O conceito de liderança liberal está atrelado a uma maneira de conduzir a sua gestão de maneira mais colaborativa, em um modelo de negócios descentralizado cuja ideia principal é florescer ideias através da pluralidade de vozes.
O que caracteriza um bom líder? É aquele que olha com atenção para gestão estratégica de pessoas? Ou é aquele extremamente eficiente na construção de um planejamento estratégico data-driven rumo à escalabilidade de resultados?
Ainda além: um bom líder é aquele que consegue colocar a estrutura de uma empresa no quadro dos valores da cultura organizacional? No fim, são diversas perspectivas as quais uma liderança precisa – e deve – assumir para tomar as rédeas gerenciais de um negócio.
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E tudo isso depende do contexto e do objetivo. É o resultado de diferentes combinações de perfil de pessoas e as consequências geradas desse experimento dentro de um ambiente produtivo. Pessoas são diversas e carregam com si histórias diversas.
Liderar sob essas circunstâncias já é um grande desafio. Existem ainda as variáveis administrativas e de mercado, que passam por períodos tempestuosos e de calmaria.
Tudo está acontecendo em uma velocidade sem precedentes e é necessário que qualquer líder tenha uma visão 360º sobre esse bombardeio de influências na hora de gerir e tomar decisões estratégicas.
Uma cadeira que exige resultados, que exige embasamento, que exige paciência e energia, mas, sobretudo, exige uma capacidade gigantesca para manter sua equipe engajada e envolvida.
Existem diversos tipos de liderança, com as quais empresas acharam seus caminhos para desbravar o mercado. A resposta não é definitiva e como liderar cabe ao contexto demandado pelo momento do seu negócio. Entretanto, existe um conceito bem interessante, bastante alinhado ao mundo em que vivemos, que é o de liderança liberal.
O psicólogo alemão Kurt Lewin, em parceria com a Universidade de IOWA, conduziu experimentos para analisar o processo de decisão nos diferentes tipos de liderança. Desse trabalho, em 1951 foi publicada a obra “Field theory in social science; selected theoretical papers” que, dentre sua vasta base teórica, traça três modelos estruturais de gestão.
Também conhecida por “Laissez-faire”, devido à expressão do francês “laissez faire, laissez aller, laissez passer”, ou em tradução livre “deixe fazer, deixe ir, deixe passar”, é o tipo de liderança que parte do pressuposto de que sua equipe possui um alto nível de responsabilidade, autonomia e compromisso para tocar projetos com mais liberdade.
Ao contrário do microgerenciamento, a liderança liberal abre uma avenida para as pessoas trabalharem. O acompanhamento é feito com menos frequência e o elo mais forte é a confiança na autonomia. Você tem uma equipe que sabe que a entrega chegará no fim do dia.
A teoria de Lewin ganha ainda mais base segundo um artigo da consultoria McKinsey & Company, que mostra que líderes que valorizam e acreditam no trabalho da sua equipe têm 2 vezes mais chances de entregar melhores resultados.
Liderança não é uma função isolada. É uma relação mútua entre o líder e seus liderados, em um elo de confiança e liberdade.
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Lewin entendeu analisando os processos decisórios que cadeiras solitárias não pensam estrategicamente. O processo precisava ser inclusivo e participativo. Pluralidade de vozes e repertórios que agregam na discussão e na solução de um problema.
"Experiência sozinho não cria conhecimento"
Liderança liberal, basicamente, é sobre isso: descentralizar o poder, para que exista um ambiente horizontal e propício para a troca de ideias, de modo que todos se envolvam no processo de decisão.
Se envolver não significa necessariamente bater o martelo, mas ter uma participação em alguma engrenagem de planejamento, ou também de execução. O importante do conceito é o envolvimento, é dar espaço de fala e fazer com que todos entendam sua importância dentro da organização.
Tirando o poder supremo do gestor, todos pegam para si um pouco da responsabilidade. Um dos valores do G4 Educação é que “não temos braço curto”. Assumimos a responsabilidade para si e fazemos o que tem que ser feito, com autonomia e a seriedade que a situação exige.
Uma metodologia que, por um lado, tem uma liderança focada em engajar, e por outro, uma equipe capaz de se autogerir. Dentro dessa premissa, são 3 as características principais que norteiam o que é liderança liberal:
Na liderança liberal, um líder precisa abrir espaço para seus colaboradores se desenvolverem e também liderarem. A abordagem hands-off é aquela na qual a interferência é mínima – e as diferentes áreas do negócio precisam ter autonomia e responsabilidade na hora de bancar suas decisões.
Com isso, o líder serve de capitão. É o guia que fará com que a viagem seja bem-sucedida, ao lado dos marujos, do timoneiro, do cozinheiro, do médico do navio e assim por diante. Cada um assume uma função essencial para que a estrutura do navio funcione e consiga cruzar um oceano.
O capitão não será aquele à frente do timão, da enfermaria e da cozinha ao mesmo tempo. É preciso ter um contingente de confiança para que cada um exerça sua função no nível que lhe é atribuída, sem tantas intervenções. Que exista um fluxo natural no processo e que os envolvidos tenham um senso crítico de autogestão.
A liderança irá traçar os objetivos. A ideia é cruzar o Oceano Atlântico? O timoneiro saberá como navegar pelas águas mais calmas, os marujos como fazer a manutenção de bordo, o cozinheiro terá uma previsão de insumos e o médico do navio garantirá a saúde em eventuais intempéries.
Essas pessoas terão que tomar decisões nas valências que lhes cabem. O capitão, o líder, irá garantir que esse fluxo aconteça de maneira autônoma e eficiente, sempre prestando apoio e assumindo um papel de “catapulta do desenvolvimento”. Um agente de impulsão.
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Se a premissa é dar autonomia e participação para todos se envolverem nas tomadas de decisões, a empresa precisa ter uma cultura organizacional horizontal. Em outras palavras, precisa que seu modelo de negócios não hierarquize demais os processos.
Será sempre responsabilidade da liderança arquitetar os valores e objetivos de negócio, mas nesse modelo liberal, também são os colaboradores os encarregados por tomarem as decisões que irão refletir nesses valores e nos resultados para chegar até os objetivos traçados para o negócio.
O capitão é o símbolo do que sua embarcação representa - e a ordem de sua manutenção é reflexo do elo de confiança criado na relação entre essa figura e seus subordinados. Com atenção, com apoio, com estímulo, hands-off e com desenvolvimento, você consegue criar uma cultura mais horizontal.
Horizontalidade, em poucas palavras, significa que as pessoas não se acanham ao darem sua opinião, porque elas sabem que participam do processo e que elas serão ouvidas. Existe um líder “mentor”, um líder mais inclusivo. Os erros e acertos durante a viagem se tornam aprendizados – e não punitivas falhas.
Essa é outra premissa básica da liderança liberal.
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Autogestão, por fim, é o que une a abordagem hands-off e a tomada de decisão horizontal. Você só consegue deixar um time livre para trabalhar e para bancar as estratégias de negócio se os envolvidos possuem a capacidade de se autogerir.
O elo da confiança só é construído em uma via de mão dupla. A liderança precisa fazer concessões para mostrar que o colaborador tem sua retaguarda coberta, enquanto esse precisa mostrar com clareza que domina aquilo pelo qual é requisitado.
O líder enquanto figura de mentor não ficará preso nos melindres do dia a dia. A rotina quem faz é o próprio colaborador – e para esse tipo de liderança dar certo, é imprescindível que as pessoas saibam como controlar seu tempo, as datas de entrega, a visão estratégica de negócio.
Com mais responsabilidades, aparecem mais atribuições. Conseguir se organizar diante delas e entender o fluxo de trabalho é uma contrapartida prioritária dos colaboradores dentro do modelo liberal.
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A liderança liberal é um dos modelos de gestão teorizados ao longo do último século. Não é nenhum livro de regras, os quais executivos ou empreendedores precisam colocar debaixo do braço e seguirem seus ensinamentos. É mais uma perspectiva sobre como gerenciar e criar uma estrutura mais descentralizada e horizontal, envolvendo todos no processo.
Partindo dessa lógica, existem diversos benefícios da metodologia, dentre os quais, podemos citar como os principais:
Talvez o imperativo sobre liderança liberal seja a participação coletiva na tomada de decisões. Como foi dito, a horizontalidade da cultura. É um grande desafio reger essa sinfonia, mas a partir do momento que o time começa a jogar junto, com autonomia e responsabilidade, os resultados começam a aparecer.
Time que joga junto cobre um a retaguarda do outro. Está ciente não só sobre suas demandas, mas sobre todo o processo operacional. Sabe onde estão os gargalos e onde justamente é preciso dar aquele gás a mais. Sabe também onde estão os acertos e vibram por eles.
Com autonomia e responsabilidade, todos se sentem parte daquilo que está sendo construído. Tem um pouco de si impresso na identidade do projeto – e muitas vezes o valor de uma jornada profissional é assim intangível, muito além da troca monetária.
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Esse fator de ter um pouco de si impresso na identidade do projeto catapulta o estímulo dos colaboradores. Você não está preso dentro de uma baía carimbando pilhas e pilhas de papéis que serão despachados para diversas outras etapas de algo que você nem imagina ser o destino final.
Você está ali, vendo o impacto que está causando para a construção e evolução de um produto/serviço/projeto. E isso engrandece muito.
É um processo que se retroalimenta, que faz ter mais vontade de trabalhar e crescer. Pessoalmente, as perspectivas mudam, as ambições mudam, os desejos mudam.
Profissionalmente, a liderança liberal e o papel do líder como “catapulta de desenvolvimento” tem unicamente a função de te colocar em um outro patamar. É um modelo de gestão que infla e agrega repertórios.
Com um time jogando junto e cada vez mais buscando o aprimoramento, isso tende a refletir diretamente na cultura a qual a empresa propaga seus valores ao mundo. Não fica no discurso panfletário.
O que a empresa brada aos ares, é aquilo que ela faz todos os dias. No fim do dia, todos querem vender e querem a confiança do seu cliente, mas esse processo começa dentro de casa, confiando em quem está fazendo o trabalho ao lado de você.
Quem faz a cultura de uma empresa ser genuína são as pessoas que estão lá, dia após dia, sustentando os valores que estão escritos no manual. Quem joga junto não tem cabresto: sabe das coisas para além da sua mesa de trabalho. Sabe quem está ao seu lado, o que está fazendo e se precisa de alguma ajuda.
Liderança liberal é deixar todo mundo na mesma página não só para executar, mas também para propagar uma cultura viva e genuína para o mundo.
Do mesmo jeito que existe o bônus da liderança liberal, existe o ônus. É difícil deixar todos na mesma frequência de trabalho. Um time alinhado e engajado o suficiente para tomar responsabilidades para si e dar vazão às demandas operacionais.
Desafios da descentralização estratégica podem trazer algumas desvantagens, como as seguintes:
Se autogerir pode ser um grande desafio, sob diversas perspectivas. Uma das maiores armadilhas é o limbo produtivo. Tanto para um lado, quanto para o outro: uma jornada exaustiva que pode levar a um burnout, ou aquela ociosidade que não te tira do lugar.
Ou a mistura dos dois simultaneamente: um surto maluco de produção desenfreada, seguida de um marasmo sem fim. Essa dificuldade em manter um ritmo produtivo pode acontecer muito pela ausência de uma figura firme de liderança e de uma rotina mais livre.
Com mais liberdade, vem mais responsabilidade. Se você está trabalhando de casa, você tem mais liberdade para fazer uma série de coisas, mas que também podem ser uma série de distrações. Isso influi diretamente no ritmo da sua produção.
Se você passa mais tempo do que deveria na copa com aquele cafezinho, pode estar atrapalhando o seu ritmo produtivo. Autogestão é ter controle total das suas tarefas e o caminho que você precisa percorrer para executá-las. Se perder na liberdade que isso traz pode ser uma desvantagem para o modelo de liderança liberal.
Em conformidade com a dificuldade em manter um ritmo produtivo, vem a questão da organização. Para se autogerir, você precisa se organizar muito bem. Falta de organização é algo que não tem espaço nesse modelo de gestão, tanto para líderes quanto para colaboradores.
Se a ideia é ter autonomia, independência e liberdade para executar o trabalho com mais responsabilidade, isso precisa ser feito com o mínimo de metodologia.
Não metodologia científica ou qualquer tipo de tese desenvolvida para ser mais produtivo e ter uma vida mais estruturada. Metodologia no sentido do método. Organização metódica, seja ela visual, escrita ou auditiva.
É necessário encontrar os recursos e formatos que auxiliem no gerenciamento geral de rotina, para que nenhuma tarefa se perca pelo caminho. Independência traz isso: o monitoramento quem faz é você.
O líder não estará presente em todos esses detalhes. Quem deve organizá-los são os colaboradores, sempre norteados pelas premissas de responsabilidade e autonomia.
A falta de rotina é um ônus da autogestão acarretada muito pelos dois pontos que citamos acima. Falta de um ritmo produtivo e a desorganização te colocam em um ciclo desvirtuado de hábitos que só tendem a te atrapalhar e a todo modelo de liderança liberal.
É verdade que falamos sobre uma metodologia mais livre, mas a rotina, mesmo dentre toda a liberdade do mundo, precisa ser moldada e vivida.
Mesma ideia da metodologia: crie métodos que façam com que seu dia a dia seja sustentável para que você consiga realizar todas suas tarefas exigidas.
Não ter uma rotina pode ser a ruína para aqueles que precisam gerir suas próprias demandas. As coisas começam a virar uma bagunça e você não tem nenhum referencial para seguir um caminho sólido e consistente.
Para um modelo de liderança que pede que você tome as rédeas da sua vida, não saber bem sobre sua própria rotina já é começar com um pé atrás.
Ronald Reagan, 40º presidente dos Estados Unidos
Ronald Reagan era conhecido por permitir que seus comandados cumprissem suas responsabilidades da maneira que bem entendessem, sem o viés autocrático.
O contingente de alto nível de Reagan era composto por lideranças de Wall Street, engenharia e empreiteiros aeroespaciais. Durante seus dois mandatos, Reagan delegou autoridade sem precedentes a seu chefe e secretários de gabinete. Era um líder forte, mas desprendido.
John F. Kennedy não é bem um exemplo de liderança liberal, mas o Projeto Apollo teria fracassado se não tivesse confiado sua execução aos especialistas aeroespaciais da época.
Seu estilo convenceu o Congresso a injetar recursos financeiros para colocar um homem na Lua dentro de 10 anos. O modelo “laissez-faire” chancelou a NASA a atingir o "moonshot" e alcançar seus objetivos.
Uma ruptura de um homem que soube delegar funções através de uma liderança liberal, mesmo que não pinte toda sua obra.
No mundo corporativo, o antigo CEO da General Electric, Jack Welch, adotou muitos estilos de liderança ao longo do tempo. Ele sintetizou o líder autocrático com sua busca por tolerâncias de controle de qualidade de 99,99% em todas as instalações de fabricação por muitos anos.
Em outra perspectiva, Welch também foi um grande “líder mentor” para os executivos da General Electric, dando-lhes ampla liberdade para executar suas operações, sem intervir diretamente.
Ganhou a reputação de perfeccionista, mas conseguiu aumentar o valor da GE meteoricamente ao delegar autoridade a especialistas, principalmente no momento de aquisição de subsidiárias e no lançamento de novas operações.
Paul Allené o símbolo da liderança liberal. Aquela que é desafiada por novas ideias e abre avenida para a troca, para a cultura da inovação. Sua saída prematura da empresa é um sinal do modelo “laissez-faire”, à medida que a Microsoft amadureceu e passou a se entranhar em processos.
Allen sempre fora o cara responsável pela inovação, pelo caráter lúdico da criação.
Outro exemplo de liderança liberal é Warren Buffett, CEO da Berkshire Hathaway. Buffet dá liberdade para que os seus colaboradores façam aquilo que acreditam que seja o melhor para a empresa, confiando na capacidade deles de tomarem decisões mais assertivas.
Sempre procurou se cercar de profissionais altamente capacitados, experientes e criativos. Esse ambiente nunca lhe criou a necessidade de observar de perto cada decisão, abrindo espaço para focar no que realmente importa.
Liderança liberal, como qualquer outra metodologia de gestão, funciona correspondente ao contexto da empresa. Antes de sair adotando as práticas supracitadas, você precisa entender os detalhes que a compõem e se você tem os elementos necessários para aplicá-la.
De nada adianta você querer implementar um modelo de liderança liberal porque simpatizou com o conceito, mas sua empresa não tem um time que joga junto, com autonomia e responsabilidade. Mais, uma empresa que não capacita, que não propaga seus valores com clareza e que não é inclusiva para além do discurso panfletário.
Tendo todos esses atributos, talvez esse seja um modelo que funcione para você. É um conceito que inclui diversidade e pluralidade – diretrizes para sobreviver em um mundo e um mercado cada vez mais heterogêneo e que as pessoas querem se sentir identificadas.