O desenvolvimento de produtos é um processo que geralmente advém de uma ideia, passa para a definição do produto, protótipo, design, validação e comercialização. Porém, existe outra estrutura lógica muito inteligente e já validada por uma das maiores empresas do mundo, o método Working Backwards, da Amazon.
Nos últimos 27 anos, o gigante do e-commerce se transformou para poder construir o seu ecossistema de growth. O que começou apenas como uma livraria online se tornou um dos maiores varejistas e umas das maiores organizações do planeta, sendo referência em diversos âmbitos como, por exemplo, customer experience, efeitos de rede, inovação e tecnologia.
Além de suas múltiplas aquisições muito acertadas ao longo dos anos –vide, Zappos e Whole Foods–, a Amazon também lançou produtos e serviços mundialmente reconhecidos: Amazon Web Services (AWS), serviço de armazenamento líder em market share a nível global, a Amazon Film Studios e o Kindle, um dos e-readers mais vendidos globalmente.
Contudo, assim como Fire Phone, nem todas as ideias de Bezos e companhia saíram do papel e se tornaram produtos de sucesso.
E, por mais que o fundador da Amazon diga que “se você for inventar algo, isso significa que você irá testar, logo, você irá fracassar. Dito isso, se você for fracassar, você terá de pensar no longo prazo”, como decidir em quais ideias concentrar seus recursos consideráveis e quais eles querem deixar para trás?
É aqui que entra a hoje reconhecida abordagem working backwards, algo extremamente centrada no consumidor final, que, por sua vez, indicará quais desses novos produtos satisfará suas necessidades, evitando assim o altos riscos e custos de lançar um produto que poucos desejam.
O método Working Backwards é uma abordagem estratégica usada pela Amazon que envolve começar com o resultado desejado ou a experiência do cliente e, em seguida, trabalhar de trás para frente para determinar quais etapas e processos são necessários para alcançar esse resultado. Esse método é responsável por grande parte do sucesso da Amazon no desenvolvimento de produtos e serviços inovadores.
“Trata-se de trabalhar de trás para frente a partir do cliente, em vez de começar com uma ideia para um produto e tentar prender os clientes a ele. Embora essa abordagem possa ser aplicada a qualquer decisão específica de produto, usá-la é especialmente importante no desenvolvimento de novos produtos ou recursos.”
Em outras palavras, o método parte da essência de customer centricity, colocando o cliente em primeiro lugar e levando em consideração a sua opinião perante a certa ideia. E, por mais que essa abordagem pareça, de certa forma, óbvia, nem todas as empresa a adotam.
Ao invés de primeiro considerar a experiência do consumidor, as equipes de produto se inspiram em algo próximo que acreditam que seja importante para empresa.
Eles podem começar avaliando as capacidades de suas equipes de pesquisa e desenvolvimento ou se limitando ao considerar as preferências de seus negócios em relação a custos e margens de lucro.
Logo, uma vez desenvolvido esse novo produto que atenda às necessidades da empresa, o mesmo é repassado ao departamento de vendas e marketing, que por sua vez pensam em como convencer os clientes a comprar o produto.
No entanto, essa abordagem de trabalho muitas vezes deixa as empresas com produtos que somente eles desejam, mas não seus clientes.
No caso do método working backwards, se a equipe de produtos tiver uma ideia, o primeiro passo é escrever um documento de uma página no formato de press release (ou, comunicado de imprensa), porém interno, anunciando o novo produto já finalizado.
Dentro do “comunicado” se imagina que produto já foi desenvolvido – ou ao menos seu mínimo produto viável (MVP) – e se descreve, de forma bem destacada, quais serão os benefícios do produto para os clientes da Amazon ou da empresa em questão.
E, ao invés de enviar esse press release para a imprensa, ele será usado como uma proposta de produto onde vários stakeholders internos terão a oportunidade de leer-lo para decidir se levam a ideia adiante. Os comunicados são centrados no problema do cliente, em como as soluções atuais (internas ou externas) falham e como o novo produto eliminará as soluções existentes.
Caso os benefícios listados não sejam tão interessantes ou possivelmente não resolvam dores já existentes dos clientes de sua empresa, os responsáveis pelo “novo produto” devem seguir iterando até encontram os mais adequados.
Ian McAllister, Product Lead na Square e ex-Senior Product Manager da Amazon, exemplificou o que deve ser incluído no press release:
Além da press release, a equipe de produtos também escreve um documento de perguntas frequentes (mais conhecido como FAQ), respondendo a dúvidas que os clientes ou a equipe interna possam ter. Ao tentar responder a questões essenciais, o FAQ aborda se o produto é viável, ou mesmo desejável, para a própria empresa.
Ao trabalhar de trás para frente a partir dessa abordagem, a Amazon garante que desenvolverá apenas produtos viáveis e que tornam a vida de seus clientes mais rápida, fácil ou menos cara.
Leia também: “Exemplos de experiência do cliente: campeões de CX e suas estratégias”
É muito comum que fiquemos apegados a certas ideias, por mais que muitas vezes nos é demonstrado que elas não irão funcionar. Além disso, quanto mais tempo e mais esforço for investido nas mesmas, maior será a dificuldade de deixá-las de lado e focar em um novo projeto.
Neste caso, o método working backwards te oferece a oportunidade de trabalhar nessas ideias e testá-las de uma forma mais ágil e imediata. Além disso, listamos os principais benefícios de utilizar essa abordagem:
Em suma, além ser um excelente beneficio para a gestão da experiência do cliente, a utilização dessa abordagem também aumenta o foco das equipes responsáveis pelo desenvolvimento de produtos. sejam eles completamente novos ou atualizações, fomentando os constantes ajustes em seus benefícios e, consequentemente, otimizando tempo e recursos em projetos sem o perfil e que não resolvem os problemas do público-alvo.
“Qual a vantagem do cliente de ter outro, uma “imitação” de um serviço/produto já existente? O que podemos construir que realmente gere um valor real para os clientes, algo novo que devemos inventar pensando neles?”
Em 2005, a Apple lançou seu renomado iTunes, o aplicativo inovador que permitiria aos clientes comprar e armazenar música digitalmente.
Alguns meses depois, líderes de todas as indústria perguntaram a Bezos quando a Amazon lançaria seu próprio produto de música digital para poder competir com a Apple; de fato, alguns desses executivos até o incitaram a fazer. No entanto, por mais que Bezos estivesse pensando em algo inovador e revolucionário, essa solução não seria para indústria música, mas sim focada em livros.
Além disso, criar um produto digital de forma apressada para competir com o iTunes iria contra os princípios da Amazon, pois estaria priorizando a competição e não seus consumidores.
E, como antes indicado, Bezos e sua equipe passaram os 6 meses posteriores ao lançamento do iTunes pensando sobre o que seus clientes poderiam querer como novo produto digital. A eventual resposta: uma experiência de leitura eletrônica rápida e conveniente, pois naquele época os e-Books só podiam ser lidos em um PC, o que tornava a experiência um pouco menos prazerosa.
A visão de Bezos era tirar os e-Books dos computadores e colocá-los em um dispositivo digital específico, por meio do qual o cliente pudesse navegar, comprar e começar a ler qualquer livro em questão de momentos. Este dispositivo: o Kindle.
Ainda assim, embora Bezos estivesse convencido de que esse era o momento certo de que empresa desenvolvesse seu primeiro hardware, muitos em sua equipe de liderança discordavam veementemente.
Contudo, uma vez mais, colocar as necessidades dos clientes em primeiro lugar significava que criar o Kindle internamente era a melhor opção para a Amazon, porque terceirizar a sua criação e o seu desenvolvimento não permitiria que a empresa realizasse os constantes ajustes e melhorias necessárias com tanta flexibilidade.
Então, a Amazon fez o que faz de melhor: working backwards. Identificou o que seus clientes queriam e contratou pessoas com as habilidades necessárias para tornar o Kindle uma realidade. Hoje, milhões de unidades em suas múltiplas versões foram vendidos e a Amazon mudou a forma como os livros são consumidos.
No caso da AWS, ainda não existia cloud computing (em português, computação em nuvem) na época que em que a ideia surgiu. Segundo Colin Bryar, eles estavam trabalhando em certos problemas com o Kindle e logo entraram uma reunião com Andy Jassy, ex-CEO da AWS e atual CEO da Amazon, onde estariam revisando certos documentos sobre o que eventualmente se tornaria o cloud computing.
E, após dedicar e focar os primeiros dois anos em questões sobre armazenamento e computação, o press release os ajudou a cristalizar o que todos estavam pensando: o desejo de que as pessoas em um dormitório universitário tivessem o mesmo acesso que um desenvolvedor da Amazon tem à infraestrutura de classe mundial.
Essa foi uma metáfora essencial para que os mesmos se perguntassem: o que vamos criar? Qual é a infraestrutura que realmente necessitamos?
De acordo com Bryar e Bill Carr, autores do livro Working Backwards, a partir do customer experience, se observou como certas equipes dentro da Amazon passaram a chamar a atenção de Bezos e do time de infraestrutura, alegando que, após a construção de certo serviço, demorava-se muito para implementá-lo e deixá-lo pronto para ser utilizado pelos clientes.
A partir disso, o que começou como provisionamento pouco a pouco se transformou, através do processo de working backwards, para computação. Logo, evoluiu para armazenamento, restringiu-se a um serviço de armazenamento simples, e passou a ser construído a partir disso.
Como curiosidade, após a aprovação do projeto, foram ao menos 18 meses sem escrever uma única linha de código, 18-24 meses de planejamento, pois para Bezos o produto ainda não estava pronto e necessitava de ajustes. O resultado da espera pelo produto adequado: a AWS chegou a US$ 10 bilhões em receita a partir do zero mais rápido do que o negócio de varejo, ultrapassando a marca em 2016.
Veja a seguir uma explicação passo a passo de como ele funciona e como pode ser implementado em uma empresa:
Comece entendendo profundamente as necessidades, os desejos e os pontos problemáticos do cliente. Isso envolve a coleta de dados abrangentes por meio de pesquisa de mercado, feedback do cliente e análise do comportamento do cliente.
Articule claramente o resultado final desejado ou a experiência do cliente. Essa deve ser uma meta específica e mensurável que se alinhe às necessidades e preferências do cliente. Pode ser um novo recurso de produto, uma melhoria de serviço ou uma oferta de produto totalmente nova.
Uma vez definido o resultado desejado, retroceda para identificar as etapas necessárias para alcançá-lo. Divida o processo em etapas gerenciáveis, começando pela meta final e voltando até o presente.
Desenvolva uma narrativa ou um documento que descreva a experiência do cliente ou a visão do produto do início ao fim. Essa narrativa deve descrever como o cliente interagirá com o produto ou serviço em cada estágio e os benefícios que ele receberá.
Iterar continuamente a narrativa e o plano com base em feedback, dados e percepções. Esteja disposto a fazer ajustes e revisões à medida que novas informações estiverem disponíveis ou que as condições do mercado mudarem.
Certifique-se de que todas as partes interessadas, inclusive as equipes de produtos, desenvolvedores, profissionais de marketing e executivos, estejam alinhadas à visão e às metas descritas na narrativa. Incentive a colaboração e a comunicação para garantir que todos estejam trabalhando para atingir os mesmos objetivos.
Execute o plano com disciplina e rigor, seguindo as etapas descritas na narrativa. Monitore o progresso de perto e faça as correções de curso necessárias para manter-se no caminho certo para alcançar o resultado desejado.
Estabeleça métricas e KPIs (indicadores-chave de desempenho) para medir o sucesso da iniciativa. Acompanhe o progresso em relação a essas métricas e use os dados para informar futuras decisões e melhorias.
Aprenda continuamente com os sucessos e fracassos e use esse conhecimento para embasar futuros projetos e iniciativas. Adote uma cultura de experimentação e inovação, em que novas ideias sejam incentivadas e testadas regularmente.
Saber como evitar a insatisfação do cliente é fundamental para entender a cultura de desenvolvimento de produtos na Amazon. Começa-se pelo problema do cliente e trabalha-se, backwards (de trás para frente), para identificar a tecnologia que ajudará a resolvê-lo. Como resultado, as equipes de desenvolvimento de produtos da Amazon criam o futuro que seus clientes precisam.
E é por essa razão que a Amazon é considerada umas das empresas mais customer centric da atualidade, pois sempre estará pensando nas necessidades futuras do seu consumidor e, consequentemente, criando produtos que supram esses desejos e solucione esses problemas.
Além disso, isso instiga e fortalece a criatividade e a objetividade dos envolvidos, uma vez que os mesmos devem (1) realizar ajustes de forma constante na descrições e soluções propostas por esse novo produto e (2) apresentá-las de forma direta e objetiva dentro dos press releases internos.
Se você fizer do cliente o centro e o início de cada iniciativa de produto, independente do tamanho, você o conectará a uma parte central da cultura de sua empresa.
Sua abordagem aos seus clientes é um reflexo da missão e dos valores de sua empresa. Não se trata apenas de product-market fit, mas de posicionamento, marketing e vendas. Um ethos centrado no cliente manterá toda a sua empresa focada na construção do melhor produto possível.