O contrato de sociedade é uma forma de colocar em prática o conceito de “vestir a camisa da empresa”, capaz de fazer com que os colaboradores se tornem sócios e sejam remunerados de maneira meritocrática conforme sua contribuição.
É claro que não podemos atribuir todas essas cifras bilionárias apenas ao fato de que as três empresas adotam o modelo partnership, mas é inegável que isso tem um peso bem grande na conquista de resultados tão significativos – e, ainda por cima, tão perenes.
Entenda qual é a definição de partnership e como este conceito é realmente interessante, capaz de mudar a forma com a qual sua equipe olha para a empresa e vice-versa, além de fortalecer cada vez mais a cultura da organização.
Partnership é um modelo de gestão que permite que os colaboradores da equipe se tornem sócios da empresa, o que muda significativamente a maneira com a qual essa relação é encarada por ambas as partes.
A tradução literal do termo corresponde a “parceria”, que de fato se aplica, mas seu contexto está mais associado com o conceito de “sociedade”, dada a participação societária dos colaboradores.
Quando uma empresa oferece a um funcionário a possibilidade de parceria, isso normalmente envolve a concessão ao funcionário da oportunidade de se tornar "proprietário parcial" da empresa. Esse acordo pode assumir várias formas, como a oferta de ações, unidades de parceria ou participações acionárias na empresa.
Oferecer aos funcionários a oportunidade de parceria pode ser uma decisão estratégica que aumenta o envolvimento dos funcionários, promove uma cultura de propriedade e impulsiona o desempenho organizacional. Entretanto, é essencial que as empresas se comuniquem claramente sobre as implicações, os riscos e as expectativas associadas à parceria entre funcionários para garantir o entendimento mútuo e o alinhamento de interesses.
Ao se tornar um sócio, o funcionário ganha uma participação acionária direta na empresa. Essa participação acionária pode lhe dar direito a uma parte dos lucros da empresa, direitos de voto nas decisões corporativas e possível valorização do valor de sua participação acionária ao longo do tempo.
A oferta de parceria aos funcionários alinha seus interesses com os da empresa. Como proprietários, os funcionários são incentivados a contribuir para o sucesso da empresa, impulsionar o desempenho e priorizar a sustentabilidade de longo prazo.
A parceria com os funcionários promove um senso de propriedade e responsabilidade entre os membros da equipe. Quando os funcionários têm participação no negócio, é mais provável que se apropriem de seu trabalho, demonstrem iniciativa e contribuam ativamente para atingir as metas organizacionais.
As oportunidades de parceria podem servir como poderosas ferramentas de retenção e motivação. É mais provável que os funcionários permaneçam leais a uma empresa que lhes oferece um caminho para a propriedade e uma participação em seu sucesso. A perspectiva de recompensas futuras vinculadas ao desempenho da empresa pode motivar os funcionários a darem o melhor de si e a investirem em seu desenvolvimento profissional.
Embora a parceria ofereça o potencial de recompensas financeiras significativas, ela também envolve certos riscos. Os funcionários podem se expor financeiramente se a empresa passar por recessões ou contratempos. É essencial que os funcionários entendam os riscos envolvidos e tomem decisões informadas sobre sua participação no programa de parceria.
A parceria entre funcionários pode influenciar a cultura organizacional ao promover a colaboração, o trabalho em equipe e um senso de propósito compartilhado. As parcerias geralmente promovem um processo de tomada de decisão mais inclusivo, em que os funcionários se sentem capacitados a contribuir com ideias e perspectivas que impulsionam a inovação e o crescimento.
Como parceiros, os funcionários podem ter voz ativa em questões importantes de governança, como estratégia corporativa, grandes investimentos e nomeações de liderança. Em alguns casos, os funcionários parceiros podem participar de reuniões do conselho ou de comitês em que são tomadas decisões estratégicas.
Dependendo da estrutura da parceria e das regulamentações fiscais locais, pode haver implicações fiscais tanto para a empresa quanto para os funcionários-sócios. É importante que os funcionários consultem consultores financeiros ou profissionais da área tributária para entender as consequências fiscais da participação no programa de parceria.
Quando pensamos em qualquer empresa, é inegável considerar que as pessoas estão entre os seus principais ativos. Afinal, são elas que fazem o negócio girar, e sem a sua participação, a possibilidade de sucesso seria extremamente irrisória – para não dizer nula.
Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, já fala sobre isso há um bom tempo, como vemos no livro “Management Challenges for the 21st Century”, de 1999. Em tradução livre, ele diz o seguinte:
“Os ativos mais valiosos para uma empresa do século XX eram seus equipamentos de produção. Os ativos mais valiosos de uma instituição do século XXI, seja ou não uma empresa, serão seus trabalhadores de conhecimento e sua produtividade.”
Peter Drucker acreditava que a gestão eficaz envolve a alavancagem de relacionamentos e a colaboração para impulsionar o sucesso. Drucker enfatizou a importância das parcerias para promover a inovação, expandir o alcance do mercado e aprimorar os recursos organizacionais.
Os ensinamentos de Drucker enfatizaram a ideia de que as parcerias permitem que as organizações tenham acesso a habilidades, conhecimentos e recursos complementares que podem não existir internamente. Ao formar alianças ou parcerias estratégicas, as empresas podem reunir seus pontos fortes, atenuar os pontos fracos e capitalizar as oportunidades emergentes no mercado.
A partir do momento que o colaborador passa a ser sócio de uma empresa e, consequentemente, dono dessa empresa, ele terá ainda mais motivação para dar o seu melhor a cada minuto, já que isso lhe será vantajoso.
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Os números apresentados no início do conteúdo são fortes indícios de que o modelo de partnership tende a apresentar ótimos resultados, tanto para a empresa quanto para os sócios. Porém, cabe trazer uma ilustração para facilitar a compreensão.
Imagine uma pessoa que foi contratada por uma indústria metalúrgica para trabalhar na fabricação de peças para automóveis. Essa indústria atende a uma das principais montadoras do país.
Desde o início de sua jornada nessa indústria, ela é orientada por seus gestores sobre a importância de manter a excelência em todos os processos.
No início, o desejo de entregar o melhor possível está bem vivo em sua mente. Porém, com o passar do tempo, isso vai se perdendo um pouco. Afinal, sejam as peças entregues com excelência ou com algumas rebarbas, a remuneração será a mesma.
Conforme as semanas e os meses passam, por maior que seja sua dedicação e profissionalismo, é provável que o empenho caia um pouco.
Agora, vamos mudar um pouco a situação. Ao invés da pessoa ter sido contratada, ela abriu uma indústria para trabalhar no mesmo setor que a empresa previamente usada como exemplo, investindo seus próprios recursos para transformar aquilo em realidade.
Desconsiderando a estrutura organizacional, que provavelmente seria diferente, especialmente em um primeiro momento, aquele profissional se empenharia muito mais, todos os dias, para entregar o melhor possível para seu cliente. Caso contrário, o prejuízo seria enorme e poderia até levá-lo à falência.
A situação é hipotética, mas destaca a importância de uma qualidade em especial: ownership – ou sentimento de dono. A partir do momento que aquela empresa é dele, suas atitudes tendem a ser diferentes, já que as consequências o afetarão de uma maneira bem mais intensa.
Na prática, é isso que acontece no modelo de partnership. Ele faz com que o conceito do sentimento de dono, por vezes distante, seja realmente verdadeiro, o que tende a mudar o comportamento daquela pessoa em relação à empresa em que trabalha.
Com isso, ela efetivamente “vestirá a camisa” com muito mais orgulho e empenho, já que, mais do que nunca, o sucesso da empresa também é o seu sucesso – inclusive financeiro.
A ideia é bem interessante, de fato. Porém, é essencial entender exatamente como ela funciona, pois é normal se deparar com algumas dúvidas, especialmente as diferenças que ela apresenta em comparação com as sociedades tradicionais.
Por isso, é importante destacar alguns pontos:
No modelo tradicional de sociedade, nada impede que qualquer pessoa com o devido investimento em mãos se interesse por comprar uma parte das ações da empresa, mesmo que ela não conheça previamente nenhum de seus sócios.
Isso, porém, não acontece no partnership, nesta que provavelmente é a maior diferença em relação aos modelos societários tradicionais. O partnership é destinado apenas a quem já trabalha naquela empresa.
Este ponto é importante, inclusive, para a avaliação dos sócios em relação ao possível ingresso de um colaborador como novo sócio por meio do modelo de partnership, já que o profissional deve demonstrar seu comprometimento e desejo de realmente ajudar a empresa a crescer.
Em um cenário ideal, todos os colaboradores de uma empresa precisam estar alinhados com a cultura organizacional. Assim, o seguimento de suas crenças e valores será constante, o que tende a manter a equipe engajada e em busca do mesmo propósito.
Quando falamos em partnership, o alinhamento com a cultura da empresa torna-se ainda mais importante. Afinal de contas, aquela pessoa passará a ser, de fato, dona daquele negócio, ou seja, terá uma voz ainda mais ativa em sua continuidade.
Por isso, é crucial que o interessado tenha fit com a cultura organizacional e já tenha manifestado isso em seu dia a dia. Assim, as chances de eventuais desalinhamentos são mitigadas.
Embora o modelo de partnership seja destinado apenas aos colaboradores, isso não significa que todos eles estarão aptos a se candidatar, e um dos principais requisitos é já fazer parte da equipe há algum tempo.
De fato, não existe uma regra que indique que apenas profissionais com pelo menos um ano de empresa estão aptos a serem sócios, por exemplo. Porém, esse tempo de maturação é importante justamente para que os atuais sócios conheçam bem aquele candidato.
Dessa forma, além de garantir que ele esteja o mais alinhado possível com a cultura organizacional, os atuais sócios também terão tido tempo suficiente para conhecer a qualidade do trabalho daquele profissional e o impacto de seu desempenho para o todo, pontos importantes para aumentar as chances de sucesso da parceria.
Quando nos referimos ao modelo tradicional de sociedade, é comum pensarmos na aquisição de grandes cotas acionárias. O futuro sócio investe um determinado valor e, a partir de então, passa a ser dono de, por exemplo, 25% das ações daquela empresa.
Porém, no partnership, a situação é diferente. Embora não haja uma regra propriamente dita, geralmente se fala em pequenas participações acionárias, como 0,5%, por exemplo.
Ainda que o percentual não costume ser tão grande do que aqueles destinados aos acionistas “tradicionais”, é importante considerar que o crescimento da empresa tende a resultar na valorização das cotas e, consequentemente, em lucros para os acionistas, ainda que estejam no modelo de partnership.
Embora o modelo partnership seja destinado a pequenas participações societárias, isso não significa que todos os candidatos receberão a mesma participação. Via de regra, essa definição é feita pelos atuais sócios, que decidem, em conjunto, quanto aquele candidato merece receber.
Suponhamos que haja uma empresa com modelo de contrato de partnership em que dois colaboradores (Jonas e Pedro) desejam tornar-se sócios. Ambos são bons profissionais, bem alinhados com a cultura da empresa e já com um bom tempo de casa.
Ambos já provaram sua dedicação e valor ao longo do tempo naquela empresa, mas Jonas tem um desempenho ainda melhor que o de Pedro. Logo, depois de uma análise dos atuais sócios, Jonas tende a receber uma maior participação societária do que Pedro.
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Na teoria, sim. Nada impede que uma empresa adote o modelo de partnership para motivar mais seus colaboradores por meio de uma iniciativa meritocrática e que tende a aumentar significativamente seu empenho e dedicação.
Porém, na prática, vale fazer uma análise minuciosa de cada caso, especialmente no que tange à cultura organizacional. Embora não seja uma regra, a participação societária no partnership se aplica a empresas com tipos de liderança e gestão mais libertários e menos burocráticos.
Entre os três exemplos de empresas que mencionamos no início do conteúdo, temos uma corretora de valores brasileira, um grande grupo de produção de bebidas também brasileiro e um grupo financeiro multinacional com mais de 150 anos de experiência, o que mostra como o partnership é bastante versátil.
Também não existe uma resposta definitiva. É importante analisar caso a caso para entender o momento da empresa e, então, chegar à conclusão de quando é o momento ideal.
Porém, há alguns pontos a se considerar. É importante que a empresa esteja apresentando bons resultados, inclusive financeiros, pois deve haver boas expectativas para o seu futuro, baseadas não em achismo, mas sim em números consolidados, como na evolução de sua receita anual, por exemplo.
Além disso, a cultura da empresa deve estar muito bem definida, com missão, visão e valores bastante sólidos e intrínsecos em toda a equipe.
Outro ponto que fica subentendido é que a empresa já deve ter sócios, pois são eles que definirão o percentual que cabe a cada candidato interessado em participar do partnership ou até mesmo negarão algumas iniciativas de participação de acordo com a sua análise.
Esses são alguns dos pontos que devem ser analisados para permitir que o modelo de contrato de sociedade de partnership seja benéfico e não resulte em problemas para a empresa a curto, médio e longo prazo.
Não existe um passo a passo único e imutável, pois tudo vai depender de cada empresa e de sua cultura.
Uma das possibilidades ocorre quando o candidato manifesta seu interesse em participar do partnership por escrito, como em uma carta de próprio punho, relatando quais são os motivos que ele julga válidos para que seja aceito como um dos sócios daquela empresa.
Este pedido, então, será analisado pelos sócios, que entrarão em um acordo em relação ao ingresso ou não do candidato no modelo de partnership, bem como em sua participação societária caso seja aprovado.
Por fim, a decisão será comunicada ao candidato, que precisará prosseguir com os devidos trâmites jurídicos para ingressar no partnership, como ler e assinar um modelo de contrato de sociedade, por exemplo.
Também depende de cada caso, mas geralmente é preciso que o candidato faça um investimento para que efetivamente tenha direito à sua participação societária, de maneira similar ao que acontece com o modelo tradicional de sociedade – lembrando que as participações costumam ser menores.
Em casos em que o investimento precisa ser feito de imediato, este variará de acordo com a participação societária à qual aquele novo sócio terá direito. Quanto maior ela for, maior também tende a ser o valor investido.
Porém, pode haver casos em que o sócio só precisa pagar um determinado valor quando eventualmente quiser vender seus direitos como sócio, o que deixa de demandar um investimento inicial.
Suponhamos que a empresa XYZ Ventures, avaliada em R$ 50 milhões, decida adotar o modelo de partnership. Então, Jonas se candidata para ser um dos sócios neste modelo e é aceito, tendo recebido uma participação societária de 0,5%.
Se o investimento tivesse que ser feito de imediato, Jonas precisaria investir R$ 250 mil por essa participação. Porém, a empresa decidiu que ele passará a ser sócio e só terá que pagar quando decidir vender seus direitos como acionista.
Passados 5 anos, a XYZ Ventures já está avaliada em R$ 200 milhões. Jonas, então, decide vender sua participação, a qual agora não vale mais R$ 250 mil, mas sim R$ 1 milhão.
Neste caso, Jonas venderia sua participação e destinaria R$ 250 mil aos cofres da XYZ Ventures (ou um pouco mais devido a eventuais correções monetárias, por exemplo), lucrando o valor remanescente dessa operação – o qual, cabe ressaltar, também foi obtido graças aos seus esforços durante todo este tempo.
Como este é um exemplo hipotético, tudo vai depender do que consta no contrato de sociedade da empresa que decidir adotar este modelo.
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Ainda que não seja um modelo de negócios tão tradicional, o partnership se mostra como uma ótima oportunidade para a empresa e também para os colaboradores que querem dar um passo além e ser, de fato, donos daquele negócio.
Sua implantação demanda bastante estudo e planejamento, mas os potenciais resultados chamam a atenção. Sua eficácia já foi comprovada por várias empresas e empreendedores, como Guilherme Benchimol, fundador e presidente executivo do Conselho de Administração da XP Inc.
No requerimento de registro para que a XP fosse listada na bolsa americana Nasdaq, mais conhecido como F-1, Benchimol redigiu uma carta em que reconhece a importância do partnership para o sucesso do seu negócio. Em tradução livre, ela diz o seguinte:
“Se eu tivesse que escolher duas coisas que nos permitiram chegar onde estamos, eu diria que foi nossa cultura e nosso modelo meritocrático de partnership.”
Por recompensar quem mais merece devido ao seu empenho e dedicação para o sucesso e crescimento da empresa, o modelo partnership é uma alternativa bastante interessante e que tende a crescer com o passar do tempo, já que é uma via de mão dupla, com benefícios para ambas as partes envolvidas.
Como foi dito no início do conteúdo, não podemos afirmar que o único motivo que levou a XP, a Ambev e o Goldman Sachs a estarem onde estão hoje é o fato de serem empresas que adotaram o partnership, mas seria leviano negar que isso foi de suma importância para todas elas.