Ambidestria organizacional: o que são organizações ambidestras?

Ambidestria organizacional: o que são organizações ambidestras?

Por:
Tallis Gomes
Publicado em:
30/8/2022
Atualizado em:

A chave para o sucesso em muitas indústrias, hoje e no futuro, é a ambidestria organizacional. Como está a sua capacidade de cuidar dos negócios com uma mão e da inovação com a outra?

Há alguns anos, se você tentasse decodificar a fonte e a base do sucesso econômico de empresas já estabelecidas no mercado, encontraria, na maior parte das vezes, elementos relacionados ao controle de custos e otimização da eficiência e escala como impulsionadores do crescimento da receita. 

A transformação digital, no entanto, aumentou o dinamismo e a velocidade da concorrência global, fazendo com que manter o faturamento e o market share apenas através da eficiência e melhorias incrementais se tornasse cada vez mais difícil, sendo comum ver organizações jovens, ágeis e descentralizadas superarem cada vez mais as gigantes estabelecidas e inertes.

Vivemos uma era de mudanças exponenciais, em que um diferencial competitivo dura algo em torno de cinco a seis vezes menos tempo do que costumava durar há 40 anos.

Nesse sentido, a ambidestria organizacional é um fenômeno cada vez mais aplicado pelas organizações que precisam de um framework capaz de transformar radicalmente o seu modelo de negócios para se manterem relevantes diante das disrupções do mercado.

Segundo estudo da HBR (Harvard Business Review, 2004), mais de 90% das organizações ambidestras alcançam os seus objetivos de lançamento de produtos ou serviços. Saiba, então, exatamente onde e como você pode melhorar a sua companhia implementando esse conceito na realidade do seu negócio.

O que é ambidestria organizacional?

Em seu artigo de 2004 na Harvard Business Review, "The Ambidextrous Organization", os professores de Stanford e Harvard, Charles O'Reilly e Michael Tushman, popularizaram o conceito de ambidestralidade organizacional.

Na verdade, a teoria está intimamente ligada à obra do professor Clayton Christensen, “Dilema do Inovador”, em que ele demonstra o porquê das empresas que não investem em inovações disruptivas acabarem fracassando.

Um exemplo clássico é a Blockbuster, que foi a maior rede de locadoras de filmes, séries e videogames do mundo e acabou indo à falência por perder espaço para empresas de tecnologia de streaming, como a Netflix.

Em suma, ser uma organização ambidestra significa operar o presente, dedicar tempo ao amanhã e, ao mesmo tempo, ter um time capaz de pensar no futuro de longo prazo para disruptar o negócio que você tem hoje. Ou seja, a ideia é ser capaz de construir um negócio que mate seu próprio negócio. Segundo a Deloitte, ambidestria organizacional também pode ser definida como:

“a arte de equilibrar a otimização operacional com experimentações inovadoras simultaneamente, aumentando a eficiência ao cultivar inovação contínua.”

Assim, a ambidestria organizacional é a habilidade se de continuar operando normalmente em seu modelo tradicional, procurando melhorias contínuas para suas rotinas atuais e, ao mesmo tempo, investir em mudanças e testes de inovação. É uma combinação entre criatividade e escalabilidade.

Para isso, é necessário trazer não só a arquitetura organizacional, mas o mindset de disrupção presente na ambidestria. O Google, vale ressaltar, é uma companhia que trabalha com uma cultura organizacional no modelo 50-30-20: 50% dos seus recursos estão alocados no hoje, 30% no amanhã e 20% no futuro de longo prazo.

No entanto, não existe “bala de prata” para implementação desse modelo, tudo depende do contexto da sua organização. O crucial é se permitir ser suscetível a erros para que, cada vez mais, seus processos sejam otimizados através de melhorias contínuas nas suas rotinas atuais, e, ao mesmo tempo, invista-se em mudanças e testes de inovação.

Gráfico representando a ambidestria organizacional através de dois eixos: "escala e produtividade" e "velocidade e criatividade".
Framework das organizações ambidestras (Créditos: Arthur D. Little)


Empresas podem ser definidas como ambidestras quando encontram um equilíbrio no trade-off entre ser “rápida e criativa” ou em “escala e produtiva”. A grande maioria das companhias tendem a se concentrar em qualquer dimensão, mas aquelas que conseguem se destacar em ambas são raras.

Como acontece a ambidestralidade na prática?

Cada organização tem um ponto de partida diferente, por isso é fundamental que o caminho para a ambidetralidade seja personalizado.

  1. Startups: como startup, a disrupção já se encontra em seu DNA e é inevitável a busca pela criação de novos mercados e oceanos azuis para implementar suas inovações em ciclos curtos de experimentação. Assim, a sua força está na criação de oportunidades e exploração, mas, para se tornarem ambidestras, é necessário se concentrarem mais nas capacidades e estratégias de longo prazo, como fizemos na Easy Taxi, G4 e Singu para manter a sustentabilidade desses negócios;
  2. Empresas scale-ups: companhias que adotam um modelo de vendas escalável e possuem um crescimento exponencial tendem a ter um forte senso de responsabilidade para o longo prazo. Entretanto, é preciso encontrar o equilíbrio certo e focar mais em aproveitar as oportunidades que são capazes de construir e, assim, criar estruturas de negócios ainda mais fortes;
  3. PME: as pequenas e médias empresas precisam lidar com tudo o que aparece em seu caminho ao mesmo tempo. Para encontrar um melhor equilíbrio nesse cenário, concentrar-se na criação de oportunidades e exploração de estratégias de longo prazo é uma excelente alternativa;
  4. Grandes corporações: os grandes players do mercado geralmente são fortes na inovação empresarial, explorando cenários e estratégias para o longo prazo. Para se tornarem mais ágeis, por outro lado, é importante definir uma modelagem de negócios com foco em resultados mais curtos, permitindo velocidade e adaptabilidade como drivers de sucesso dominantes. Sem abrir mão, é claro, de estabilidade e eficiência.

O aprendizado, o feedback e a criação de estruturas adequadas de comunicação e informação desempenham um papel importante aqui, já que independentemente do estilo, a ambidestria organizacional não é apenas uma oportunidade, mas uma necessidade em um ambiente de mercado cada vez mais dinâmico e complexo.  

Exemplos de organizações ambidestras

Linha de montagem do Camry na fábrica da Toyota nos Estados Unidos (Crédito: Divulgação)

#1 - Toyota

A Toyota tem investido em veículos elétricos-híbridos, sem deixar de produzir veículos a gasolina convencionais altamente rentáveis, especialmente considerando que os objetivos estratégicos das organizações que competem no mesmo setor são muito semelhantes.

Como se pode ver, as empresas líderes no mundo se misturam com objetivos de longo prazo e não possuem uma linha de chegada clara. Embora a ambidestria seja definida pela tensão entre otimização e eficiência operacional por um lado e exploração e experimentação, por outro, isso não significa que esse último é ineficiente. Pelo contrário, para grandes organizações, como a Toyota, o meio mais eficaz e aceitável para experimentação é muitas vezes discreto e econômico.

Ainda, a tecnologia indiscutivelmente impulsiona ambos os lados da ambidestria, no entanto, ela é apenas um meio para um fim. Seu uso deve ser intencional para criar o impulso necessário para a tensão criativa.

Além disso, segundo Zack Hicks (ex-CEO Toyota Connected & ex-CIO Toyota Motors North America), apenas falar sobre o futuro na companhia não é suficiente, é imprescindível criar as condições para que ele aconteça. Segundo a Deloitte:

A Toyota parece ter o melhor dos dois mundos. Como uma das maiores empresas de mobilidade do mundo, tem uma gigantesca pegada corporativa global com bilhões de dólares em vendas e ativos.

Não é a toa que, segundo levantamento da Statista, em 2021, a Toyota é líder no ranking das maiores marcas de automóveis do mundo, com um market share de cerca de 10,5%, contra 6,4% do Grupo Volkswagen.

Engenheiro em plataforma da Shell no Brasil (Crédito: Divulgação)

#2 - Shell

(Nas imagens: centro de tecnologia da Shell em Calgary e estação da Shell no Brasil)
(Créditos: University of Calgary e Shell Brasil)

A Shell é uma das maiores companhias petrolíferas e de energia solar do mundo e suas operações estão divididas em três negócios: Upstream, Integrated Gas and Renewables and Energy Solutions (anteriormente Novas Energias) e Downstream.

No upstream, a empresa explora novas reservas de petróleo e gás e desenvolve projetos nos quais a sua tecnologia e know-how agregam valor aos detentores de recursos.

No Integrated Gas and Renewables and Energy Solutions, especialmente em um novo período de crescimento pós-pandemia, a organização soube alinhar o desempenho e o objetivo de proporcionar retorno competitivo aos acionistas, com a necessidade de atender à demanda global de energia de forma responsável.

E no downstream, continua focada na rentabilidade e melhoria contínua da qualidade dos portfólios de manufatura e marketing.

Assim, as iniciativas da empresa estão voltadas para alinhar tecnologia e inovação, compondo o mix energético da atualidade e do futuro, trabalhando, inclusive, na descarbonização da economia global -criando um negócio capaz de disruptar seu próprio negócio.  

Em agosto de 2022, o market cap (valor de mercado com base em suas ações) foi avaliado em $202.73 bilhões, fazendo da Shell a 45ª empresa mais valiosa do mundo por capitalização de mercado.

Serviço de entrega Amazon Prime (Crédito: Divulgação)

#3 - Amazon

A Amazon é um dos maiores exemplos da nova geração de organizações ambidestras. Através do seu método Working Backwards, a companhia está sempre buscando as indústrias que ela pode disruptar no futuro e se esforçando para cumprir as necessidades dos clientes antes mesmo que eles percebam do que precisam.

Complementando seu lado criativo, o ecossistema de growth da Amazon também consolidou a companhia, segundo pesquisa, como a 2ª marca mais valiosa do mundo, atrás apenas da Apple.

Ao ser capaz de equilibrar com sucesso as duas dimensões da ambidestria organizacional, a organização construiu uma vantagem competitiva sustentável que se tornou prática recomendada nos mais diversos setores do mercado.

Lições de liderança ambidestra para o seu negócio

Ser uma organização ambidestra tem, antes de tudo, a ver com a atitude das lideranças. Afinal, ela precisa ser vivida em toda a companhia: cada colaborador tem que se tornar um protagonista desse processo, abraçando as novas oportunidades e desafiando o status quo.

O papel do líder, nesse contexto, é oferecer os recursos necessários para que suas equipes saiam da execução meramente passiva e se tornem elementos proativos com mentalidade de ambidestria em todas as situações em potencial.

Além disso, os diferentes tipos de inovação podem e devem coexistir. Segundo artigo da pesquisadora Teresa Amabile, existem muitos comportamentos que matam a ambidestria das organizações e que devem ser evitados, tais como:

  • Equipes homogêneas;
  • Líderes e gestores com pouco ou nenhum conhecimento de seus funcionários;
  • Viés de criticidade ou negatividade em relação a novas ideias;
  • Um ecossistema organizacional que mata a criatividade;
  • Falta de uma rede de segurança para erros ou a falta de valor colocado na falha;
  • Pouca motivação intrínseca, com alto desempenho apenas através de recompensa monetária;
  • Falta de compartilhamento de soluções para resolução de problemas;
  • Falta de valorização do conhecimento de áreas díspares;
  • Criar um clima de medo em relação à discussão de novas ideias;
  • Controle rigoroso de recursos (quando desnecessário);
  • Entre outros.

Assim, o líder precisa ser igualmente hábil em operar de maneira ambidestra para intervir e assumir o comando quando necessário, mas também dar um passo atrás e deixar que os outros tomem as decisões sempre que possível, considerando o contexto de negócios da sua companhia, sua história, trajetória de desenvolvimento, desafios futuros e metas estratégicas.

Ambidestria organizacional: o que são? | Blog G4
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