Jobs to be done: o que é e como funciona a metodologia?

Jobs to be done: o que é e como funciona a metodologia?

Por:
Amanda Gushiken
Publicado em:
8/8/2023
Atualizado em:
10/8/2023

Quando um empreendedor procura uma nova ideia de negócio, é comum que ele tente pensar em um produto que esteja faltando no mercado, ao invés da “tarefa” que o produto vai auxiliar a executar. A premissa básica da teoria Jobs To Be Done (“tarefas a serem feitas”, em tradução livre) é a de que as empresas que sobrevivem por um bom tempo no mercado e são bem-sucedidas focam nas tarefas que os produtos executam — e não em ideias necessariamente inovadoras. 

Um exemplo clássico da metodologia Jobs To Be Done (JTBD) é a “tarefa” de ouvir música: apesar de muitos produtos dessa indústria terem se tornado obsoletos com o tempo, essa tarefa provavelmente sempre vai existir. 

Se dos anos 1940 e 1970 as pessoas ouviam música em discos de vinil reproduzidos por vitrolas, nos anos 1980 foram os CDs e discmans. Hoje, em tempos de streaming, tanto os discos quanto os CDs perderam mercado e se transformaram em itens de colecionadores. Os produtos deixaram de ser relevantes, mas ouvir música ainda é uma tarefa altamente demandada. 

O conceito de JTBD foi popularizado pelo professor de Administração da Harvard, Clayton Christensen, no livro “The Innovator’s Dilemma” (sem tradução para o português), publicado originalmente em 1997. Christensen defendeu que as pessoas “contratam” produtos e serviços para realizar uma tarefa em suas vidas. Ele usou como exemplos de jobs nutrir o corpo (contrate vitaminas, suplementos e alimentos saudáveis), deixar as roupas limpas (contrate um sabão em pó para roupas) e encontrar documentos com facilidade (contrate um aplicativo digital para fazer anotações e armazenar arquivos).

Como funciona a Teoria Jobs To Be Done?

Jobs to be done é um framework que visa compreender a função do cliente na relação com um produto ou serviço. A tarefa, e não o produto, é a unidade de análise dentro da Teoria Jobs to be done

A metodologia se sustenta na afirmação de que ao olhar através de uma lente JTBD, clientes, mercados, necessidades, segmentos e oportunidades parecem diferentes. Assim, a teoria se sustenta em três pilares:

  1. As pessoas compram produtos e serviços para ajudá-las a realizar uma tarefa.
  2. Uma tarefa é estável ao longo do tempo, tornando-se uma constante na equação.
  3. Uma tarefa pode ser qualquer coisa que um grupo de pessoas esteja tentando realizar ou executar.

Por meio desses pilares, é possível chegar à equação Jobs to be done:

  • Mercado = "executor da tarefa" + "tarefa a ser feita"

Por exemplo, dentro do mercado de trabalho, existem profissionais procurados para criar ativos digitais. Assim como, em geral, os pais tendem a ensinar lições de vida para os filhos. Esses exemplos dentro da fórmula jobs to be done ficariam da seguinte forma:

  • Mercado = profissionais de negócios + criar um ativo digital
  • Mercado = pais + passar lições de vida para os filhos

Quais são os benefícios de aplicar a metodologia Jobs To Be Done?

As principais vantagens de incorporar a metodologia JTBD a um negócio são:

  • Colaboração multifuncional: ao incorporar a metodologia jobs to be done, há uma ruptura na estrutura tradicional de uma companhia e um aumento da colaboração entre equipes. Isso ocorre porque todos os times dentro da empresa são orientados a entender e atender as funções do cliente dentro do consumo do produto ou serviço. Toda a organização foca nas tarefas executadas pelo cliente e em como melhorá-las, desde o Marketing, Design, Tecnologia, Suporte ao cliente, etc. 
  • Produtos inovadores: ao aplicar a lógica das tarefas realizadas pelas pessoas, a metodologia permite que novos produtos e serviços surjam no mercado, como foi o caso do iPod, da Apple. O surgimento dessa tecnologia tornou obsoleto o discman. 
  • Aperfeiçoamento do produto: com o constante questionamento acerca das tarefas executadas pelas pessoas, novas funcionalidades podem surgir. Por exemplo: a função de download offline do Spotify facilita a tarefa dos usuários de ouvir músicas, mesmo quando estão sem acesso à internet.

Em entrevista à Harvard Business School, Clayton Christensen ressaltou que “a maioria das empresas perdeu o escopo do trabalho a ser feito”. “Elas são organizadas por categorias de clientes, concorrentes ou produtos para que ninguém seja responsável pelas experiências. Ninguém é responsável pelos processos que levam às experiências. Então, muito rapidamente, você perde esse foco”, afirmou.

O aprendizado contínuo e a maior integração dentro de uma empresa são consequências de adotar o modelo JTBD. Quando aplicados, jobs to be done podem ser um componente da Jornada do Cliente, o documento que mapeia o passo a passo da experiência do consumidor com a marca. 

Leia mais: Gestão Estratégica: conheça este método de gestão empresarial

Como aplicar a metodologia Jobs To Be Done?

  1. Defina o mercado do job to be done: utilizando a fórmula da metodologia JTBD, é possível identificar uma tarefa a ser executada. 
  2. Pesquise e converse com clientes: após definir a tarefa que o seu produto ou serviço vai auxiliar a realizar, entreviste os potenciais clientes para confirmar se realmente existe uma demanda para o produto ou serviço. Ou seja, se o produto ajudaria as pessoas com a tarefa que precisam realizar.
  3. Descubra quais são os resultados esperados pelos consumidores: vale também ampliar a pesquisa com os clientes e entender quais são as expectativas que os consumidores têm em sua experiência de compra, o que esperam da empresa.
  4. Estude a concorrência: entender se já existem concorrentes oferecendo uma solução para a tarefa pode auxiliar a desenvolver ferramentas adicionais ao produto ou serviço. Assim, as lacunas que ainda não são preenchidas pela concorrência podem se tornar vantagens competitivas para o seu negócio. 
  5. Compreenda se as tarefas estão sendo atendidas: mais importante do que criar uma ferramenta adicional ou mesmo um produto que atenda a uma necessidade é garantir que de fato a demanda seja suprida. O produto cumpre o que promete? Facilita a vida do consumidor e o auxilia a realizar suas tarefas? Essas são perguntas importantes nessa etapa da aplicação da metodologia.
  6. Monitore e analise os dados: escolha indicadores-chave de desempenho (KPIs) e mantenha uma rotina de análise dos resultados. Isso poderá auxiliar a identificar novas oportunidades de tarefas a serem executadas e também melhorias no produto ou serviço.
  7. Combine personas e jobs to be done: é possível combinar a metodologia JTBD com outras estratégias de marketing. A definição das personas de um negócio pode facilitar a busca por tarefas a serem executadas.
Representação ilustrada de Jobs To Be Done
Crédito: G4 Educação

Como aplicar o frameworkJobs To Be Done?

Existem plataformas online que fornecem o framework digital Jobs To Be Done

  • The JTBD Market Definition Canvas
  • The JTBD Job Mapping Canvas
  • The JTBD Customer Needs Framework
  • The JTBD Growth Strategy Matrix

Para além das plataformas, é possível aplicar a metodologia sem um software. Basta seguir o passo a passo do Mapa Jobs to be done:

  1. Defina: determine os objetivos e o plano de ação.
  2. Localize: reúna as informações necessárias para fazer o trabalho.
  3. Prepare: configure e organize as informações.
  4. Confirme: confira se tudo está no lugar certo para completar a tarefa.
  5. Execute: complete a tarefa corretamente.
  6. Monitore: tenha certeza de que tudo está correndo bem durante a execução.
  7. Modifique: se um problema for encontrado durante o monitoramento, faça o ajuste e resolva o que não funciona.
  8. Conclua: limpe e descarte o que for necessário.

A estrutura do mapa foi desenvolvida pelo empreendedor norte-americano Anthony W. Ulwick, que na década de 1990 conheceu Clayton Christensen e o ajudou a compreender a metodologia jobs to be done. O professor da Universidade de Harvard foi o responsável pela popularização da teoria, após a publicação do seu livro. 

Representação ilustrada da estrutura do mapa de como funciona o framework JTBD

Quais são os tipos de tarefas que os clientes executam?

As tarefas executadas pelos consumidores podem ser classificadas em três categorias:

  • Tarefa funcional principal: é o ponto focal em torno do qual um mercado é definido. É o processo que o cliente está tentando realizar. O objetivo de qualquer produto é ajudar a realizar um trabalho funcional básico melhor e de forma mais barata do que as soluções concorrentes.
  • Tarefa emocional: é aquela que descreve a maneira como o executor do trabalho deseja ser percebido ou se sentir ao executar a tarefa funcional principal. Por exemplo: ao ir em um restaurante, o cliente tem uma experiência muito diferente quando comparada à experiência em um fast food. A ansiedade gerada pelas filas e pela quantidade de pessoas pode alterar o humor do consumidor na tarefa de esperar pela refeição.
  • Tarefa de consumo: é o que um cliente precisa fazer para utilizar o produto ou serviço. É a tarefa anterior, relacionada à tarefa funcional principal. Por exemplo: na compra de um ventilador, muitas vezes os clientes fazem a montagem do equipamento. Nesse caso, a montagem seria a tarefa de consumo, enquanto desfrutar da brisa gerada pelo aparelho seria a tarefa funcional principal. Em suma, produtos que incluem verbos como aprender, instalar, manter, reparar, descartar, desempacotar, dentre outros, tendem a contar com tarefas de consumo.

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Logo do PayPal na entrada da sede da empresa
Logo do PayPal na entrada da sede da empresa (Crédito: Divulgação)

Casos de sucesso: exemplos de empresas que usaram a metodologia JTBD

Bosch

A empresa de engenharia alemã Bosch entrou com sucesso no mercado competitivo de serras circulares depois de descobrir um segmento único de clientes (carpinteiros de acabamento), com necessidades não atendidas. Ao solucionar essas necessidades, as inovações da Bosch resultaram em um lançamento de produto altamente bem-sucedido, além de melhorias significativas na satisfação do cliente.

Paypal

Durante a pandemia, devido às preocupações com a transmissão de Covid-19, muitas pessoas optaram por métodos de pagamento digitais. O PayPal, que é uma empresa especializada em meios de pagamento, observou uma oportunidade além: a ferramenta de checkout One Touch. Assim, com um único clique, os consumidores podiam agilizar o processo de compras online, sem precisar inserir os dados de pagamento a cada vez que realizavam uma nova compra online.

Microsoft

A multinacional de tecnologia Microsoft estava sob pressão para agregar valor adicional à sua oferta de Software Assurance. Faltavam ideias inovadoras para dar aos clientes mais motivos para comprar. Com uma compreensão mais completa das tarefas que seus clientes estavam tentando realizar, a empresa conseguiu desenvolver uma oferta mais atraente. Além de incorporar novas funções ao produto, houve uma revisão na abordagem do marketing. A Microsoft, que antes anunciava o Software Assurance como uma atualização, passou a tratar o produto como um serviço de gerenciamento do ciclo de vida do PC. Com esse movimento, as receitas dobraram, na comparação ano a ano.

Nike

Durante a década de 1960, o técnico de atletismo e cofundador da Nike, Bill Bowerman, pensou em um projeto de tênis que permitisse aos corredores correr mais rápido e com menos risco de lesões. Essa ideia resultou no Cortez, que se tornou um item básico no portfólio da Nike. Desde o sucesso do Cortez, a empresa continuou a desenvolver produtos que ajudam atletas de todos os níveis a correr com maior eficiência e suporte, e se tornou a maior marca de calçados esportivos do mundo.

De acordo com a teoria Jobs To Be Done, as empresas devem se concentrar mais em auxiliar o mercado com essas tarefas, antes de focar 100% de seus esforços no produto. Por meio da realização de pesquisas com consumidores, é possível identificar as lacunas que os produtos não suprem: as pequenas tarefas, atreladas ao consumo, que ficam sob a responsabilidade do cliente. Para as empresas, fica a dica: um produto só se torna popular se tiver uma finalidade bem desenhada e que proporcione algum ganho para o consumidor, seja de tempo, de conforto ou pela pura necessidade de executar uma ação.

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