Se por um lado ainda vemos startups optando por não receber aportes externos e decidindo crescer de forma mais autônoma através do bootstrapping, mantendo o controle da empresa somente entre os sócios, vemos como outras startups, para ganhar exposição sem realizar grandes investimentos, estão negociando suas ações com celebridades através do modelo conhecido como media for equity.
Esse tipo de modelos estão sendo cada vez mais adotados como uma espécie de solução as mudanças cada vez mais dinâmicas em mercados como marketing, publicidade e social media, que dificultam que empresas, sobretudo as mais novas, consigam constantemente antecipar tendências para permanecer à frente de seus competidores.
No começo, por mais que já tenham conseguido levantar capital (externo ou interno), as startups não se podem dar ao luxo de realizar grandes investimentos em campanhas de marketing, mesmo que essa exposição de marca seja fundamental nos estágios iniciais da jornada empresa.
Contudo, as atenções iniciais estão normalmente direcionadas no desenvolvimento de um produto ou serviço que solucione as dores de seu público-alvo e em alcançar o product market fit.
Logo, além de competir com adversários mais estabelecidos, e quiçá com mais capital disponível, startups em estágios iniciais devem usar sua criatividade para criar uma boa exposição de marca, especialmente se a ideia era o uso de celebridades para ajudar na promoção.
Dito isso, para profissionais de marketing, comunicação e publicidade, hoje é praticamente impossível falar sobre alcance de marca e não pensar em celebridades e influenciadores como meio para alcançá-la.
No entanto, apesar de ser inegável que utilizar a imagem de uma celebridade é uma maneira comprovada de expandir uma marca e alcançar um mercado mais amplo, existe um certo receio por conta da falta de autenticidade de muitas campanhas veiculadas nos dias de hoje, sobretudo as que envolvem celebridades.
Neste caso, uma vez que o orçamento de marketing é normalmente mais limitado no começo, as startups devem garantir que seu investimento irá trazer retornos positivos para o seu negócio caso ele seja feito.
Dito isso, além de levar em consideração o alto custo cobrado por essas celebridades/influenciadores, startups devem procurar pessoas que, primeiro, tenham real interesse no produto/serviço que irão promover (melhor ainda se já o utilizam) e que se enquadrem com o propósito e a missão da marca, obtendo uma sinergia entre a personalidade e a empresa.
Tomemos, por exemplo, o caso da marca Aviation Gin e do ator canadense Ryan Reynolds.
A marca Aviation Gin é associada à imagem do astro de Hollywood Ryan Reynolds – o que faz muita gente pensar que o próprio Reynolds é fundador da empresa. O fato é que ele se tornou sócio apenas em 2018. A Aviation Gin já era uma marca estabelecida, mas depois que o ator George Clooney se tornou um dos donos da Los Amigos, essa associação entre o glamour de Hollywood e bebidas abriu imensas oportunidades.
Voltando à Aviation Gin: dois anos após Ryan Reynolds adquirir uma participação na empresa, a Aviation Gin foi vendida para a Diageo por US$ 610 milhões. A paixão que Reynolds trouxe para este produto claramente fez uma grande diferença no mercado.
Por isso, apesar de que para muitos, o media for equity possa parecer uma estratégica arriscada – oferecer uma parte da empresa que você construiu –, os benefícios de encontrar o parceiro correto, seja ele uma celebridade ou empresa de mídia, podem ser imensuráveis.
O Media for Equity (M4E) é um modelo de parceria estratégica em que uma empresa troca ações ou participações na receita por inventário de publicidade de empresas de mídia. Nesse acordo, a empresa recebe espaço publicitário ou tempo de transmissão em vários canais de mídia (como televisão, rádio, mídia impressa ou digital) em troca de uma parte de seu patrimônio ou receita futura. O M4E permite que as startups e as empresas em crescimento aproveitem o poder de marketing de parceiros de mídia estabelecidos sem o custo inicial da publicidade tradicional.
O modelo Media for Equity é utilizado tanto por venture capitals como por startups que procuram maior exposição sem a necessidade de altos investimentos em campanhas de marketing e publicidade.
Diferente de outros métodos convencionais de financiamento, o modelo de media for equity não envolve um aporte direto em uma startup.
Ao invés disso, a empresa obtêm uma ampla cobertura da mídia (notícias em veículos de comunicação, reportagens, postagens em redes sociais etc.) em troca de oferecer ações da empresa aos investidores e/ou, no caso de celebridades, cargos de liderança como, por exemplo, a parceria entre atriz Deborah Secco e a Singu, marketplace de beleza em bem-estar, anunciada em 2019.
Neste caso, além se tornar investidora e a nova imagem da Singu, Deborah Secco passou a ser Diretora Criativa da marca.
Veja a seguir as etapas que compõem o Media for Equity:
1. Contrato de parceria. A empresa que busca exposição publicitária celebra um contrato de parceria com uma ou mais empresas de mídia. Os termos do contrato normalmente definem a quantidade de inventário de publicidade fornecida pelo parceiro de mídia em troca de participação acionária ou de receita da empresa.
2. Alocação de inventário de publicidade. O parceiro de mídia aloca espaço publicitário ou tempo de antena em seus vários canais para promover os produtos ou serviços da empresa. Isso pode incluir comerciais na televisão ou no rádio, anúncios impressos em jornais ou revistas, banners digitais em sites ou conteúdo patrocinado em plataformas de mídia social.
3. Participação acionária ou compartilhamento de receita. Em troca do inventário de publicidade, a empresa oferece uma porcentagem de seu patrimônio ou receita futura ao parceiro de mídia. Os termos exatos do acordo de participação acionária ou de receita são negociados como parte do contrato de parceria.
4. Execução da campanha publicitária. A empresa colabora com o parceiro de mídia para desenvolver e executar campanhas publicitárias que visam efetivamente os segmentos de público-alvo desejados. O parceiro de mídia aproveita sua experiência em planejamento e compra de mídia para otimizar a colocação e o desempenho dos anúncios.
5. Medição do desempenho e do ROI. Tanto a empresa quanto o parceiro de mídia acompanham o desempenho das campanhas publicitárias para avaliar sua eficácia na promoção do conhecimento da marca, no envolvimento do cliente e, por fim, na geração de receita. Os principais indicadores de desempenho (KPIs), como tráfego do site, geração de leads e conversões de vendas, são monitorados para avaliar o retorno sobre o investimento (ROI) da parceria M4E.
Assim como mencionado, embora as campanhas bem-sucedidas de marketing e publicidade ofereçam enormes benefícios às startups, ajudando a construir uma base de clientes e aumentar a conscientização sobre a empresa entre os potenciais clientes, elas geralmente requerem investimentos elevados.
Por conta disso, o modelo de media for equity favorece as startups pois permite a aquisição de publicidade para seus produtos ou serviços sem a necessidade de gastar dinheiro. Além disso, certas empresas de mídia e celebridades também fornecem suporte na execução das campanhas.
Por outro lado, as companhias de mídia/celebridades obtêm ações da startup que podem gerar retornos lucrativos no futuro.
Dito isso, tanto empresas como influenciadores/celebridades devem enxergar esse negócio como um investimento a longo prazo, especialmente por parte dos criadores que, na atualidade, cobram valores elevados por uma simples postagem nas redes sociais.
Logo, não é de se estranhar que boa parte dos acordos de media for equity que envolvem celebridades sejam com artistas, esportistas e influenciadores já estabelecidos financeiramente em seus devidos setores e que possuem uma visão um pouco mais empreendedora.
Por último, vale ressaltar que o modelo de media for equity não é e nem deve ser usado como um método primário ou autônomo de financiamento, além de poder ser implementado em diversos momentos da jornada da startup, e não necessariamente antes ou depois de receber algum aporte financeiro externo.
Este modelo pode ser usado no momento enquanto a startup busca a escalabilidade em suas operações, bem como no fortalecimento de seu desempenho no mercado para assim atrair investidores para uma próxima rodada de captação de capital.
Para exemplificar, em maio de 2021, a rede de clínicas de beleza Lilly Estética anunciou a captação de R$35 milhões para acelerar a abertura de mais estabelecimentos. Além disso, a rodada de investimento, liderada pela Igah Ventures, teve a participação da atriz da Paolla Oliveira, que se tornou sócia da empresa em troca de dar exposição à marca em suas plataformas sociais.
A empresa, que na época somava 9 clínicas e iria utilizar o investimento para abrir mais 19, tem a meta de chegar a 80 estabelecimentos até 2025. Neste caso, o negócio favorece a ambas partes, pois a Lilly Estética agora conta com uma sócia que possui mais de 30 milhões de seguidores em suas redes sociais e Paolla Oliveira tem ações em uma empresa que já fatura acima de R$ 12 milhões.
Ao contrário dos modelos convencionais de venture capital, o media for equity não se adequa à todas as empresas.
Geralmente, o modelo pode ser utilizado por empresas que, além de terem operações estáveis, já possuem um produto ou serviço pronto para venda.
Nesta fase de desenvolvimento de negócios, as startups visam expandir seus negócios e construir uma base de clientes. Em outras palavras, elas estão procurando atrair o maior número possível de novos clientes para aumentar suas receitas.
Além disso, uma startup que esteja disposta a buscar o modelo de media for equity deve formular uma estratégia de marketing precisa que determine os canais exatos que serão mais úteis para atrair novos consumidores.
Cîroc Vodka e Sean “Diddy” Combs
Por conta dos diversos comerciais, presença em eventos e colocação dos produtos (product placement) em videoclipes musicais, muitos acreditam que o envolvimento do rapper e empresário americano Sean “Diddy” Combs com a marca de vodka francesa Cîroc começou desde 2003, quando a marca foi oficialmente lançada.
Contudo, assim como no caso da Aviation Gin citado no começo do texto, a marca Cîroc já estava desenvolvida quando Diddy se juntou à equipe em 2007 em um esforço para expandir o marketing e trazer a marca para os Estados Unidos.
Desde então, Diddy e sua equipe se encarregam do marketing e da promoção da vodka em território estadounidense utilizando-se do modelo media for equity com os lucros da marca sendo divididos entre o rapper e a Diageo, empresa dona da Cîroc.
Em 2014, segundo matéria divulgada pelo Los Angeles Times, a Cîroc passou de vender 50.000 caixas por ano para cerca de 2 milhões após a parceria com o Diddy.
Este é mais um exemplo de uma celebridade cuja imagem pode ser imediatamente identificada com a marca devido a uma conexão bem-sucedida. A Cîroc ganhou um verdadeiro parceiro que foi de varejista em varejista em nome da marca e, desde então, o sucesso da Cîroc disparou.
VIDE e Olivia Culpo
Ao contrário de Diddy, que além de ser uma figura extremamente pública optou por trazer sua parceria com a Cîroc aos holofotes da mídia, existem outra celebridades que preferem a posição de acionista discreto.
Este é o caso da parceria entre a atriz estadunidense e ex-Miss Universo Olivia Culpo e a VIDE Beverages, marca de cocktails enlatados fundada em 2018.
Impressionada com o modelo de negócios da empresa e o crescimento da marca, Olivia não só se interessou em firmar uma parceria como também decidiu que queria ser mais ativa do no dia a dia da companhia. Logo, em outubro de 2020, além de ser anunciada como investidora da marca, Culpo ganhou o cargo de Diretora Criativa da empresa.
Desde então, Culpo está trabalhando em estreita colaboração com a VIDE para ajudá-los em sua próxima rodada de financiamento. Sua dedicação à marca é o exemplo perfeito de uma conexão mutuamente benéfica que nunca teria se desenvolvido no caso de um acordo tradicional de endosso.
Anitta e Nubank
Em junho de 2021, prévia a sua abertura de capital na bolsa americana, o nome do Nubank teve grande presença na imprensa quando anunciou a cantora e empresária Anitta como a mais nova integrante do conselho administrativo do banco digital.
A ideia da parceria, que na época do anuncio gerou muita controvérsia entre os investidores, era aproveitar a popularidade da cantora para a aproximar o Nubank do consumidor que não possuía familiaridade com produtos bancários, além de trazer uma visão distinta dos outros conselheiros da empresa.
Em entrevista concedida a Veja em Janeiro de 2022, o fundador do Nubank, David Vélez, conta que Anitta participa de reuniões trimestrais junto a diretoria do banco além de outros 6 conselheiros, focando especialmente ao aprimoramento dos serviços da startup para as classes mais vulneráveis.
Segundo Vélez, Anitta foi fundamental na decisão de listar a Nubank na B3, a bolsa de valores no Brasil, além da ideia de “oferecer recibos de ações gratuitos” para uma base de clientes, conquistando acima de 7,5 milhões de sócios.
Quando surgiu essa ideia, houve muito questionamento por parte do conselho, sobretudo em relação ao payback da estratégia, para o que Anitta respondeu: “vocês não sabem como é importante ter isso para os clientes. Vai aumentar a lealdade, a conexão e a inclusão financeira. Vai mostrar a esse povo o que significa ser um investidor”.
Em resumo, o modelo de media for equity, neste caso, está indo muito mais além de utilizar a imagem de uma celebridade com milhões de seguidores, mas contêm a participação dela em ações estratégicas dentro da empresa. Logo, caso funcione, tanto o Nubank como Anitta sairão beneficiados pois o desempenho da empresa seguirá melhorando.
Por último, visando uma expansão ainda maior dentro da América Latina –o Nubank já oferece serviços no México, Argentina e Colômbia–, e quem sabe entrar nos Estados Unidos, o banco poderá contar com uma sócia que também vem, ao longo dos últimos anos, se estabelecendo como artista internacional, adquirindo popularidade justamente nesses territórios.
Steph Curry e Under Armour
O que começou apenas como um clássico contrato de patrocínio entre o jogador de basquete Steph Curry e a marca esportiva americana Under Armour, logo se tornou mais um caso dentro de media for equity do esporte.
Em 2013, a Under Armour, que na época, segundo a The Business Journals, detinha somente 0,35% do mercado de calçados de basquetebol, decidiu investir na então promessa Steph Curry em um contrato de US$4 milhões por ano.
Logo, em 2015, a linha de calçados teve um aumento de 95% em relação a seu ano anterior, em grande parte devido à linha de tênis exclusiva de Curry com a marca.
No mesmo ano, a marca decidiu estender seu contrato com Curry até 2024 por relatados US$20 milhões anuais, e incluindo uma participação acionária na empresa com sede em Baltimore –em 2015, o jogador se sagrou campeão da NBA e foi eleito o melhor jogador da liga.
Apesar de analistas esportivos verem a utilização do modelo media for equity pela Under Armour como uma tentativa de ativar Curry como endossante da marca para compensar o investimento realizado, o astro do basquete, além dos milhões provenientes da venda de calçados, contribuiu para que a empresa tenha hoje 6,1% do market share, segundo publicado pela Yahoo Sports.
Como comparativo, a Nike, que domina o mercado de tênis de basquetebol com 86% de market share, patrocina em torno de 284 jogadores. Em contrapartida, a Under Armour possui apenas 6.
Caio Castro e Key Design
"Há algum tempo sentia falta de um lugar que eu pudesse encontrar acessórios e produtos de moda masculina, e foi durante essa busca que encontrei a Key Design. Enxergando novas possibilidades de atuação junto a marca, fiz uma proposta e decidi investir na empresa e, mais que isso, assumir a parte de criação e inovação da marca com o objetivo de gerar novos negócios e parcerias."
Em dezembro de 2020, a marca paranaense de acessórios e roupas masculinas Key Design anunciou o ator e empresário Caio Castro como seu mais novo investidor, sócio e diretor criativo.
Como curiosidade, a ideia de utilizar o modelo media for equity veio após uma conversa, durante a Imersão de Growth do G4 Educação, entre um membro da marca e Gabriel "Mineiro" Costa, mentor do G4 Educação, cofundador da Merlin e da Growth Leaders Academy e CMO da Singu.
Nascida em 2012, a empresa passou seus primeiros 6 anos fazendo bootstrapping (ou seja, sem investimento externo), até realizar uma rodada de investimentos em 2018 entre amigos e familiares.
Com essa parceria, a Key Design agora possui um sócio que não só conta com milhões de seguidores, mas que consumia as joias e os acessório da marca, assim mencionado por Castro em entrevista ao Brazil Journal.
Substituir os acordos de patrocínio e as parcerias de publicidade que todos estamos acostumados a ver na televisão e em plataformas digitais por acordos de media for equity permitirá que as empresas tragam e se exponham a muitas ideias diferentes e inovadoras.
Atualmente, existem diversas maneiras de trabalhar com celebridades, procurando diferentes abordagens para aproveitar sua popularidade e rede de contatos, ganhando assim mais do que apenas marketing. Aqui, o mais importante é negociar o envolvimento deles e garantir que ambas as partes envolvidas tirem o máximo proveito dessa parceria.
As melhores parcerias são aquelas que, uma vez que o contrato é assinado, nenhum dos lados se refere a ele novamente e, em vez disso, a celebridade simplesmente faz o que é necessário para expandir o negócio, pois o sucesso da marca agora lhe convêm.
Dito isso, há uma abundância de benefícios no modelo media for equity para as startups/empresas que possuem interesse e se adequam ao modelo. Logo, pode-se dizer que hoje temos o melhor cenário de marketing e publicidade para este tipo de acordos, em um mundo de consumidores em constante mudança e que constantemente buscam por mais autenticidade nas marcas.