determinada janela de tempo, que acabam servindo de motivação para continuar progredindo, reconhecendo resultados e os celebrando ao longo da jornada, e que devem estar dentro das suas capacidades de realizá-lo.

A consistência em meio a uma sociedade imediatista

Embora muitas vezes deixada de lado, a consistência conquistou um valor especial na sociedade atual, em que somos cobrados e estimulados a obter resultados quase imediatos, mas que é confundida com intensidade e/ou força: O trabalho só é bom se apresenta resultados de impacto quando executado dentro de um planejamento muitas vezes agressivo, que exige um esforço desmedido, gerando muitas vezes (auto)desgaste.

Para evitarmos esse esgotamento, que é um alto preço cobrado para “triunfarmos” na sociedade do imediatismo, deveríamos filtrar as escutas das cobranças excessivas que vêm apressadas para que tudo seja resolvido, desenvolvendo a habilidade de dizer “não”. É necessário estabelecer limites e prioridades; afinal, cansados, estressados e/ou com medo, pode até ser que sigamos o planejamento, mas invariavelmente algo não ficará tão bom assim: senão o “produto/entrega final”, nós mesmos.

O mindset de desequilíbrio e oscilações trouxe ao mundo o que temos hoje: sucessivas crises emocionais somadas por um auto desgaste que cresce enfim para a insuficiência. A armadilha está em acreditar que ser consistente não requer pausas, replanejamento de rotas, readequação de pessoas e, sobretudo, aprendizado sobre nossas limitações. Vivemos em um contexto em que “falhar em uma entrega” é pior do que falharmos com nós mesmos.

Líderes consistentes

Em algumas análises, vemos uma direta correlação entre intensidade e consistência: discordamos. Aliás, Simon Sinek, professor, etnógrafo, autor de livros especializados em um modelo de liderança baseado em inspiração, reforça nosso pensamento quando diz que “o resultado não é sobre intensidade, mas sobre consistência”, e exemplifica:

“Se você for ao dentista duas vezes ao ano, seus dentes vão cair. Você precisa escovar seus dentes todos os dias por dois minutos. O que acontece se você escovar os seus dentes duas vezes ao dia, por dois minutos? NADA! A não ser que você faça isso todos os dias, duas vezes ao dia, por dois minutos.”

Simples e genial! Trazendo para o contexto do mundo do trabalho, podemos dizer que a consistência de um líder se faz presente de diferentes formas e atitudes, mas não necessariamente por pressão ou intensidade e força.

Independentemente da abordagem que o líder escolher seguir para mobilizar as pessoas em busca de resultados, há apenas uma premissa para atuação: é necessário preparo. Seja uma dúvida da equipe, um conflito em um projeto, um imprevisto com um cliente ou uma abrupta mudança no mercado (#videCovid), liderar é um hábito. Sendo um hábito, requer constante autoconhecimento e resiliência às suas próprias tomadas de decisão, para que rapidamente se adapte, melhorando também a sua performance e aprimorando suas ações.

Essa capacidade de adaptação precisa ser praticada diariamente, quantas vezes for possível se testar, fazer diferente, para que então obtenha não só resultados, mas resultados melhores do que obteria de outra forma: linear, persuasiva e diretiva. O resultado resulta. Ele não é objeto de um objetivo fixo. Ele é uma resultante de ações consistentes, coerentes que vão sendo construídas em um espaço de tempo - assim, no gerúndio.

Na complexa dinâmica em que todos estamos inseridos, se liderar é um hábito, ser líder é um processo de “tornar-se líder”. Sabemos que ainda há muitos chefes e poucos líderes ou  líderes que não estão em posição ou cargo de liderança: líderes genuínos mantêm a consistência no humor, a estabilidade na atitude perante a equipe e pares, na forma como lida com pessoas ao longo dos dias, por mais ingratos e inglórios que sejam muitos dos momentos.

A liderança exige de cada um de nós dedicação e aprendizados constantes. Passamos a ser referência para os nossos times e pares. Decisões passam a impactar para além de nós mesmos.

Assim como em qualquer relação de confiança, esse lugar de segurança psicológica não é estabelecido, posto ou verbalizado; ele é experimentado por práticas e ações. Raramente alguém confia em um líder  incoerente (#walkthetalk), inconsistente, instável e imprevisível.

Ser consistente é um ‘tornar-se’ diariamente fundamental para a construção de um ambiente em que as pessoas se sintam legitimadas a decidirem sobre seus talentos e seus aportes para o melhor da equipe e, por conseguinte, da organização. E vale ressaltar que “não errar” nada tem a ver com “ser inconsistente”, ao contrário. Como diria Confúcio, “não corrigir as próprias falhas é cometer a pior delas”.

Muito provavelmente vocês agora devem ter suspirado e pensado: "mas não é fácil assim." Não, não é. Absolutamente. Por isso, um líder deve escolher sê-lo para poder fazê-lo. E, sim, certamente, os dias terão suas variações, em grande parte “incontroláveis” e, também, semanas melhores; mas é por meio da consistência ao longo do “apesar dos pesares” e de dias favoráveis que se chegará a resultados desafiadoramente almejados.

Os aprendizados e resultados da consistência

É o sorriso no rosto quando subimos na balança ou vestimos uma roupa que há tanto não vestíamos. Essa sensação de recompensa e (auto)identificação vêm através da disciplina, esforço, potencialização dos talentos e colaboração por meio de pessoas que compartilham do nosso propósito e em conjunto nos fazem “chegar lá”, seja lá onde o “lá” for.

Qualquer que seja o “objetivo ousado”, buscá-lo exigirá determinação, foco e evolução, além de alguns sacrifícios. Isto, de novo, não diz respeito à intensidade, mas à consistência e à densidade das ações: quantas vezes consigo fazer determinada tarefa? O que esse número de tarefas e ações me proporcionará no futuro? O que eu aprendo enquanto faço? O que descubro sobre mim, meu potencial e minhas limitações? Onde preciso de ajuda? Em que medida observo desenvolvimento de novos talentos e melhoria no tempo daquilo que executo?  Faz sentido o caminho A ou B? Qual decisão me levará mais próximo do meu objetivo?

De todo modo, não há garantias, mas este é um caminho que tem funcionado para nós em nossas vidas e práticas e, sobretudo, no alcance dos nossos propósitos. Aliás, ter coragem de se encarar e se questionar é, sem dúvida, um dos maiores aprendizados, porque traz grandes recompensas.

Importante reforçar, inclusive, que quando os resultados positivos são conquistados com consistência por vários anos, não é coincidência que tenha sido a um custo de muita dedicação, de uma mentalidade empreendedora, de um desejo genuíno de quebrar paradigmas e buscar o melhor de si mesmo, de uma visão diversificada e não autocentrada, liderança presente, além de uma capacidade adquirida para escolher e formar uma equipe talentosa, coesa, mas não homogênea.

A consistência gera qualidade, engajamento, persistência e solidez, se tornando proprietária de um conjunto de resultados que satisfazem não só alguém, mas a nós mesmos.

Para nós, “profissionais de sucesso” são aqueles que procuram ser consistentes em suas habilidades técnicas e comportamentais, inquestionavelmente éticos, alinhados aos seus próprios valores, relevantes em sua atuação e, portanto, admirados e respeitados por todos os seus ciclos de relacionamento e inter-relações, sem “olhar a quem”. Afinal, a consistência é fruto da nossa capacidade de compreensão e demonstração da nossa coerência, sem distinção entre o que é dito e o que é feito, decidido ou praticado.

Segundo Aristóteles: “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”.

Por fim, “profissionais de sucesso” são aqueles que entendem que a vitória de um campeonato só acontece com a repetição de bons resultados e que bons resultados advêm da consistência de suas atitudes, pautadas por um propósito, e não pela força e intensidade ao qual são submetidos para “fazer acontecer”.

O desafio de se manter no topo

Trazendo um assunto bastante recente e um grande exemplo de consistência, no domingo (07.02) tivemos mais uma edição do Super Bowl. O jogo é um dos maiores eventos do mundo, em estrutura, mídia, investimento e, claro, uma aula de disciplina, tática, liderança e objetividade.

O que esse jogo tem a ver com o nosso artigo? Talvez não muito, se não fosse pela presença de Tom Brady, o maior quarterback da história e um dos maiores atletas de todos os tempos.

Brady conquistou o título nº 7 em sua 10ª aparição no Super Bowl. Aqui temos um ponto importante. Para que Tom Brady pudesse chegar ao topo, ele teve que chegar várias vezes ao Super Bowl. Certamente ele sabia que não ganharia todas as finais que disputou, mas sabe a importância de estar lá para poder almejar o lugar mais alto entre todos. Perder alguns Super Bowls (ou nas finais de um determinado esporte) não prejudica o legado de alguém. No basquete, Michael Jordan chegou em sete finais da NBA, a liga de basquete americana e a maior do Mundo. Das sete finais, ele se consagrou vitorioso em seis, um número extremamente expressivo.

Como o apresentador de rádio esportivo Colin Howherd apontou, ao chegar na última edição do Super Bowl (ele fez isso 10 vezes em 21 temporadas), Brady demonstra a sua capacidade de performar com mais de uma equipe, de maneira fantástica, conquistando o sétimo campeonato e o quinto MVP (prêmio de melhor jogador) o legitima ao posto de ídolo nacional, ao lado de gigantes como Michael Jordan.

Foto: Mike Ehrmann/Getty Images

Fato é que após essa longa jornada e uma carreira repleta de vitórias, é necessário mencionar a consistência do trabalho que Brady realizou. Extremamente determinado e focado, ele revê todos os seus jogos (muitos, mais de uma vez), busca diariamente o cuidado com a saúde e o corpo (ele foi o jogador mais velho a disputar e vencer um Super Bowl), alimentação, leituras e a inspiração de outros líderes que são referência para ele, fora as intensas trocas com os outros jogadores e comissão técnica.

Se tornar consistente não é fruto de uma fórmula mágica, mas um processo que deve ser contínuo. A interrupção abrupta pode colocar tudo a perder e isso serve de lição para situações no mundo dos esportes e nos negócios.

O entendimento de que um processo deve ter início, meio e fim para ser concluído é a base para se tornar uma pessoa consistente. Pode ser também algo sem um término predeterminado como a implementação de uma mudança cultural na empresa. A adoção de um software corporativo, um novo processo de vendas, por exemplo.

James Clear, autor do livro Atomic Habits, traz uma série de insights sobre consistência,  principalmente sobre o “compromisso com o processo”, sendo esse processo de repetição e prática, um passo de cada vez e progressão nos atos e resultados.

Muitas vezes classificamos o sucesso como um único evento. Mas se olharmos para as pessoas que permanecem focadas em seus objetivos, começamos a perceber que não são os eventos ou os resultados que os tornam diferentes. É o compromisso com o processo. Eles se apaixonam pela prática diária, não pelo evento individual.

O que é engraçado, é claro, é que esse foco no processo é o que permitirá que você aproveite os resultados de qualquer maneira. Se você quer ser um grande escritor, ter um livro best-seller é maravilhoso. Mas a única maneira de chegar a esse resultado é se apaixonar pelo processo de escrever.

Se você deseja estar no que você considera a melhor forma da sua vida, pode ser necessário perder 10 quilos. Mas a única maneira de chegar a esse resultado é se apaixonar pelo processo de alimentação saudável e exercícios físicos de forma consistente.

Se você quer se tornar significativamente melhor em alguma coisa, precisa se apaixonar pelo processo de fazer isso. Você tem que se apaixonar pela construção da identidade de quem faz o trabalho, ao invés de simplesmente sonhar com os resultados que deseja.

Focar em resultados e metas é nossa tendência natural, mas focar em processos leva a mais resultados a longo prazo. Considerando as conquistas de Tom Brady durante a sua carreira e fazendo paralelos com o mundo dos negócios, sabemos dos desafios que enfrentaremos e da necessidade de nos mantermos focados em nossos objetivos.

Consistência: pequenas vitórias, grandes avanços
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