Imagine a seguinte situação. Você é um gestor e passa uma tarefa para um liderado. Diz a ele que o prazo final da entrega é o fim do dia. Mas ao invés de deixá-lo livre para executar a tarefa durante o tempo estabelecido, a cada vinte minutos você checa para perguntar como está o andamento da atividade e também para saber quando ele fará a entrega. O nome dessa situação é microgerenciamento.
Em tempos de remodelação da forma de trabalho, com diferentes gerações convivendo no mesmo ambiente, bons líderes precisam se adaptar e saber diferenciar a liderança da gestão - e, em alguns casos, da microgestão. Movimentos como o quiet quitting, o job hopping e o quiet ambition reforçam essa ideia.
Com o churn dos colaboradores aumentando e uma nova geração cada vez mais exigente com a missão das companhias em que trabalham, líderes de empresas que querem ter uma força de trabalho acima da média precisarão ir muito além do esperado para reter os melhores talentos e reduzir a rotatividade do quadro de funcionários.
Microgerenciamento ou microgestão é um termo com conotação negativa, utilizado para se referir a um estilo específico de liderança: caracterizada por um padrão de comportamento pautado no controle excessivo, supervisão rigorosa e alto nível de envolvimento nas tarefas e atividades diárias dos liderados.
Para os funcionários, o microgerenciamento pode acarretar o sentimento de que cada conversa com o chefe parece uma avaliação de desempenho, elevando o grau de ansiedade e estresse dentro do time.
Além disso, os colaboradores podem apresentar medo de compartilhar suas opiniões, sentir uma falta de independência nas decisões e a frustração de nunca conseguir entregar um trabalho que satisfaça aos parâmetros do gestor.
Com a microgestão, o foco do trabalho é desviado pelo ponto de vista do liderado: o objetivo torna-se agradar ao chefe, ao invés de executar o melhor trabalho para a empresa e para os clientes.
Como consequência, os funcionários que não estão engajados ou que estão ativamente desengajados custam ao mundo US$ 8,8 trilhões em perda de produtividade, de acordo com o relatório State of the Global Workplace: 2023 da Gallup. Isso equivale a 9% do PIB global.
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Os principais comportamentos que indicam a microgestão são:
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Para identificar se você tem praticado a microgestão, confira as perguntas abaixo. Caso você responda sim para a maioria, é bem provável que você esteja implementando o microgerenciamento dentro da sua equipe:
Os principais riscos da prática da microgestão em um time de trabalho são:
Se o gestor estiver ocupado em ficar constantemente perguntando aos colaboradores qual é o status do progresso das atividades, o mais provável que aconteça é que as constantes interrupções reduzam a agilidade dos funcionários.
Ou seja, por passarem por tantas interrupções para responder o gestor, os colaboradores perdem o ritmo de trabalho, têm menos concentração para finalizar a atividade, e, portanto, o risco de atrasos nas entregas se eleva.
Outra consequência do microgerenciamento é a redução da produtividade do time. Com os funcionários preocupados em atender às expectativas do gestor que pratica a microgestão, resta menos tempo para a execução das tarefas propriamente ditas. Assim, a produtividade tende a cair.
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Equipes que contam com microgestores tendem a ter um baixo nível de confiança estabelecido. O funcionário pode interpretar o microgerenciamento como uma “desconfiança” de sua capacidade de trabalho. Logo, esse sentimento impede que se estabeleça a confiança entre gestor e funcionário.
Muitos funcionários são contratados para executar um escopo definido de atividades, mas, por serem proativos, acabam por se envolver em mais atividades. Esse tipo de comportamento é benéfico tanto para a empresa, quanto para o funcionário, que se aproxima de promoções e reconhecimentos dentro da companhia além de se desenvolver como profissional.
Mas líderes que praticam o microgerenciamento podem minar esse tipo de comportamento, fazendo com que os colaboradores tenham menos vontade de se engajar com os projetos, iniciativas, processos e inovações que a empresa passa.
Funcionários focados em agradar ao chefe ao invés da empresa como um todo ou aos clientes podem ter uma redução na criação de novos projetos. Novas iniciativas e sugestões podem se tornar escassas e a equipe pode ficar estagnada nas atividades já estabelecidas.
Em tempos de transformação frequente no mercado de trabalho, isso reduz as oportunidades da empresa no longo prazo. Um time que sempre inova, ao invés de ficar parado no tempo, tende a ter maiores chances de sucesso para fazer a diferença dentro de uma companhia.
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Funcionários que são alvos da microgestão podem sofrer com a autoestima profissional. O sentimento de incapacidade e de nunca fazer um trabalho que é bom o suficiente para o líder podem ser golpes na percepção de como os indivíduos se enxergam. Por fim, fazer com que se sintam “maus funcionários”. E em casos mais extremos, a microgestão pode também abalar a saúde mental.
Somado a isso, o constante fluxo de perguntas para checar o status das atividades, bem como a limitação na tomada de decisões por parte dos colaboradores, também podem ser fatores negativos para a autopercepção. E a tomada de decisões inclui também a ordem das tarefas a serem realizadas.
Por exemplo, se o gestor passa três coisas para o funcionário fazer durante uma semana, e não há urgência ou prioridade entre as três entregas, o ideal é deixar o colaborador livre para escolher como e quando vai executar cada uma das tarefas.
Assim ele toma as melhores decisões para adequar as atividades à sua rotina e seu modo de trabalho. Nesse exemplo, escolher a ordem e como as tarefas devem ser entregues caracteriza uma atitude de microgerenciamento.
As companhias precisam da atração de talentos para atingir bons resultados e vencer a concorrência. Ou seja, o recrutamento deve mirar bons candidatos. Contudo, a prática da microgestão expele esses talentos, fazendo com que a empresa aumente a rotatividade do quadro de funcionários e não consiga reter essas pessoas a ficarem na empresa.
Quando se deparam com situações de microgerenciamento, bons colaboradores podem não se adaptar à cultura organizacional e procurarem outra oportunidade no mercado de trabalho, mais alinhada às suas expectativas.
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Novos movimentos de funcionários crescem e são estudados por profissionais de RH. Tais movimentos mostram na prática como os colaboradores vêm reagindo às práticas que já foram comuns no mercado de trabalho, mas que passaram a não aceitar. Conheça alguns desses movimentos, que podem ser desencadeados pela microgestão:
O quiet quitting ou demissão silenciosa ocorre quando os funcionários continuam a se esforçar o mínimo possível para manter o emprego, mas não se esforçam mais pelo empregador. Isso pode significar não se manifestar em reuniões, não se oferecer para tarefas e se recusar a fazer horas extras.
Ou seja, o colaborador fica em um estado de desengajamento com o projeto, com a equipe e com a empresa como um todo. O que motiva esse funcionário é, em suma, o salário. Times com pessoas que praticam o quiet quitting perdem em agilidade, produtividade, iniciativas e sugestões.
Apesar do quiet quitting ser independente do microgerenciamento, a microgestão pode ser um estimulante para esse comportamento.
Um estudo da plataforma de dados canadense Visier aponta que as empresas podem enfrentar problemas de sucessão nos próximos anos. Em um cenário que já conta com a falta de profissionais C-level, a plataforma identificou que um novo padrão de comportamento está em alta na geração Z e ameaça a formação de novos líderes empresariais.
Conforme aponta a pesquisa, apenas 4% dos funcionários consideram ser promovidos ao alto escalão como um objetivo importante de carreira. E dos entrevistados, 38% estão interessados em se tornar gestores de equipes na empresa em que trabalham e 62% preferem permanecer como estão, sem pessoas abaixo.
A nova geração de trabalhadores não vê sentido em “trabalhar apenas por trabalhar” e prefere reduzir as horas passadas na empresa, ao passo que aumentam o tempo para a vida pessoal. Também é um movimento independente do microgerenciamento, mas que também pode ter relação com a prática.
O job hopping é uma tendência que está crescendo exponencialmente no mercado de trabalho e se refere principalmente a profissionais que mudam de emprego com frequência e voluntariamente. Conhecidos como job hoppers ou job jumpers, possuem como objetivo a busca constante por novos desafios.
Esses profissionais tendem a ficar menos de um ano nas companhias, pulando entre uma empresa e outra em busca de novos aprendizados e a conquista de novas habilidades, bem como o aumento salarial.
Reter esse perfil de profissional se tornou um desafio para o mercado de trabalho como um todo. E práticas como o microgerenciamento reduzem as chances dessa retenção, bem como aumentam as chances de que outros profissionais passem a praticar o job hopping.
O microgerenciamento é uma má prática para os líderes, que pode reduzir a agilidade, produtividade, proatividade e inovação dentro da equipe. Em um contexto no qual o mercado de trabalho atravessa diversas mudanças, com movimentos como o quiet quitting, o quiet ambition e o job hopping crescem, o microgerenciamento pode ser mais combustível para os desafios.
A microgestão deve ser repensada, como um primeiro passo para restabelecer e remodelar relações equilibradas no ambiente de trabalho.