Em maio de 2023, a gigante sucroalcooleira brasileira Raízen divulgou um lucro líquido ajustado de R$ 2,52 bilhões no quarto trimestre do ano-safra 2022/2023, valor quase 12 vezes maior em comparação ao lucro obtido no mesmo período de 2022.
Ao longo de seus 12 anos de existência, a Raízen se tornou responsável pela produção anual de aproximadamente 6,1 bilhões de litros de etanol de cana de açúcar, destinados tanto ao mercado nacional como internacional. Suas 35 unidades de produção também geram 4,8 milhões de toneladas de açúcar anualmente, possuindo uma capacidade instalada de 1,5 gigabytes na produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana-de-açúcar.
Em 2018, a empresa foi eleita uma das 10 mais inovadores do Brasil pela revista Forbes. Em 2021, a empresa recebeu o prêmio “Melhores do ESG” pela Exame no setor de Energia. No ano seguinte, ficou em 1º lugar no ranking geral de inovação do prêmio Empresas Mais, do jornal O Estado de São Paulo.
Neste estudo de caso, veremos como visão, tecnologia e eficiência operacional converteram a Raízen na líder mundial em biocombustíveis, com usinas espalhadas por todo o Brasil e mais de 46.000 colaboradores ativos.
Fundada em 2011, a partir de um empreendimento conjunto (joint venture) entre a multinacional anglo-holandesa Shell e o grupo brasileiro Cosan, a Raízen incorporou os ativos e a visão estratégica do mercado de biocombustíveis e energia renovável das empresas que lhe deram origem. De acordo com o CEO Ricardo Mussa, o nome da empresa faz referência à raiz da energia, a cana-de-açúcar, enquanto a cor de seu logo, o roxo, faz referência á cor da planta no momento em que ela está pronta para ser colhida.
Na época, a Cosan já ocupava um lugar de destaque como a principal produtora de biocombustíveis e açúcar do país. Em 2008, ela havia adquirido os ativos de distribuição de combustíveis da ExxonMobil do Brasil, através da Esso. Por outro lado, a Shell contava com uma extensa rede de infraestrutura e distribuição de combustíveis, sendo a marca líder em energia amplamente reconhecida nos mercados em que atuava e apresentando tecnologias proprietárias inovadoras na produção de biocombustíveis celulósicos. Com a formação da joint venture, a marca Esso foi devolvida à ExxonMobil.
“Em relação à cultura da empresa, a gente conseguiu juntar o melhor de três mundos”, disse Mussa ao podcast “Insights”, do Bradesco. “A cultura de eficiência operacional da ExxonMobil, o empreendedorismo (espírito de dono) da Cosan e uma cultura comercial muito forte (equipes de vendas, marketing e marca) da Shell. Eu digo que a Raízen conseguiu juntar o melhor desses três mundos”.
Em 2012, já capitalizada e com caixa robusto para iniciar os seus primeiros investimentos, a Raízen criou uma joint venture com a Mime Distribuidora de Petróleo, resultando na fundação da Raízen Mime em Santa Catarina. Com a parceria, a empresa passou a operar as cinco bases de abastecimento da Mime e os 270 postos de combustíveis da rede, agora sob a bandeira da Shell.
Em 2013, veio a inauguração do primeiro duto para transporte exclusivo de etanol, uma sociedade entre muitas empresas, incluindo a Raízen. O empreendimento de mais de 200 km de extensão, localizado entre as cidades paulistas de Ribeirão Preto e Paulínia, permitiu o transporte de mais de 4 bilhões de litros de etanol por ano, otimizando toda a sua rede logística.
Em 2014, o grupo iniciou a produção em larga escala do etanol de segunda geração (E2G) a partir do processamento do bagaço e da palha de cana-de-açúcar. Também conhecido como bioetanol, etanol verde ou etanol celulósico, esse biocombustível avançado é feito a partir dos resíduos do processo de fabricação do etanol comum. A Usina Costa Pinto, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, foi a primeira unidade da empresa a produzir o bioetanol, com capex de R$ 230 milhões – o capex são recursos destinados à aquisição de bens materiais como maquinário e imóveis, por exemplo.
Em forte ritmo de crescimento, o grupo começou a construir uma unidade de produção de biogás em 2019, além de aperfeiçoar a tecnologia da unidade de etanol de segunda geração.
Segundo o CEO Ricardo Mussa, o E2G e o biogás são tecnologias novas nas quais se consegue extrair muito mais da cana-de-açúcar sem a necessidade de plantar mais hectares. Com isso, é possível extrair muito mais da planta. “A planta é eficiente, nós que não conseguíamos capturar essa energia e colocá-la no mercado”, disse.
Segundo o executivo, 1/3 da energia proveniente da cana-de-açúcar vem de seu caldo, que pode ser convertido tanto em etanol como em açúcar. O segundo terço está no bagaço da planta; até o final de 2022, a Raízen utilizava menos de 50% desse bagaço para produzir energia elétrica. O último terço, presente na palha da cana, não é utilizado para nada e, segundo Mussa, “até prejudica a produção de cana” por conta de sua quantidade que permanece no campo.
O etanol de segunda geração e biogás são dois produtos que pegam estes dois resíduos (bagaço e folha) para produzir algo de valor. No caso do etanol, essa inovação traz um aumento de 50% em sua produção (primeira geração + segunda geração), sem a necessidade de plantar mais cana-de-açúcar.
Em 2020, a Raízen anunciou a abertura de um novo terminal de distribuição em São Luís, capital do Maranhão. A unidade vem tendo um papel crucial no fortalecimento da oferta de combustíveis para as regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Com um investimento de R$ 200 milhões, essa infraestrutura reduziu os custos logísticos e trouxe benefícios diretos para o abastecimento no Maranhão, Amazonas, Piauí, Pará, Tocantins e Mato Grosso. O novo terminal desempenha um papel estratégico na melhoria da distribuição de combustíveis, contribuindo para garantir um fornecimento eficiente contínuo.
Em outubro do mesmo ano, a Raízen inaugurou sua planta de biogás, situada na cidade de Guariba, interior de São Paulo. Esse empreendimento é considerado uma das maiores plantas de biogás do mundo, com capacidade instalada de 21 megabytes. Existem 3 usos para o biogás:
Segundo Mussa, o biogás é parecido com o etanol de segunda geração porque não existe a necessidade de plantar mais cana-de-açúcar para sua produção (feito a partir da vinhaça, resíduo originado da produção de etanol de primeira geração).
A companhia também vem construindo a segunda unidade de biogás em uma planta anexa ao Parque de Bioenergia Costa Pinto, com inauguração prevista para 2023. A planta em construção será a primeira dedicada à produção de biometano, uma alternativa sustentável ao gás natural e ao GLP. A planta industrial reforça a posição da empresa em construir matrizes energéticas mais limpas e que contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Para acelerar ainda mais o crescimento da empresa, a Raízen realizou a abertura de capital (IPO) na Bolsa de Valores do Brasil (B3) em 2021, movimentando R$ 6,9 bilhões. Os recursos obtidos foram direcionados para a expansão de produtos renováveis, com 80% desse destinados à construção de novas plantas e ao aumento da capacidade de comercialização. Alguns números da empresa durante a época do IPO:
“O que eu acho que o mercado não conhecia a fundo era o potencial de fazer energia e de produzir outros produtos, além dos tradicionais açúcar e etanol”, disse o CEO Ricardo Missa, sobre a abertura de capital da empresa em entrevista ao Exame IN. “Quando a gente foi para o IPO, nós fomos mostrar que desenvolvíamos muita tecnologia dentro de casa […] e mostrar a companhia integrada”.
Em junho de 2022, o E2G produzido pela Raízen chegou à Fórmula 1 através de uma parceria estratégica entre a Shell e a emblemática Scuderia Ferrari. Para a empresa, dona da “única usina de E2G em escala industrial do mundo”, a colaboração com a Ferrari pode ser o primeiro passo dentro desse esporte, uma vez que o objetivo maior é que todos os veículos sejam completamente abastecidos com combustíveis sustentáveis até 2030.
Quatro meses depois, a empresa anunciou um investimento de R$ 6 bilhões para a construção de 5 novas plantas de E2G.
Ainda em 2022, a Raízen anunciou um projeto com a Universidade de São Paulo (USP) junto à Shell. O objetivo é promover a tecnologia que transforma etanol em hidrogênio – que posteriormente se torna um combustível para a eletrificação – através de um “reformador”. O hidrogênio produzido será utilizado para abastecer o ônibus da universidade, ou seja, um ônibus elétrico movido a hidrogênio.
“Com 7 litros de etanol você faz cerca de 1 kg de hidrogênio. Com 5 kg de hidrogênio, você consegue rodar 1.200 km”, disse Mussa.
O executivo ainda menciona um fator que ajudará não só a Raízen, como o Brasil: o incentivo do governo indiano na adoção do etanol (produzido domesticamente) como biocombustível nos últimos anos.
Para Mussa, ter mais um país produtor de etanol é bom porque muitos países têm medo de adotar o etanol, pois até então o Brasil era a única fonte, o que poderia criar uma dependência. Ao mesmo tempo, ao produzir mais etanol, a Índia produziria menos açúcar excedente, o que deixaria de impactar os preços do produto no mundo.
Em 2019, a Raízen celebrou a inauguração de sua primeira planta de energia solar em Piracicaba, interior de São Paulo. Com uma capacidade instalada de 1.3 megawatt pico (MWp), esse empreendimento fortaleceu o portfólio de energia renovável da empresa, representando um marco importante na história do grupo rumo à diversificação de sua matriz energética.
Segundo comunicado da empresa, “o negócio consistirá na locação dos painéis solares para alguns postos de combustíveis da bandeira Shell, visando à economia de energia elétrica regional e a uma utilização mais sustentável dos recursos energéticos”. Na época, estimou-se que esses parceiros poderiam ter uma economia mensal entre R$ 5.000 e R$ 10.000 com energia elétrica.
Em 2018, a Raízen finalizou a compra de ativos da Shell na Argentina em uma transação de R$ 916 milhões. Esse foi o pontapé da empresa em seu objetivo de marcar presença no mercado argentino. Na época da aquisição, a Shell contava com 665 postos de gasolina no país, com vendas de aproximadamente 6 bilhões de litros por ano.
Um dos primeiros movimentos pós-IPO foi a aquisição de 50% da paraguaia Barcos y Rodados. O valor da compra foi de US$ 121,9 milhões, regulando o direito de uso da marca Shell e marcando a entrada da Raízen no Paraguai, com 340 postos de revenda. Esse movimento também complementa a plataforma de operações da companhia na América do Sul.
No mesmo ano, a empresa adquiriu da Biosev, pertencente ao grupo Louis Dreyfus, em um negócio avaliado em R$ 3,6 bilhões. A aquisição representou um passo significativo para ampliar o domínio global da companhia no setor de açúcar e etanol, com a Raízen incorporando mais de 10.000 colaboradores e 9 usinas da Biosev (5 no estado de São Paulo, 3 em Mato Grosso do Sul e 1 em Minas Gerais).
Em 2022, a Raízen concluiu a aquisição do negócio de lubrificantes da Shell no Brasil. A transação permitiu que a empresa ampliasse sua oferta de produtos para mais de 150.000 clientes industriais e comerciais, além de atender a uma base de 50 milhões de consumidores por meio de sua rede de postos. Atualmente, a empresa possui uma extensa rede de revendedores, contando com mais de 7.300 postos da marca Shell nos países em que opera.
Por meio da parceria com o Grupo Nós, uma joint venture com a engarrafadora Femsa, a empresa também atua no setor varejista com mais de 1.300 lojas de conveniência Shell Select, localizadas nos postos de combustíveis espalhados pelo país, e com mais de 300 unidades da marca mexicana Oxxo, todas localizadas no estado de São Paulo.
A participação da Raízen no varejo faz parte de uma estratégia de proximidade, de ficar perto de seus consumidores. A parceria com a Femsa veio por conta da ampla experiência da engarrafadora no segmento, que possui mais de 19.000 unidades Oxxo no México.
O crescimento das lojas de conveniência deu à Raízen mais escala para negociar seus produtos junto aos fornecedores, uma logística mais otimizada e a possibilidade de oferecer produtos a preços mais baixos. Ainda assim, cada unidade tem que ser adaptada a sua região e/ou localização (rua, centro comercial, por exemplo).
“A Oxxo tem um tipo de loja 1, loja 2, loja 3 e loja 4. São modelos de lojas específicas para uma região”, comentou Mussa no podcast “Insight”. “Esse é o segredo: conseguir fazer um produto de proximidade que se adapta àquela região. Eu aposto muito no crescimento da Oxxo. É um dos vetores de crescimento da companhia, sem dúvida nenhuma”, afirmou.
A empresa oferece soluções no mercado livre de energias, permitindo que os consumidores escolham seus fornecedores e negociem as condições contratuais (preço, garantia, pagamento e prazo). Em conjunto com a WX Energy, a Raízen já comercializou em torno de 26,9 milhões de megawatts por hora (MWh) de energia ao longo dos anos.
Em maio de 2023, a empresa lançou a Raízen Power, sua marca focada totalmente em energia elétrica e soluções de descarbonização. Para o CEO Ricardo Mussa, “a companhia enxerga a geração de energia mais como um ‘meio’ para conquistar novos clientes para a Raízen”. Segundo o executivo, a empresa não deve investir grandes volumes de capital em eletricidade, mas poderá “reciclar” ativos desse negócio no futuro.
Ainda no primeiro semestre, em parceria com o Grupo Tera, a empresa investiu na Reverde, startup especializada na gestão comercial de Usinas de Geração Distribuída de Energia na modalidade de Geração Compartilhada. Parte do aporte recebido pela Reverde será destinada ao desenvolvimento de tecnologias que melhorem a experiência dos clientes na hora da transição energética, enquanto a outra parte será destinada a levar energia limpa para mais pessoas.
Dentro de seu compromisso socioambiental, todas as usinas da Raízen são autossuficientes em energia elétrica a partir da biomassa, contando com uma capacidade total instalada de 1 gigabyte.
A Raízen conseguiu dar um grande salto devido às decisões estratégicas de diversificação horizontal e vertical. Essas medidas promoveram um processo complexo de exploração de novos nichos de mercado e produtos.
Hoje, a Raízen é uma empresa integrada de energia, desde o campo até o posto de combustíveis. Ela se tornou uma das maiores empresas agrícolas do mundo, com 1,3 milhão de hectares de áreas sob gestão e acima de 8.000 postos de gasolina com a bandeira Shell entre Brasil, Argentina e Paraguai.
No segmento de combustíveis, a empresa comercializa cerca de 25 bilhões de litros, abastecendo os setores de transporte e indústria, através de mais de 70 terminais de distribuição.
Em 2022, a companhia encerrou o ano com uma receita líquida de R$ 246 bilhões e um EBITDA ajustado de R$ 15,3 bilhões, sendo a quarta maior empresa em faturamento no Brasil.