O Brasil ocupou o 4º lugar no “ranking global de países que mais vendem alimentos e bebidas saudáveis” em 2022, movimentando, em média, US$ 35 bilhões por ano, de acordo com relatório da Euromonitor. Marcos Leta, fundador da Do Bem, enxergou esse potencial desde 2006, quando cogitou abrir um quiosque de lanches saudáveis no campus do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) no Rio de Janeiro. Mas o fundador da empresa Do Bem foi mais longe e transformou sua marca em referência de bebidas saudáveis no país.
Desde o lançamento de seu primeiro suco em 2009, a Do Bem ganhou bastante destaque entre seus consumidores, seja pela qualidade de seu produto – sem aditivos químicos, conservantes e açúcar –, pelas embalagens minimalistas e coloridas, ou por manter um diálogo transparente com seus consumidores, deixando bem clara a origem e propósito da empresa.
Neste estudo de caso, veremos como visão e inovação, junto a uma estratégia de marketing bem estruturada transformaram a Do Bem em umas principais marcas de sucos naturais do país, causando um impacto tão significativo que a Ambev não resistiu e comprou a companhia em 2016.
A inspiração para a Do Bem teve início na universidade, mas se consolidou durante o início de carreira de seu fundador Marcos Leta. Ele começou a trabalhar no mercado financeiro, primeiro em uma corretora de valores e depois em um banco de investimento.
Ao sair tarde do trabalho, ele frequentemente passava na casa de sucos BB Lanches, localizada no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Entre idas e vindas, ele começou a se perguntar: “por que não colocar aquele suco, espremido na hora, em uma caixa para simplificar a minha vida e a das pessoas?”. Marcos também começou a se questionar por que não colocar toda a sua experiência naquela casa de sucos, com uma relação mais direta com os atendentes, tudo “dentro de uma caixinha”.
A fim de entender melhor o mercado de bebidas saudáveis, Marcos Leta largou seu emprego e viajou para os Estados Unidos e Europa. Ao voltar no início de 2007, vendeu seu carro e o apartamento herdado do avô e, com 25 anos, investiu em duas máquinas de processamento e esterilização de frutas para começar a trabalhar na Do Bem.
Foi nesse começo também que o empreendedor decidiu enquadrar (literalmente) sua gravata e pendurar na parede. Em palestra ao Food Forum, Leta contou que todos que entram na Do Bem precisam “enquadrar algo de que não gostavam em seu emprego anterior”.
O processo de organização estrutural e planejamento da cadeia de suprimento e de fornecedores da empresa demorou 2 anos para ficar completo. Em 2009, a Do Bem lançou seu primeiro produto: um suco de laranja integral em caixinha sem nenhum aditivo químico, conservante, adição de água e açúcar, o primeiro do tipo no Brasil.
A diferenciação já estava presente também na embalagem. Ao invés do tradicional “Fure aqui” no local designado para o canudinho, Marcos Leta preferiu adotar um tom mais leve e intimista e escolheu uma frase dita por um dos colaboradores da casa de sucos que lhe serviu de inspiração ao criar a empresa: “Vai com tudo”. O tom de brincadeira presente nos produtos da marca fez com que o convencional “Agite antes de beber” fosse trocado por:
Outro ponto importante de diferenciação veio no nome. Exceto raras exceções, empresas pequenas não possuem o capital necessário para investir em comerciais de televisão, revistas ou redes sociais. Na Do Bem, a maneira mais eficiente de economizar alguns milhões de reais em campanhas seria é usar a própria marca como chamariz de compra.
Quando Marcos Leta começou a montar a empresa, ele ficou dividido entre 4 nomes:
“Puro” e “Leve” não poderiam ser registrados pois eram uma denominação comum – referente à qualidade de um produto.; O empreendedor gostava do nome “Incrível”, mas, em suas palavras, isso significava que “teríamos que ser incríveis sempre”. “Então, se uma caixinha estivesse amassada na gôndola de um supermercado, por exemplo, a gente não estaria incrível naquele momento", explicou. Por fim, ele percebeu que Do Bem era um nome mais contemporâneo da palavra “puro” e teria um forte impacto. “Quem não quer estar do lado de algo que é do bem?”
O produto passou por testes iniciais em cafeterias cariocas e depois expandiu sua distribuição chegou a empórios na cidade de São Paulo. O carregamento de um mês de seu primeiro cliente paulista, a rede varejista St Marche, terminou em 6 dias.
Nesse começo de empreitada, ficou claro também o acerto na adoção de embalagens Tetra Pak, que são mais sustentáveis e podem ser recicladas. Essa mudança fez com que a validade de seu suco de laranja aumentasse de 14 dias para 4 meses, enquanto outros sabores como limonada, açaí com morango e maçã e guaraná, por exemplo, estenderam seu tempo de vida útil para 7 meses.
Um dos pontos positivos do modelo de negócios da empresa foi a forma com que Marcos Leta se referia aos concorrentes. Nada de demonizar outras empresas, apontar o dedo ou falar mal. Ao invés disso, ele passou a propagar os benefícios associados ao consumo dos produtos da DoBem, focando em pessoas que prezam por uma vida mais saudável.
“Não descobrimos a roda, só ligamos alguns pontos para desenvolver uma tecnologia a vácuo em que tudo é processado e envasado sem o contato com oxigênio”, ele comentou em entrevista à Exame.
Ainda assim, o período entre 2009 e 2012 foi difícil para a Do Bem. Segundo Leta, poucas pessoas queriam comprar os produtos da empresa e ninguém entendia o motivo da empresa cobrar um preço mais caro – os sucos da Do Bem eram comparados aos néctares de outras empresas que tinham água e açúcar – , que até então eram a norma do mercado.
A trajetória da empresa mudou com a chegada do movimento de saudabilidade ao Brasil a partir de 2012. Nesse momento, eles eram a única empresa que poderia atender o varejo com uma bebida 100% natural e produzida em larga escala.
A empresa ainda contava com o fator diferencial em suas embalagens. Inspirado pela frase de Steve Jobs, fundador da Apple, que afirmou “Um computador não precisa ser chato e nem feio para ser consumido”, Marcos Leta trouxe a interpretação de que a fruta não teria que estar impressa nas caixas, mas sim dentro delas. Do mesmo modo, ele pensou: “E por que não trabalhar toda a tropicalidade do Rio na gôndola, trazendo cores vistosas nas embalagens?”.
Na Do Bem sempre se pensou na jornada do consumidor. O cliente precisa passar pela gôndola de um ponto de venda, encontrar uma “caixinha” que chame a atenção e que faça com que ele pare e leia a embalagem, observe que a marca está se comunicando de uma forma diferente, compre e experimente a bebida, e perceba que tudo o que é comunicado na embalagem é verdadeiro. Essa comunicação, junto a um suco diferenciado, passou a gerar valor durante esse período.
Marcos Leta ressalta que “o comprador que busca uma alimentação saudável não considera apenas o preço como parâmetro, mas o aspecto nutricional. E, para esses consumidores, os dois têm o mesmo peso.” Isso fica mais evidente no gráfico abaixo.
Em 2014, no entanto, a empresa enfrentaria um problema. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) começou a investigar uma história contada pela DoBem sobre a origem de suas laranjas.
Segundo o órgão regulador, a localização de um de seus fornecedores, chamado Francisco, era “um esconderijo tão secreto que nem o Capitão Nascimento [do filme Tropa de Elite] poderia descobrir”. O Conar também descobriu que a DoBem não mencionava que comprava frutas de grandes produtores, prejudicando um pouco a credibilidade da empresa com seus consumidores.
A Do Bem respondeu apresentando notas fiscais que comprovavam a existência de seu fornecedor e esclareceu a situação referente a seus outros fornecedores. De acordo com Marcos Leta, a empresa trabalha “com cooperativas para certas frutas, além de pequenos e grandes fornecedores.”. Com isso, o Conar arquivou o caso.
Outra estratégia de marketing interessante adotada pela empresa veio em dezembro de 2012. A Do Bem literalmente colocou os pés na areia da praia de Ipanema, Rio de Janeiro, e passou a vender sua versão do mate com limão, uma bebida característica das praias da capital do estado. “Toda nossa inspiração vem do cotidiano do carioca”, explicaria depois o empreendedor.
A Do Bem se estruturou de uma forma muito rápida, operando de maneira eficiente e, em 2016, chegou a mais de 30.000 pontos de venda em 18 estados no Brasil — com algumas pequenas operações na França, Espanha e Portugal através do Grupo Casino e do El Corte Inglés.
Em 2015, a DoBem expandiu sua linha de produtos e ingressou no mercado de barras de cereal. Os produtos seguiram padrões similares às bebidas da empresa e adotaram um visual minimalista e colorido.
Em 2016, a Do Bem foi adquirida pela Ambev por um valor que não foi revelado.
Toda a história com a Ambev veio de uma necessidade da empresa de ampliar sua distribuição. Na época, 42% das pessoas que entravam em contato com a Do Bem pediam que a marca estivesse em mais lugares. Com isso, a ideia era realmente buscar um parceiro que conseguisse tornar isso possível e que ao mesmo tempo mantivesse o propósito e identidade da DoBem.
Após a aquisição, o objetivo da empresa era alcançar 200.000 pontos de venda até 2020.
A Do Bem passou a entender muitos mais sobre o Brasil e seus consumidores após sua associação com a Ambev. Do lado operacional, ele comentou que a empresa também ganhou mais acesso a tecnologia, ingredientes e fazendas produtoras.
Quatro anos após a aquisição, Marcos Leta finalizou a transição para dentro do sistema da Ambev e deixou a operação da Do Bem.
Em 2020, a marca abraçou a alta do TikTok e escolheu a rede social chinesa para comunicar a chegada da “do bemzinho”, uma caixinha de 200 ml disponível em 7 sabores com o foco tanto em pais quanto filhos.
No ano seguinte, a empresa fechou um acordo para que as caixinhas dessa linha viessem estampadas com personagens dos clássicos filmes de animação da Pixar. Alguns exemplos abaixo:
A iniciativa nasceu “do desejo comum da marca e do estúdio em contribuir com o bem-estar da família, promover momentos de descontração para adultos e crianças e deixar a rotina mais leve.”.
Entre 2020 e 2021, a Do Bem marcou presença em ações socioambientais. A primeira veio de uma parceria com a Muzzicycles, que reciclaria as embalagens da marca e as transformaria em polialumínio, material utilizado na confecção de vários produtos, incluindo quadros de bicicleta.
Em 2021, a marca passou a transformar as caixas de seus produtos em telhas para construção de casas populares, moradias emergenciais e sedes comunitárias em alguns estados do país. A iniciativa, conhecida como Bagaço do Bem, é uma parceria entre a startup de sustentabilidade Polen e as organizações não governamentais Teto e Ecolar.
Quando se estrutura uma empresa, é fundamental entender o propósito, o motivo de sua existência desde o início da jornada. Nas palavras de Marcos Leta: “Na DoBem, eu queria, naquele momento, na casa de suco, simplificar a minha vida. Hoje, quando você pega o propósito da marca, ele continua sendo simplificar a vida das pessoas buscando o que há de mais legal na natureza”.
A empresa também entendeu a importância de investir o mesmo tempo e capital que é investido no desenvolvimento de um produto na construção de uma estratégia de design e comunicação boa e consistente. "As pessoas não estão pensando 24 horas por dia como você pensa na sua marca”, afirmou o fundador.
Atualmente, além da qualidade dos produtos, a Do Bem mantém seu foco na simplicidade de suas embalagens e informalidade em sua comunicação. A companhia conseguiu construir assim um relacionamento próximo ao cliente, o que permitiu enxergar oportunidades no lançamento de novos sabores.