Estudo de Caso Cosan: de uma pequena fazenda de imigrantes italianos a uma das maiores empresas sucroenergéticas do mundo

Estudo de Caso Cosan: de uma pequena fazenda de imigrantes italianos a uma das maiores empresas sucroenergéticas do mundo

Por:
Guilherme Canineo
Publicado em:
27/6/2023
Atualizado em:

Em maio de 2023, a Cosan anunciou uma receita líquida de R$ 37,160 bilhões, um crescimento de 7% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022. O Ebitda ajustado (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) atingiu a marca de R$ 5,765 bilhões, registrando um crescimento significativo de 113,5% em relação aos primeiros três meses do ano anterior.

Ao longo de sua história, a Cosan passou por uma profunda transformação, evoluindo de uma empresa voltada para a produção de açúcar e álcool, com uma estrutura societária complexa, para um grupo de empresas de recursos naturais com maior ênfase em governança e transparência. A empresa atualmente conta com cerca de 40.000 colaboradores e 15.000 parceiros de negócios em todo o país. 

Neste estudo de caso, mostraremos como o Grupo Cosan, por meio da liderança visionária de Rubens Ometto, tornou-se um colosso no setor sucroenergético brasileiro e mundial, uma das primeiras a fazer exportação privatizada de cana-de-açúcar e a primeira a investir em logística para diminuir os custos de exportação no Brasil. 

Cosan: Primeiros Passos

A família Ometto – composta por imigrantes italianos e outros membros já nascidos no Brasil – trabalhava em uma lavoura de café na região de Amparo, interior de São Paulo. Após alguns anos, a família conseguiu comprar uma pequena fazenda de café e se fixou na região de Piracicaba. 

 (Na imagem: Família Ometto na década de 1940 | Crédito: Reprodução/YouTube)

Os Ometto negociaram a compra da Fazenda Boa Vista, onde estabeleceram a usina Costa Pinto, em 1936. Nas décadas seguintes, a família expandiu o negócio e montou várias usinas em diferentes locais, sempre buscando terras boas e climas favoráveis.

  • Estabelecimento da Usina Iracema (1937);
  • Aquisição da Usina São Martinho (1947), que por muitos anos foi líder mundial na produção de açúcar e álcool e chegou a produzir 4,424 milhões de sacas de 50 kg de açúcar e 233,5 milhões de litros de álcool na safra de 1983/1984. 
  • Santa Cruz, São João e Santa Lúcia também se destacaram na produção de açúcar.

Na época, a produção de açúcar era predominantemente concentrada nas regiões Norte e Nordeste, mas a iniciativa dos Ometto possibilitou a expansão dessa atividade agrícola para propriedades localizadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo reportou O Estado de São Paulo, “reunidos na Companhia Industrial e Agrícola Ometto, os irmãos Ometto, liderados por Pedro, foram crescendo como produtores e, durante a Segunda Guerra Mundial, forneceram álcool para o país, em substituição à gasolina, escassa então”. 

No início da década de 1940, Orlando Chiesi Ometto, filho de um dos fundadores da usina Costa Pinto, chegou à cidade de Barra Bonita, também no interior de São Paulo, com a intenção de montar uma destilaria de álcool. Logo comprou uma parcela da produção de açúcar do ex-deputado federal Geraldo Pereira de Barros, desenvolveu a ideia e, em 1949, inaugurou a Usina da Barra Açúcar e Álcool S.A. junto a seu pai, Pedro Ometto, e Mário Dedini.

  • Em 1966, Orlando Ometto assumiu a presidência da companhia com o falecimento de seu pai. 

Com o decorrer dos anos, a Usina da Barra ganhou escala e se tornou a maior empregadora dos municípios de Barra Bonita, Igaraçu do Tietê e Mineiros do Tietê. Sua safra de 1983/1984 somou 5,3 milhões de sacas de 50 kg de açúcar e 237,5 milhões de litros de álcool. Em dezembro de 1988, era a maior unidade produtora de açúcar e álcool do mundo, com uma produção de 6,2 milhões de sacas de 50 kg. 

  • No final de 1987, o valor das 8 fazendas pertencentes à família Ometto estava estimado em 4 bilhões de cruzados

Rubens Ometto: liderança com visão estratégica

Por presenciar muita politicagem dentro de uma empresa familiar, Rubens Ometto decidiu construir uma carreira fora da Cosan, ocupando cargos no Unibanco, Banco Votorantim e TAM. Somente em 1986 ele decidiu entrar na companhia. 

  • No mesmo ano, ele liderou a compra do controle acionário do grupo Bom Jesus, dono das usinas Santa Helena, São Francisco e Ipaussu. 
  • Em 1993, a empresa começou a exportar açúcar a granel e lançou o açúcar VHP para o mercado externo.

Até se tornar sócio majoritário, Rubens Ometto enfrentou uma grande disputa familiar – em seu livro “O Inconformista”, ele chamou esse conflito de “Guerra dos Ometto”. 

Antes de entrar na empresa, ele havia firmado um acordo com um de seus tios, o que criou, em suas palavras, “uma ciumeira muito grande fora”. Com o intuito de desfazer esse acordo de acionistas, seus primos decidiram mover um processo contra Rubens Ometto. Na justiça, o empresário saiu vitorioso e posteriormente comprou a parte de seus primos e assumiu o controle da empresa. 

O capítulo seguinte foi um conflito de opiniões com seus irmãos. Enquanto ele defendia o profissionalismo da gestão no qual não se admitia familiares trabalhando como executivos da empresa, seus irmãos faziam pressão para colocar seus filhos em posições da companhia. Em 1996, um acordo acionário colocou fim na disputa e criou-se a controladora (holding) Nova Celisa, que detinha controle das usinas do grupo Bom Jesus e uma participação acionária no Grupo Pedro Ometto. Quatro anos depois, foi criada oficialmente a Cosan (combinação dos nomes das usinas Costa Pinto e Santa Bárbara).

“As empresas [familiares] que sucumbiram ou perderam terreno por causa disso [brigas] é porque o líder não teve a coragem de enfrentar o problema,” disse Rubens Ometto, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan, em entrevista ao programa “Olhares Brasileiros com Abilio Diniz”, da CNN. “Não teve a coragem de colocar o dedo na ferida. Não teve a coragem de organizar a sucessão dele da melhor maneira”.

Sob sua liderança, a empresa transformou-se em um império, injetando modernidade gerencial em um setor marcado pelo atraso e pela acomodação típica de negócios por meio de alianças e aquisições de usinas. Ele participou ativamente do plano de crescimento que consolidou a Cosan como a maior produtora de cana-de-açúcar e etanol no Brasil e a posicionou entre as maiores do mundo na década de 2000. 

  • Em 2001, a Cosan adquiriu a Univalem e arrendou a Usina Santo Antônio. 

Em 2002, após meses de negociação, o Grupo Cosan concluiu a aquisição da Usina da Barra e da Usina Santa Adelaide (SP), o que representou um dos principais negócios firmados pela companhia até então. Com a compra, o Grupo Cosan aumentou sua capacidade de moagem para 29 milhões de toneladas e fortaleceu sua presença no mercado interno de açúcar refinado e líquido e da marca Açúcar da Barra, que ocupava o segundo lugar no setor varejista.

  • O Grupo Cosan, que possuía 21% de participação na Usina da Barra, passou a ter 54% – posteriormente, o grupo alcançou 85% de participação na usina. 
  • O empresário Sérgio Ometto deixou a presidência.
  • Também em 2002, o grupo concretizou a compra de 50% da Gasa (já possuía 50%) e adquiriu a Usina Sinhá Junqueira, um importante negócio para expandir a presença da Cosan na região Norte de Ribeirão Preto (SP). 

Já em 2005, a empresa tornou-se a primeira no setor a abrir capital (IPO) no Novo Mercado da Bovespa (hoje B3), levantando US$ 400 milhões. Em 2007, realizou seu IPO na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE). No ano seguinte, a companhia entrou para o setor de distribuição de combustíveis e adquiriu os ativos da Esso, pertencente ao grupo ExxonMobil, por R$ 826 milhões. 

“A gente sempre procurou entrar até o fim da cadeia para ter uma geração de receita mais estável”, explicou Rubens Ometto sobre a aquisição da Esso em live da ISTOÉ Dinheiro. “Naquela época, nós estávamos extremamente capitalizados por conta do IPO da empresa em Nova York e essa era a oportunidade. A Esso era um ativo super interessante e a gente conseguiu entrar na distribuição do etanol até o fim da linha”. 

 (Na imagem: Rubens Ometto, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan, em 2022 | Crédito: Reprodução/YouTube)

Em 2011, em uma joint venture com a Shell, criou-se a Raízen. Hoje, a empresa é líder mundial em biocombustíveis

Diversificação de portfólio e inovação nos negócios com Rumo e Radar

A aquisição da Esso também marcou a entrada da Cosan na distribuição de óleos lubrificantes, criando assim a Cosan Lubrificantes. A nova subsidiária deu início às suas operações internacionais ao adquirir os direitos exclusivos de distribuição dos lubrificantes Mobil no Paraguai, Uruguai e Bolívia.

  • Em 2012, comprou a inglesa COMMA e passou a produzir, vender e distribuir óleo lubrificante em mais de 40 países da Europa e Ásia. 
  • Em 2016, a Cosan Lubrificantes passou a se chamar Moove e conquistou a distribuição exclusiva de produtos da Mobil na Espanha. 
  • A empresa continuou sua expansão, entrando em mercados importantes tanto com os lubrificantes Mobil (Inglaterra e Escócia) quanto com outras marcas (Lubigrupo, em Portugal; TTA, na França; e Metrolub, nos Estados Unidos). Em 2017, a Moove se tornou a maior distribuidora dos lubrificantes Mobil no Reino Unido.
  • Para 2023, estima-se que a receita da Moove alcance os R$ 11 bilhões, especialmente com a aquisição da norte-americana PetroChoice Lubrificantes em 2022.

Em 2008, Rubens Ometto supervisionou o lançamento da Rumo Logística, uma empresa ferroviária para atuar como braço logístico do Grupo Cosan no segmento de transporte multimodal de cargas. A iniciativa veio para diminuir ainda mais os custos de exportação de açúcar, que já haviam baixado após a empresa adquirir 1 dos 3 terminais do Porto de Santos privatizados na época.

  • Em 2015, a Rumo adquiriu a América Latina Logística, agregando 12.900 quilômetros de malha ferroviária em seu portfólio, capacidade de elevação de 19 milhões de toneladas no Porto de Santos, 966 locomotivas, 28.000 vagões e uma equipe de 11.700 funcionários diretos e indiretos.
  • Atualmente, a Rumo é uma empresa de capital aberto e a principal companhia de logística com infraestrutura ferroviária do Brasil, com um Ebitda de R$ 4,3 bilhões em 2022.

Também em 2008, a Cosan lançou a Radar, “uma empresa com foco na gestão de terras, identificando propriedades com alto potencial de cultivo e valorização”. Durante seus três primeiros anos de existência, a empresa destinou investimentos de US$ 2,6 bilhões para a aquisição de propriedades e, em 2013, era responsável pela administração de aproximadamente 151 mil hectares de terras, distribuídas por diversos estados do país.

  • Em 2016, no entanto, o Grupo Cosan vendeu uma fatia da empresa para a Mansilla Participações, veículo de investimentos do fundo de pensão estadunidense Teachers Insurance and Annuity Association of America (TIAA), por R$ 1,06 bilhão.
  • Visando uma estratégia de alocação de capital e reforçando seu compromisso com o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, a empresa recomprou 47% da Radar em 2021. Na época, o sistema de geomonitoramento via satélite da Radar administrava em torno de 390 propriedades rurais com 96.000 hectares dedicados ao cultivo de cana-de-açúcar, soja, algodão, entre outras culturas. 

“Como todo empresário, você tem que ser muito persistente. Você precisa ser muito resiliente, precisa acreditar nas coisas e lutar por aquilo que você acredita. Você luta contra os concorrentes que não seguem as regras, e às vezes, com o próprio governo. E isso cria oportunidades para quem é criativo, para quem não aceita as coisas com elas vem para você”, afirmou Rubens Ometto em entrevista com Abilio Diniz.

Em 2012, com o objetivo de ampliar a atuação no setor de energia, a empresa adquiriu 60,1% da Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), maior companhia de gás natural encanado do país, da empresa britânica BG Group Pic por R$ 3,4 bilhões. 

  • Cinco anos depois, a Cosan comprou mais 16,77% da Comgás pertencentes à Shell e, em 2019, passou a deter 99,1% do capital da companhia. 

A Cosan manteve seu estilo ousado, ambicioso e agressivo de gestão ao longo dos anos e, em 2020, lançou a Compass Gás e Energia, focando em gás e energia através de 4 pilares de negócios complementares: infraestrutura, geração de energia, comercialização e distribuição. Além de incorporar os negócios da Comgás – que na época tinha uma participação de mercado de 50% –, a nova subsidiária “destacou que o foco é o crescimento, por meio da construção de terminal de regaseificação em São Paulo e o Rota 4”, segundo reportagem da Época Negócios. 

Para ajudar nessa expansão, a Compass utilizou a mesma estratégia que consolidou a Cosan como um colosso em seu segmento: aquisições, seja através de parcerias estratégicas ou leilões de energia.

  • Em 2022, concluiu a aquisição da Gaspetro (hoje Commit Gás), pertencente à Petrobras, por R$ 2,097 bilhões e venceu o leilão de privatização da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás), desembolsando mais de R$ 920 milhões. 
  • A subsidiária obteve um lucro líquido recorrente de R$ 400 milhões no primeiro trimestre de 2023, um crescimento de 19% em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Sob a supervisão de Rubens Ometto, agora Presidente do Conselho Administrativo do Grupo Cosan, a empresa foi protagonista de “uma das maiores operações do ano no mercado brasileiro”: a aquisição de 4,99% (com opções que podem elevar essa participação a 6,5%) na gigante de mineração Vale. De acordo com o CEO Luis Henrique Guimarães, “o investimento na Vale complementa a estratégia de portfólio da holding para atuar em todos os mercados em que o Brasil detém diferenciais competitivos”. 

Com a entrada na Vale, o Grupo Cosan também explorará uma nova tecnologia de gestão que poderá expandir ainda mais o seu portfólio, permitindo colaborar no desenvolvimento de uma empresa em um modelo de corporação, em que não há um proprietário e no qual a Cosan não seja dominante, mas sim uma parte integrante.

Em junho de 2023, a empresa divulgou o Visão 2030, um documento abordando aspectos-chave de ESG (governança ambiental, social e corporativa), como mudanças climáticas, diversidade e impacto social, fornecendo diretrizes abrangentes que irão guiar as decisões de investimento do grupo até o final da década. Abaixo algumas das metas:

  • Formalização de todos os critérios ESG na alocação de capital em todas as empresas do grupo até 2024.
  • Formalização de um plano de investimento social privado (2025).
  • Presença de ao menos 1 mulher e 1 representante de grupos minorizados em todos os conselhos até 2026.

O Grupo Cosan também está desenvolvendo uma Faculdade de Energia no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), no campus da Universidade de São Paulo (USP), para resolver que caminhos a energia deve seguir e trazer as melhores mentes para fazer esse intercâmbio de conhecimento.

Conclusão: através de inúmeros aquisições, grande foco em diversificação e profissionalização de gestão, o Grupo Cosan se consolidou no mercado sucroenergético, tornou-se um player em logística e energia e é hoje uma das maiores empresas do Brasil 

Sob o olhar visionário de Rubens Ometto, o Grupo Cosan realizou movimentos e aquisições audaciosas – especialmente nos últimos 15 anos – e foi aumentando e diversificando sua presença em diferentes setores. Ainda assim, a empresa manteve o espírito do empresário e preservou o DNA empreendedor característico da família Ometto.

Com a Rumo Logística, possui operações em 12 terminais de transbordo, tanto de forma direta quanto em parceria, com capacidade de armazenamento estático de cerca de 900 mil toneladas de grãos, açúcar e outras commodities. Além disso, tem participação em seis terminais portuários, sendo cinco localizados no Porto de Santos (SP) e um no Porto de Paranaguá (PR), com capacidade de armazenamento de aproximadamente 1,3 milhão de toneladas e capacidade de carregamento de cerca de 29 milhões de toneladas por ano.

Combinando suas outras empresas (Raízen, Compass Gás e Energia e Moove), são produzidos mais de 6 bilhões de litros de etanol, mais de 5 milhões de toneladas de açúcar e 3,5 milhões barris de lubrificantes por ano, além de cerca de 7.300 postos de combustíveis espalhados pelos países onde atua e 20.400 km de redes de gasodutos de distribuição no Brasil. 

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