Como ser feliz no trabalho é relativo, mas precisa ser significativo. Se não existe motivação para além da contrapartida monetária, não existe o jogo do tesão pela jornada.
Qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar?. Essa é uma definição objetiva sobre felicidade, de acordo com o dicionário de Oxford.
Como matéria subjetiva da filosofia, o grego Aristóteles afirma que ?a felicidade diz respeito ao equilíbrio e harmonia de praticar o bem?. Além: Confúcio respalda que tal harmonia da transe fortuna é um prenúncio do atingido equilíbrio entre as pessoas.
Tal disciplina também é discutida pelas ciências da vida. Fatores externos (sociais e situacionais), além de endógenos, como neurotransmissores (dopamina, serotonina e adrenalina), regulam o humor e a liberação de hormônios, responsáveis pela sensação de bem-estar e felicidade.
A definição do jornalista, filósofo e professor de Ética da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Clóvis de Barros Filho, entretanto, parece trazer a complexidade do conceito de volta ao tangível com um magistral toque de síntese: "um momento que você não quer que passe".
E o que significa um momento que você não quer que passe? É aquele momento que está presente na definição objetiva: estado de uma consciência plenamente satisfeita. É aquele momento que está presente na definição subjetiva: equilíbrio e harmonia. É aquele momento que está presente na definição das ciências da vida: situações que despertam neurotransmissores que regulam o humor e a liberação de hormônios.
Não há exatamente um marco que os arautos da história cantam como aquele em que fora vislumbrada a reflexão sobre o que é ser feliz. Felicidade é objetiva como ser recompensado por um esforço, tal qual é subjetiva ao olhar um pôr do sol que ilumina uma cidade cinza. Está emaranhado na construção do que é ser humano.
Um ser humano possui diversas facetas para equilibrar ao longo da vida: pessoal, familiar, social, profissional. Ordem essa de perspectivas que foi sendo transformada ao longo da história. Ora o holofote iluminava a felicidade plena em cima dos valores familiares, ora o holofote passou a iluminar a felicidade na ascensão de uma carreira profissional.
Mas fato é que, desde que o mundo assumiu um plano de dilatação industrial e tecnológica, passamos a viver em uma sociedade mais heterogênea, conectada e complexa. É um bombardeio de informações que sobrecarregam quase todas as facetas da vida. Como, então, atingir o equilíbrio e harmonia?
Eis que surge um dos maiores estudos sobre desenvolvimento da felicidade humana, intitulado Harvard Study of Adult Development, para compreender o conceito nas diferentes perspectivas que uma pessoa precisa lidar paralelamente em seu dia a dia.
Datado de 1938, passou pelas mãos de diversos pesquisadores envolvidos em um projeto que já tem mais de oito décadas. Orbitando o grande escopo de análise das pesquisas, os chamados estudos Whitehall (1967 e 1985) nos são especificamente pertinentes ao objetivo desse conteúdo.
Trata-se da fagulha que começa a refletir sobre a felicidade no trabalho, algo antes nunca discutido.
Os resultados foram taxativos ao mostrar: aqueles envolvidos emocionalmente com sua profissão, que conseguiam estar no controle de alguns dos fundamentos de suas condições de trabalho, além de manter relacionamentos saudáveis com as pessoas que estavam ao seu lado, eram muito mais felizes do que aqueles que não possuíam tal grau de firmeza.
Talvez uma definição mais objetiva, para tempos mais objetivos.
Em novembro de 2022, menos de um segundo atrás na história, a Feedz e a Reconnect se reuniram para conduzir a pesquisa Felicidade Corporativa e Futuro do Trabalho, a fim de entender como as empresas brasileiras estão cuidando da felicidade e do bem-estar dos seus colaboradores, ainda mais em um contexto pós-pandêmico, que acelerou diversas dinâmicas de trabalho.
Foram 1.176 profissionais entrevistados - 55,6% destes em papéis de liderança (gestores, diretores ou CEOs) e 44,4% eram colaboradoras.
Décadas após o Whitehall, a resposta que temos, em nível nacional, é que flexibilidade e qualidade de vida são as grandes prioridades para ser feliz no trabalho. Além: trabalhar em uma empresa com os mesmos valores que os seus é o que faz a diferença.
Por outro lado, a pesquisa Global Human Capital Trends 2023, produzida pela Deloitte, percorreu mais de 100 países para chegar a conclusão: muitas das fronteiras que antes forneciam a estrutura de trabalho foram remodeladas. Agora, os limites que permanecem são muito mais focados na dinâmica humana e em como as pessoas interagem e se envolvem com o trabalho.
Talvez definições mais subjetivas, para tempos mais subjetivos.
Quais são os pormenores que construíram a base científica sobre ser feliz em sua faceta corporativa, desde o ponto A, há mais de oito décadas, até o ponto B, atualmente com a vasta compreensão objetiva, subjetiva e das ciências da vida?
Robert Waldinger, quarto diretor a capitanear o "Harvard Study of Adult Development" e autor do livro "The Good Life: Lessons From the World's Longest Scientific Study of Happiness", esclarece que o estudo tem o objetivo de compreender os grandes domínios da prosperidade humana, como saúde mental, saúde física, vida profissional e relacionamentos.
Segundo o diretor, encontrar um lugar com o qual você se identifica com os princípios e com a cultura organizacional é de fato um catalisador para ser feliz no trabalho, mas o grande valor está nas conexões que você constrói em sua rotina corporativa.
Ter com quem conversar sobre assuntos que extrapolam a jurisdição do trabalho e que você sabe que pode contar para cobrir sua retaguarda nas trincheiras é o que muda o jogo. O escritor Joseph Campbell, entretanto, é sábio ao dizer: se o caminho à sua frente está claro, você provavelmente está no caminho de outra pessoa.
O ambiente corporativo muitas vezes é competitivo e implacável. Um jogo de pessoas atrás de resultados por recompensas nem sempre cria o cenário mais favorável para que conexões genuínas sejam criadas em uma rotina de metas a serem batidas.
As pessoas são diferentes e jogam com visões diferentes, cada uma entrincheirada sob seus valores e perspectivas. Depende do que cada um enfatiza. Existem marcos que elevam seu repertório enquanto profissional, mas também existem meros emblemas de conquista, como a notoriedade.
"Estou ganhando mais do que meus colegas? Estou recebendo os prêmios? Estou recebendo elogios?".
A ideia é pensar em como podemos encontrar realizações que sejam verdadeiramente significativas por si mesmas, não apenas porque nos trazem algum distintivo de distinção. As relações, para o estudo "Harvard Study of Adult Development", configura como uma realização de trabalho que preenche e que é significativa.
Uma coisa é se sentir valorizado, sabemos que as pessoas precisam sentir que estão sendo pagas de forma justa por seu trabalho. Outra coisa é ganância pela ganância. O estudo da Harvard levanta a seguinte questão: "À medida que sua renda aumenta, você fica mais feliz."
Os resultados mostraram que, ao passo que nossa renda aumenta de, digamos, R$ 0 para R$ 200 mil por ano, sim, nossa felicidade aumenta, e isso significa que, enquanto ainda estivermos trabalhando para atender às nossas necessidades materiais básicas, quanto mais dinheiro ganhamos, mais felizes ficamos.
Acontece que, uma vez que você ganha o suficiente ao ponto de já não mais se preocupar em atender as necessidades materiais básicas com algum tipo de cálculo na mão, você perde a noção da importância do dinheiro - e consequentemente da felicidade de conquistá-lo. Entra no modus operandi.
O estudo é enfático ao afirmar que ganhar muito dinheiro não é o suficiente para uma pessoa ser feliz. As coisas das quais as pessoas mais se orgulhavam estavam relacionadas aos seus momentos com outras pessoas.
"Fui um bom parceiro?", "Criei bons filhos?", "Fui um bom amigo?", "Fui um bom mentor no trabalho?", "Fui um bom chefe?", "Eu mereci este prêmio?" - e muitos dos entrevistados ganharam prêmios bastante sofisticados.
Era sempre olhar para trás e ver as conexões significativas que foram criadas ao longo da jornada. Talvez essa seja a grande lição do maior estudo sobre felicidade humana, que opera no mercado e na sociedade há mais de oito décadas.
Por isso é tão importante o investimento na construção de uma forte cultura e no olhar clínico do time de gestão de pessoas. É esse tipo de estratégia que pode unir todos por um mesmo propósito e fazer com que a empatia prevaleça frente a qualquer competitividade vazia. É esse tipo de estratégia que cria time, que ativa todas as alavancas de crescimento.
Isso passa sumariamente por diversidade e inclusão. Diversidade para abrir as portas, inclusão para garantir um assento à mesa. Pessoas são diferentes e possuem diversos repertórios para agregar. Ter um time diverso é garantir que mais ideias circulem e prosperem.
Ao momento, o estudo "Harvard Study of Adult Development" coleta dados sobre como a pandemia afetou o envolvimento das pessoas com o ambiente corporativo.
"Não sabemos como as novas dinâmicas de trabalho, como o remoto ou a cultura híbrida, estão mudando nosso senso de engajamento, nosso senso de pertencimento, nosso senso de significado, e essas são questões cruciais enquanto tentamos entender a felicidade no trabalho daqui para frente."
A solidão é um estressor. O isolamento social, provocado pela pandemia, foi um fator estressor a nível global. Cientificamente, nessas circunstâncias, nossos corpos entram no que é considerado um modo crônico de lutar ou fugir. Em condições normais, quando o estresse passasse, nossos corpos voltariam ao equilíbrio, como uma linha de base.
O entendimento de Robert Waldinger é que agora as pessoas não estão conseguindo voltar ao seu equilíbrio básico. São níveis mais altos de inflamação crônica. É preciso combater tal enfermidade e reagir, encontrar estímulos para esse novo mundo que estamos construindo - e não aquele que há três anos foi assolado pelo vírus.
A pesquisa da Feedz e da Reconnect, ?Felicidade Corporativa e Futuro do Trabalho?, traz alguns insights interessantes sobre os novos valores que emergem sobre como ser feliz no trabalho. Valores que estão mais alinhados com a construção desse novo mundo, que já começa a abandonar algumas premissas datadas.
Fora perguntado aos 176 entrevistados da pesquisa se eles se sentiam reconhecidos, respeitados e ouvidos em suas organizações:
Pensando em alinhar a pauta trabalho e propósito de vida, também fora perguntado para amostragem de pesquisa se ela encontrava significado naquilo que fazia:
Sobre ter relações positivas dentro do contexto de trabalho:
Para cerca de 70% dos profissionais, as suas funções no trabalho precisam de significado e propósito. No contexto pós-pandemia, as pessoas passaram a refletir mais sobre suas vidas e tarefas diárias e isso representa um aspecto importante na felicidade corporativa.
Grande parte reconhece a necessidade de um trabalho que reflita seus valores e crenças e deseja um ambiente onde possam ser reconhecidos, além de criar vínculos genuínos.
Para ter sucesso, as organizações e os trabalhadores precisarão aprender a navegar juntos nesse novo mundo, co-criando novas regras, novos limites e um novo relacionamento. Isso significa que os modelos de propriedade e o valor devem mudar.
As organizações devem abandonar as antigas ilusões de controle total e reconhecer o papel que desempenham nos ecossistemas vivos e em evolução, à medida que os trabalhadores assumem maior influência e responsabilidade pelos resultados organizacionais e sociais, liderando de mãos dadas com a organização.
Na pesquisa "Deloitte 2023 Global Human Capital Trends", as organizações com maior envolvimento dos colaboradores na concepção e implementação da mudança organizacional eram mais propensas a obter resultados positivos.
Especificamente, aqueles que disseram que cocriam com seus funcionários afirmaram que eram:
As organizações que adaptarem suas estratégias e práticas para se adequarem ao pool de talentos que começa a abrir suas fronteiras e percepções sobre o que é significativo para si, terão acesso a habilidades e experiências para acelerar o crescimento, a inovação e a agilidade operacional.
Aos que se abrem a novas ideias, um mundo sem fronteiras se torna um mundo de maiores possibilidades. À medida que os velhos limites mudam e desaparecem, organizações e colaboradores podem implantar esses fundamentos para definir novas diretrizes, criar mais autonomia, imaginar novas oportunidades e alcançar valor mútuo em suas relações.
Mas isso exige que eles empreguem novas mentalidades, abandonando os modelos operacionais de trabalho do passado, para abraçar um futuro mais solto e mais humano, focado em velocidade, agilidade, experimentação e inovação. Uma nova marca de liderança será necessária ? uma que se concentre na mentalidade que você adota para impulsionar o trabalho e equilibrar as outras diversas facetas da vida.
Ser feliz no trabalho pode ser objetivo, subjetivo ou meramente um despertar natural de um neurotransmissor estudado pelas ciências da vida. De uma regra não foge: para ser feliz, precisa ser significativo. E para ser significativo, você precisa atingir um estado de uma consciência plenamente satisfeita, em equilíbrio e harmonia. São esses momentos que você não quer que passe. Garantia: não há cifras que comprem.