Durante uma apresentação no Ted Talks, o professor da Universidade de Waterloo, Larry Smith, enalteceu a diferença entre paixão e interesse. De acordo com Smith, ninguém procura o amor da vida e diz: "Case comigo! Você é interessante". O que as pessoas buscam é a paixão, que está além do interesse: e o propósito de uma marca tem tudo a ver com a fala do professor.
Uma pesquisa feita pela consultoria McKinsey apontou que 82% dos colaboradores ouvidos acham importante que uma companhia tenha um propósito. Mais: 72% dos respondentes disseram acreditar que o propósito de marca deveria ser mais importante do que os resultados da organização.
Os dados refletem a tendência do livro Marketing 5.0 do renomado autor norte-americano Philip Kotler: o aspecto emocional de consumidores e colaboradores ganha maior peso na tomada de decisão de consumo. Com isso, propósito de marca, valores e ética estão no centro das atenções das companhias.
Em nenhum outro momento da história os consumidores estiveram tão atentos ao posicionamento das marcas. Isso resulta de uma confluência de fatores, como a rápida evolução digital que levou à inclusão de grupos que antes tinham pouca visibilidade e mercados produtores, além das tendências de práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa) com as mudanças climáticas no radar dos noticiários.
O propósito de uma marca é a razão de ela servir a sociedade. Ou seja, o objetivo que ela almeja atingir ao prestar um serviço ou produzir determinado produto. Além de realizar vendas e obter receita, marcas com propósito buscam provocar algum tipo de impacto no mundo, em uma indústria ou segmento.
Para entender melhor o conceito, veja abaixo um trecho da famosa apresentação no Ted Talks do autor britânico Simon Sinek, que escreveu o best-seller Comece pelo porquê (do inglês, “Start with Why”):
“Poucas pessoas ou organizações sabem o porquê de fazer o que fazem. E por ‘por que’ não quero dizer ‘para obter lucro’. Isso é um resultado. É sempre um resultado. Por ’por quê’, quero dizer: Qual é o seu propósito? Qual é a sua causa? Qual é a sua crença? Por que sua organização existe? Por que você sai da cama de manhã? E por que alguém deveria se importar?”, questionou durante apresentação no Ted Talks.
Simon Sinek usa como exemplo a gigante de tecnologia Apple. “Se a Apple fosse como todo mundo, uma mensagem de marketing deles poderia soar como esta: ‘Fazemos ótimos computadores. Eles têm um design bonito, são simples e fáceis de usar. Quer comprar um?’ É assim que a maioria de nós se comunica.”
Contudo, a Apple tem uma outra abordagem para comunicar o propósito de sua marca: "Em tudo o que fazemos, acreditamos em desafiar o status quo. Acreditamos em pensar de forma diferente. A forma como desafiamos o status quo é tornando nossos produtos simples e fáceis de usar, com um design bonito. Acontece que fazemos ótimos computadores. Quer comprar um?".
Em poucas palavras, o propósito de uma marca é a motivação e a paixão que sustentam o negócio. “As pessoas não compram o que você faz, elas compram porque você faz isso”, afirmou Sinek durante o Ted Talks.
A diferença entre o propósito de marca e a missão da empresa é que o propósito é o porquê da organização existir, enquanto a missão é o que ela faz para permanecer existindo. Ou seja, o propósito antecede a missão.
O propósito está relacionado ao significado mais profundo de uma companhia nascer, o porquê dela mirar alguma transformação em seu meio. Ao passo que a missão é o que ela fará para atingir esse objetivo, o que ela fará para causar impactos e mudanças na sociedade.
Para facilitar o entendimento do “porquê” de uma marca existir, Sinek criou o conceito de Golden Circle, que diferencia o propósito, a missão e os valores de uma marca. Confira:
A importância de ter um propósito de marca reflete o mundo no qual vivemos no século XXI, no qual chamar a atenção de um consumidor se tornou um desafio:
Ter um propósito de marca agrega diferencial a uma empresa, além de auxiliar na construção de sua narrativa, posicionamento e imagem pública. Ajuda uma companhia a falar de dentro para fora, ao invés de absorver o que está de fora para dentro.
Em palestra no Ted Talks, Simon Sinek explica que o propósito influencia diretamente o comportamento do público consumidor. “Quando podemos nos comunicar de dentro para fora, estamos falando diretamente com a parte do cérebro que controla o comportamento, e então permitimos que as pessoas racionalizem com as coisas tangíveis que dizemos e fazemos. É daí que vêm as decisões instintivas”.
O propósito dialoga com o consumidor de forma íntima, pois toca em aspectos psicológicos e emocionais de cada ser humano. Um bom propósito conversa com os valores morais e éticos de um cliente, ativando sua vontade, sua paixão, sua crença de que, ao fazer a aquisição de um produto ou serviço de determinada marca, ele também estará ativamente atuando para que a empresa atinja seu objetivo. Assim, o propósito de marca aproxima os clientes, atraindo-os para que se sintam envolvidos e engajados com as iniciativas da companhia.
Leia mais: Value Proposition Canvas: o que é e como funciona essa metodologia?
Ao passo que a sociedade se conscientiza sobre o meio ambiente, as mudanças climáticas e os demais impactos causados pela produção massiva e poluente, cresce a pressão para que as empresas alinhem suas práticas à governança ambiental, social e corporativa (ESG).
O termo foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao lançar a Agenda 30: uma série de metas para que o planeta recupere o seu equilíbrio ambiental até o ano de 2030. Para facilitar o entendimento da agenda, a ONU lançou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que enumeram as ações sustentáveis que podem ser adotadas pelas empresas
Em setembro de 2022, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) lançou um guia de Sustentabilidade e Gestão ASG nas Empresas, o que reflete a preocupação do mercado empresarial com o tema que se tornou tendência nos últimos anos.
Segundo dados da Opinion Box, em uma pesquisa que contou com 2.246 brasileiros em 2022, 67% dos consumidores têm o hábito, mesmo que apenas às vezes, de pesquisar as práticas de ESG das empresas antes de comprar.
Dos entrevistados, 29% disseram se preocupar muito com as práticas sustentáveis de uma empresa e 73% concordam que os consumidores devem cobrar posicionamentos das empresas em relação ao meio ambiente.
Adotar práticas ESG é o caminho para o sucesso e um bom propósito para a marca? Depende. Os valores e práticas devem ser reais, assim como o engajamento na causa ambiental. A empresa mais conhecida por esse posicionamento é a Patagonia, de artigos esportivos para trilhas, escaladas e atividades junto à natureza.
Yvon Chouinard, alpinista que fundou a Patagonia em 1973, doou a companhia – avaliada em US$ 3 bilhões – para ONGs de proteção ambiental em setembro de 2022. Todo o lucro da empresa, que gira em torno de US$ 100 milhões anualmente, será destinado a causas ambientais por meio do Holdfast Collective, uma organização não governamental dedicada à preservação. O movimento revelou o nível de comprometimento da Patagonia com iniciativas para reduzir o impacto da crise climática.
Para causar tamanho buzz e percepção em torno da marca (Chouinard está na lista das 100 pessoas mais influentes da Times em 2023), tem que ser feito para valer. Um levantamento da Opinion Box aponta que 47% dos cidadãos não acreditam em muitas marcas que se posicionam como sustentáveis e 44% não acreditam em muitos produtos que dizem ter menos poluentes em sua fabricação. Falar não é suficiente, é preciso realizar.
Implementar práticas ESG nas empresas é uma demanda global e uma tendência neste século. Entretanto, é necessário avaliar o grau de envolvimento da empresa com as práticas, além de manter um alto nível de transparência sobre o assunto com os clientes.
Adotar um falso posicionamento (greenwashing) e não executar ações reais voltadas à conservação do meio ambiente pode se tornar um tiro no pé para uma marca. E causar o efeito contrário, afastando os consumidores e reduzindo as vendas de uma companhia.
As cinco principais vantagens de uma marca adotar um propósito são:
Confira a seguir três metodologias para criar um propósito de marca: a intersecção dos 4 Círculos, o Framework dos 5Ps e o Framework de Hubert Joly, ex-CEO da Best Buy.
Baseado no conceito japonês Ikigai, que trata da construção do senso de propósito e a razão de viver de uma pessoa, a intersecção dos quatro círculos aplica o Ikigai ao mundo empresarial.
Para chegar a um propósito significativo, autêntico, poderoso e no qual se possa acreditar, basta considerar a intersecção entre quatro fatores, ou seja, o ponto em comum entre todos os aspectos:
Alguns exemplos rápidos: o propósito original do Google era “organizar as informações do mundo”. A Netflix definiu seu propósito como “entreter o mundo”. Esses foram os pontos de intersecção que as companhias encontraram ao se questionarem sobre o que o mundo precisa, pelo que os fundadores eram apaixonados, no que as empresas eram boas e como poderiam transformar essas habilidades em resultados financeiros.
O Framework dos 5Ps, apresentado pela McKinsey neste artigo, define o propósito como algo sistêmico e racional, mas também emocional, que ressoa com os membros da companhia. Para estruturar um propósito de marca seguindo essa metodologia, conheça a seguir os 5Ps:
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Em entrevista à Harvard Business Review, o ex-CEO da Best Buy, Hubert Joly, explicou o framework que norteou a revisão de processos da varejista multinacional americana. Tornar o propósito da empresa o ponto focal da estratégia demanda rever o que a empresa oferece à luz desse propósito. Portanto:
Caso um produto entre em contradição com o propósito assinalado para a marca, pare de produzir. Parar é uma atividade que demanda planejamento e tomada de decisão. Mas que pode renovar o portfólio e alinhar os produtos a um propósito.
Por exemplo, caso você tenha um restaurante e o propósito do seu negócio seja melhorar a saúde da população, vale rever o cardápio e parar de oferecer pratos que não estão alinhados com esse propósito. “Parar” também tem relação com os processos operacionais. Ou seja, tomando o mesmo exemplo, caso os processos de cozimento envolvam muito sal, vale repensar essa quantidade para garantir refeições mais saudáveis para o público.
Evoluir implica ampliar, crescer, ascender. Ou seja, pense em como expandir o seu negócio. No exemplo do restaurante, uma possibilidade seria acrescentar novas receitas ao cardápio. Pratos veganos ou vegetarianos poderiam ser uma nova opção para o negócio, pois estariam alinhados ao propósito.
A busca pelo propósito também envolve começos. Assim, iniciar novas atividades que vão de encontro ao propósito pode refrescar a imagem que os clientes têm do negócio. Por exemplo: se o restaurante está desenhando o propósito, vale comunicar aos clientes sobre este rebranding, por meio de panfletos, outdoors, placas ou por canais digitais. Abrir a comunicação com os clientes, informá-los sobre mudanças e falar sobre assuntos relacionados aos negócios aproxima os consumidores da marca.
Por último, basta continuar com as atividades que a empresa já realiza e que estão alinhadas com o propósito desenvolvido. No caso do restaurante, manter os pratos saudáveis e equilibrados que os clientes já conhecem e gostam é uma maneira de continuar.
“O novo propósito da Best Buy mudou fundamentalmente nossa estratégia e como fazíamos negócios. Após vários meses de intensa análise de dados, identificamos entretenimento, produtividade, comunicações, alimentação, segurança, saúde e bem-estar como as principais necessidades humanas que queríamos atender”.
“Essas eram as áreas em que poderíamos enriquecer vidas por meio da tecnologia. E faríamos isso passando de um negócio focado em transações e venda de produtos para um que desenvolve soluções e relacionamentos duradouros com os clientes”, explicou o ex-CEO à HBR.
Leia mais: Ciclo PDSA vs. Ciclo PDCA: qual é a diferença?
Conheça abaixo o propósito de marca de 5 empresas consolidadas em suas indústrias:
A criação de um propósito de marca pode ser o diferencial para uma empresa crescer e até liderar o seu segmento, além de se manter por mais tempo no mercado. Ter um propósito bem definido pode reforçar o engajamento de colaboradores e clientes, assim como posicionar a empresa como um todo, destacando sua atuação como membro atuante da sociedade: a marca se torna mais relevante e os impactos que gera são observados e amplificados pelas pessoas.