Exemplos de M&A ensinam, principalmente, que o fit da negociação vai muito além do valuation.
Em um mundo tão dinâmico, bombardeado visual e sonoramente pela tecnologia e pela enxurrada de novas possibilidades sobre como fazer negócios, M&A desponta como uma estratégia de crescimento que é perene ao mercado.
Segundo gráfico desenvolvido pelo Distrito, em 2021 houve um recorde em M&A no Brasil. Um número quase 50% maior que o ano anterior, sinalizando uma recuperação econômica acelerada pós-pandemia. A amálgama do mercado atrai os investidores corporativos, em um tabuleiro de xadrez que ora joga de forma conservadora, ora assume alguns riscos. Tem a fórmula para o sucesso.
Uma estratégia que se mostra longeva e cada vez mais mais eficaz, frente a poluição de influências ágeis, respalda os movimentos que levam diretores, empreendedores e investidores optarem por ela.
A sigla M&A (Mergers and Acquisitions, ou em tradução livre, fusões e aquisições), indica duas opções de operações societárias. A fusão, quando duas instituições se unem e formam uma nova empresa; e a aquisição, quando uma organização compra outra e a incorpora em suas operações.
Dado esse caráter, não à toa, empresas que adotam estratégias para o mercado de M&A são capazes de construir bases mais duradouras e, consequentemente, preparar-se melhor para eventuais cenários de adversidades, gerando muito mais valor para o seu negócio.
Em uma analogia, é a amálgama do mercado, que vai expandindo seus tentáculos, incorporando e tornando empresas com portfólios cada vez mais ricos.
No entanto, há de se dizer, que não existe uma bala de prata, para nenhum tipo de estratégia. Não existe receita pronta. Diretrizes pelas quais você simplesmente coloca em uma lista e vai seguindo tarefa por tarefa. É um processo que envolve partes, contrapartidas, valores tangíveis e valores intangíveis. Uma operação sempre será diferente da outra.
Feito o disclaimer, existem exemplos de M&A que tanto deram certo, quanto… deram errado. Vejamos alguns deles.
Os processos de M&A, quando bem-sucedidos, refletem diretamente no desempenho dos envolvidos na negociação. Isso pode resultar, por um lado, em expandir novos mercados, obter diferentes canais de vendas, criar novos produtos ou adquirir uma porção maior de market share; por outro lado, na expansão de seu portfólio de investimentos e no número de participações em cadeiras societárias.
Além disso, investimentos em M&A são um caminho acessível para ativar alavancas de crescimento, mesmo frente a um cenário macroeconômico ainda abalado pós-pandemia, principalmente pela capilaridade de opções pelas quais você consegue fazer isso.
Alguns exemplos de M&A que deram certo são:
A Disney teve enorme sucesso com duas aquisições muito notórias: primeiro, do estúdio de animação peso-pesado Pixar; depois, da Marvel Entertainment.
A Walt Disney Co. adquiriu a Pixar em 2006 por US$ 7,4 bilhões e, desde então, obteve um tremendo sucesso com filmes como WALL-E, Procurando Dory e Toy Story 3 – cada um dos quais gerou bilhões de dólares em receita para a empresa.
Uma das principais razões para o sucesso dessa aquisição foi o acesso que deu à Disney à avançada tecnologia de animação da Pixar. Ao manter a cultura organizacional da Pixar distinta, a Disney conseguiu gerar um valor significativo sem destruir o que tornava a Pixar única ou bem-sucedida.
Em 2009, a Disney adquiriu a Marvel Entertainment, pela bagatela de US$ 4 bilhões. Com uma série altamente lucrativa de filmes da Marvel estreando nas bilheterias desde então, eles já recuperaram seu dinheiro - com mais por vir, sem dúvida.
Em 2022, quatro filmes dos Vingadores configuram entre os filmes mais lucrativos da história. Olha o tamanho do retorno que deram ao estúdio:
Em 2005, o Google comprou o relativamente desconhecido Android, uma startup fundada apenas alguns anos antes. Embora a quantia exata não seja revelada, estima-se que o negócio tenha sido de aproximadamente - pasmem! - US$ 50 milhões - uma fração dos US$ 130 milhões que o Google gastou em aquisições naquele ano.
O Android deu ao Google o sistema operacional (SO) necessário para competir no ascendente mercado mobile, à medida que expandia seu alcance muito além dos desktops.
O Android foi facilmente a aquisição de maior sucesso do Google; quando se trata de smartphones, sua participação de mercado estimada é de 85% (IDC), em uma negociação que estima-se ter custado apenas US$ 50 milhões.
À efeito comparativo, o Google gastou US$ 1,65 bilhão comprando o YouTube pouco mais de um ano depois. E o YouTube só está em um smartphone que não seja Apple ou Microsoft por conta do Android. Loucura, não? Moldou a tendência de toda uma geração.
A Locaweb é um notório exemplo nacional de empresa que investe em estratégias de M&A. Sua liderança se questionava se deveria desenvolver uma solução dentro de casa, ou ir ao mercado e comprar uma solução já modelada. Optou quase sempre pela segunda opção.
Em um recorte de 9 anos, registrou 20 startups incorporadas no seu portfólio.
Talvez a mais sobressalente seja a da King Host, uma das principais empresas de webhosting do Brasil, amplamente utilizada por desenvolvedores e web designers para oferecer soluções customizadas aos seus clientes.
À época, em 2019, a King Host já contava com cerca de 60 mil clientes e hospedava 300 mil sites em seu sistema. O movimento teve foco em trazer soluções de varejo, como revenda, computação em nuvem, além de, principalmente, expertise em hospedagem.
Não só a King Host, como cada uma de todas as aquisições da Locaweb, foram essenciais para estruturar sua estratégia geral de formar um grande ecossistema de hospedagem de sites, serviços de internet e computação na nuvem.
O objetivo: entregar uma experiência do cliente à altura, ao mesmo passo que mantinha uma operação saudável entre todas as empresas detidas pela holding.
De 2010 para cá, a Netshoes fez bastante brand awarness e cresceu na receita, mas viu seu custo de logística, estoques e margens espremidas aumentar. Um modelo de negócios que não dava lucro. Nem mesmo abrir capital em Nova Iorque, em 2017, para financiar expansão, pareceu funcionar.
A reputação da marca foi por água abaixo após o IPO mal-sucedido. Investidores desembarcaram do negócio.
A ação, que em maio de 2017 era negociada a US$ 24, caiu para US$ 1,29 em novembro de 2018, no pior mês da história da Netshoes. Consequência: uma estratégia de M&A. A negociação em torno da Netshoes envolveu o Grupo SBF, dono da Centauro, e a Magazine Luiza.
A Magazine Luiza oferecia o menor valor: US$ 3,70 por ação, mas o senso de urgência avançava as conversas, tendo até aprovação do Cade. O Grupo SBF fez uma oferta agressiva, de US$ 4,10 por ação.
Como a negociação com a Magazine Luiza já estava em andamento, a Netshoes optou pela oferta mais baixa diante da necessidade de caixa imediato.O deal ficou na casa dos US$ 115 milhões.
O principal objetivo da Magazine Luiza era aumentar a sua participação de mercado no varejo online de roupa, calçados e artigos esportivos. Isso possibilitou um aumento de mais de 250 mil itens em seu portfólio e mais de 7 milhões de consumidores.
Aquela altura, o Magazine Luiza entregava a infraestrutura de 1,1 mil lojas que estavam à disposição para a Netshoes implementar a retirada de produtos diretamente no estabelecimento. Reduzia custos de logística.
O e-commerce do Magazine Luiza, no primeiro trimestre de 2020, embora a empresa tenha registrado prejuízo, houve expansão de 72,6% das operações, na comparação anual. Em maio, as vendas digitais aumentaram 203%.
Os motivos que levam uma operação de M&A falhar não são previsíveis quando você está iniciando as longas negociações com a outra parte. Esses desafios ganham luz apenas com a rotina de trabalho e o fortalecimento do relacionamento entre o buy-side e o sell-side.
De nada adianta falar sobre M&A que deram errado sem analisar a fundo as razões para que isso tenha acontecido. Fato é que se uma fusão ou aquisição falhar, o resultado pode impactar negativamente a reputação de uma marca.
Alguns exemplos de M&A que deram errado são:
Em 2012, o Google anunciou que compraria a Motorola, pela bagatela de US$ 12,5 bilhões. Havia muita expectativa em torno do deal.
No começo da década de 2010, o valuation da Motorola começou a despencar recorrentemente e o Google enxergou aí uma possibilidade. Uma possibilidade, tal qual fora em 2005 de penetrar no mobile com o sistema operacional Android, agora de desenvolver o hardware de seus próprios smartphones.
À época, mesmo com o vislumbre de criar novos produtos e expandir seu market share, acionistas do Google estavam reticentes com o M&A da Motorola. Não só porque seu valuation caía vertiginosamente, mas porque a própria Motorola dava prejuízo. Suas áreas não eram funcionais e contaminavam os resultados do Google.
As razões para esse erro de cálculo estavam relacionadas ao desencontro entre as culturas organizacionais e o desalinhamento das expectativas. O Google esperava ter acesso a mais de 15 mil patentes da Motorola para entrar no mercado de smartphones topo de linha. A Motorola, em contrapartida, seguia em um caminho contrário, investindo em aparelhos de entrada.
Dois anos mais tarde, em 2014, o Google optou por vendê-la à chinesa Lenovo.
Com Meets, Teams, Zoom, chamadas de vídeo por WhatsApp, é louco pensar que no longínquo 2005, um player dominava o mercado com a tecnologia: o Skype. Videoconferências hoje estão tão normalizadas e conformadas quanto mandar uma mensagem instantânea. Nem sempre foi assim.
A explosão de popularidade do Skype, um dos pioneiros, chamou a atenção, principalmente, do eBay, que acreditava ser uma oportunidade de adquirir um sistema que melhorasse os pontos de contato entre vendedores e clientes de sua plataforma. Já havia feito um movimento parecido alguns anos antes com a aquisição do PayPal.
Avaliada em mais de US$ 2 bilhões, a aquisição, no fim das contas, significou apenas mais engrenagens operacionais para o marketplace. Mesmo com o Skype sendo um modelo de negócios lucrativo, na prática, os usuários do eBay não estavam interessados em telefonar para resolver seus problemas com produtos.
A aquisição não deu certo porque mirou para solucionar uma dor que o cliente não tinha exatamente. O eBay não compreendeu sua entrega de Customer Experience (CX) antes de investir pesado em outro negócio. Uma de suas virtudes era justamente não ser necessário interagir com a outra parte para fechar um negócio - as caixas de comentários e os e-mails eram mais do que suficientes para solucionar qualquer problema.
No fim, o Skype foi vendido para investidores privados pelos mesmos US$ 2 bilhões, porém, nesse caso, o eBay permaneceu com 30% do controle da empresa.
Chegamos aos emblemáticos Windows Phone.
Em 2013, a Microsoft comprou a Nokia por colossais US$ 7,6 bilhões. Entrava a fundo no mundo dos hardwares, para liberar todo o potencial de conectividade na nuvem entre seus softwares. Àquela altura, o mobile já surgia como um imperativo da rotina.
Segundo gráfico elaborado pelo Statista, em 2010, apenas 504,52 milhões de pessoas tinham acesso a smartphones globalmente. Em 2012, esse número já tinha dobrado, chegando à casa de 1 bilhão. No ano seguinte, 2013, o crescimento é quase proporcional a esses dois anos analisados anteriormente.
Mas bem… a falta de planejamento em torno da concepção do Windows Phone acabou com os planos da Microsoft. No que a companhia era intuitiva e prática em seus softwares, com a Nokia, se tornou engessada e de difícil assimilação.
A ideia de conectividade na nuvem entre seus produtos desktop e mobile não funcionou como deveria, ao mesmo tempo que o sistema operacional, sua marca registrada, se tornou pesado e difícil para a criação de aplicativos.
O Google investiu na Nokia que já chegou a dominar 40% do mercado de celulares no mundo, mas os produtos das marcas não conversavam entre si, sem fit cultural. Como consequência, a Nokia praticamente desapareceu do mercado, e os seus quase 25 mil funcionários já haviam sido demitidos em um período de 3 anos.
Em 2018, a Boeing e a Embraer anunciaram um acordo de fusão na casa dos US$ 5,2 bilhões. Na empresa consequente da soma das duas, a Boeing ficaria com o controle de 80% das operações, enquanto a Embraer com os 20% restantes.
Dois anos após o deal ter sido realizado, em 2020, eis que acontece a pandemia do coronavírus. Todo o setor de turismo recreativo e comercial fora desolado de maneira sem precedentes. A Boeing, que sofreu severamente com o caixa da empresa, não poderia arcar com os custos da aquisição.
Após a rescisão do contrato, a Boeing divulgou que a Embraer não cumpria os requisitos necessários para a transação. Em resposta, a Embraer declarou essa como “uma mera desculpa”.
Muita movimentação, para melar o negócio em um contexto ainda mais crítico. Tanto Boeing, quanto Embraer, procuram agora por soluções em praticamente um bico de sinuca.
A estrutura de cada fusão ou aquisição efetivada pode conter variações dependendo do tipo das empresas e do segmento de cada uma delas. As operações de M&A envolvem várias partes e cada uma delas traz consigo um objetivo final para garantir que a transação seja efetivada oferecendo os benefícios prometidos.
Por um lado, é crucial questionar recorrentemente como será definida a estrutura da transação: o capital será destinado de maneira fracionada ou não, como será a governança no dia seguinte ao deal, qual nível de autonomia que o empreendedor terá - já que, muitas vezes, o investidor está disposto a trocar preço por controle.
Por outro lado, em contrapartida, é essencial que se analise a capacidade que aquele investidor terá de te auxiliar em rodadas futuras. Afinal, esse pode ser o único caminho para conseguir crescer, melhorar e escalar seus resultados.
Se o processo completo de estruturação de M&A for bem compreendido, é uma estratégia capaz de atingir novos mercados, obter diferentes canais de vendas, criar novos produtos ou adquirir uma porção maior de market share.
O Spotify, por exemplo, já realizou 26 aquisições e 6 investimentos ao longo de seus 16 anos de vida. Foram mais de US$ 834 milhões investidos em empresas como a Megaphone (empresa focada em anúncios para podcasts), The Ringer (distribuidora de podcasts esportivos), Gimlet e Anchor (duas das maiores empresas de podcast do mundo).
Essas aquisições ajudaram o Spotify a se posicionar frente à concorrência no mercado de podcasts. Vemos o M&A como uma avenida para alcançar novos mercados, ganhar acesso a tecnologias que não são core business da empresa, além de ter acesso a mão de obra especializada. Todas as aquisições da plataforma de streaming foram movimentos estratégicos muito bem desenhados.