Profissionais T-Shaped e a Era da Ansiedade
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Profissionais T-Shaped e a Era da Ansiedade

Profissionais T-Shaped e a Era da Ansiedade

Por:
G4 Educação
Publicado em:
13/7/2021

Nascemos bombardeados de informações. Porém, tudo é muito novo e complexo para se assimilar. A nossa jornada de experiências nos nutre com uma série de conhecimentos e aprendizados. 

As várias experiências durante nossa vida são uma possibilidade constante de aprendizado e que formam uma teia infinita de informações.

Seguimos com um exemplo meramente ilustrativo: Formado em direito, sendo que advogados normalmente se especializam em alguma área de atuação. Então, imagine um advogado societário, de um grande escritório, que atua em temas de M&A, planejamento patrimonial, constituição de empresas, discussões societárias, e que se aventura na cozinha como uma possibilidade de aprendizado, realiza eventos para grande públicos, grandes shows e ainda se tornou sócio de uma empresa de proteção veicular. Existe alguma conexão entre todos estes pontos? 

Claramente, são profissionais multidisciplinares e que possuem características do que muito tem se falado: o perfil T-Shaped. Essa abordagem, ainda que nos dias atuais, ganha novos capítulos a cada dia.

Quantas experiências e aprendizados são possíveis durante essa jornada? É possível mudar de rota? Errar é o fim da linha? Quando mudar? Por quê?

Diante dos exemplos levantados, como entender o que o mercado vem exigindo dos profissionais? Como se capacitar para atender diferentes demandas e exigências? Se escolhermos um caminho, temos que eliminar a outra possibilidade? Ou elas podem funcionar de maneira concomitante? 

O profissional T-Shaped

O termo vem da palavra inglês shape, que significa forma, modelo, estrutura. Já a letra “T” conta com uma configuração na qual as duas retas se unificam para formar uma terceira. O eixo horizontal representa o conhecimento amplo, multidisciplinar do profissional, abrangendo uma série de habilidades no que diz respeito ao mercado, que possam impactar sua função na empresa, sendo capaz de transitar por várias áreas. Já o eixo vertical diz respeito ao conhecimento específico, técnico. 

Segundo a Universidade de Harvard, o profissional T-Shaped equilibra sua habilidade em colaborar e inovar em diferentes disciplinas com o mergulho e a habilidade em uma área específica de conhecimento. O mesmo texto caracteriza esse profissional com uma forte habilidade de se colocar no lugar dos outros, escutá-los ativamente e criar soluções baseadas em suas ideias. Podemos chamar essa categoria de profissionais generalistas com uma especialidade.

Traduzindo de forma livre, uma análise de Jason Yip, líder de produto do Spotify:

“Pessoas T-Shaped podem fazer mais com o mesmo número de pessoas ou fazer o mesmo que era feito com um número menor de pessoas.”

Além disso, Jason Yip também traz a capacidade de facilitação e de ser empático com as aptidões do outro. 

O mercado tem visto os T-Shaped de forma valiosa, principalmente empresas ligadas a inovação, pois condiz com um perfil que é mais flexível para mudanças na empresa, adaptável para novos desafios e com um ritmo de aprendizado constante e acelerado. Porém, tem-se identificado como maior problema deste grupo: um foco menor de execução. É um perfil que apresenta melhor performance em posições estratégicas e com maior demanda pelas soft skills.

O campeão de tênis Roger Federer: capacidade atlética e coordenação motora elevaram sua habilidade nas quadras (Crédito: Reprodução/Instagram)

Case de sucesso

O livro de David Epstein “Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas”, traz uma abordagem bastante rica sobre experiências profissionais, o desenvolvimento em diferentes áreas e os pontos relevantes de uma visão estratégica.

Em um trecho do livro, David compara Tiger Woods, o melhor golfista de todos os tempos, e Roger Federer, o tenista recordista de títulos de Grand Slam e para muitos o melhor jogador de todos os tempos. A ideia levantada pelo autor é de duas crianças que tiveram formações diferentes pelos seus pais, mas que nada impediu que ambos se tornassem lendas nos esportes que praticam.

Mas há uma diferença: Tiger Woods nasceu e ganhou um miniprotótipo de taco do pai antes de completar 1 ano de vida. Treinava mais de 8 horas por dia para se tornar o maior jogador da história do golfe já vista no planeta. Seu pai não tinha dúvidas que o sucesso era questão de tempo.

Do outro lado, Roger Federer jogou bola, squash, esqui, luta livre, natação e skate. Jogou basquete, handebol, tênis de mesa e por fim, o tênis. Mais tarde ele diria que todos os esportes que praticou o ajudaram a desenvolver sua capacidade atlética e a coordenação motora. Já na idade adulta, atingiu o ápice na carreira de tenista e deixou claro que a definição de um esporte de maneira tardia não era um problema, mas sim um benefício

No livro, há um trecho bem interessante: 

“Parece bastante incomum que uma criança com pais “displicentes” e que começou a jogar sem levar o esporte muito a sério tenha se transformado em um homem que domina o tênis como ninguém. Ao contrário de Tiger, milhares de crianças tiveram uma vantagem inicial sobre Roger. A incrível educação de Tiger aparece com destaque em uma série de livros best-sellers sobre o desenvolvimento da especialização, um dos quais foi um manual voltado para ser escrito por Earl, pai dele. 

O menino não estava apenas jogando golfe. Estava envolvendo-se na “prática deliberada”, o único tipo que conta na agora onipresente regra das 10 mil horas de experiência. A regra representa uma hipótese de que o número de horas acumuladas de treinamento altamente especializado é o único fator no desenvolvimento de habilidade, seja qual for a área.”

Os futuros representantes da performance de elite costumam dedicar menos tempo desde cedo à prática deliberada da atividade, na qual acabarão se tornando especialistas. Em vez disso, passam pelo que os pesquisadores chamam de “período de experimentação”. Praticam vários esportes, em geral em um ambiente não estruturado ou levemente estruturado; ganham uma ampla habilidade de proficiências físicas que podem usar, aprendem sobre suas próprias competências e inclinações, e apenas mais tarde se concentram e aumentam a prática técnica em uma área.

Para alguns especialistas, a “especialização tardia” seria a chave para o sucesso. 

A grande inovação acontece com mais frequência quando um estranho, que pode estar longe da área primária do problema, reformula a questão de maneira a desbloquear a solução. O conhecimento é uma faca de dois gumes. Ele permite que você faça algumas coisas, mas também o torna cego para outras questões com as quais você poderia lidar.

Neste caso, ter uma visão ampla, fora da nossa bolha, permite enxergar resultados diferentes e fora dos padrões. Esta pluralidade de conhecimentos é algo que tem sido constatado de maneira mais evidente nos dias atuais.

Os generalistas ganham destaque no mercado

Para Kleber Santiago, sócio da Directa Consultoria Empresarial, o generalista possui uma visão ampla de tudo que acontece à sua volta. É extremamente antenado e possui características fundamentais para um profissional de sucesso. 

O mercado demanda cada vez mais por profissionais com visão macro do mundo e capazes de relacionar diversos elementos que envolvam pessoas, materiais, recursos disponíveis e indisponíveis, onde se conheça cada área e setor da empresa e que esteja sempre disponível para atuar onde for necessário. É importante ter criatividade, flexibilidade, ser comunicativo, despojado de preconceitos e hábil negociador. Precisa também ter espírito crítico, saber ouvir mais do que falar, possuir raciocínio lógico aguçado, ter facilidade com números e ser dotado de elevado senso de justiça. São essas características fundamentais para uma pessoa generalista, explica.

Fernando Henrique da Silveira Neto, especialista em desenvolvimento gerencial, acredita que os especialistas são extremamente bons naquilo que fazem, no entanto não demonstram flexibilidade. Muitas vezes as empresas necessitam que uma só pessoa resolva mais de um problema, e é nesse momento que o generalista entra em ação.

Hoje nós definimos esse tipo de profissional como generalista, mas eu diria que são pessoas que possuem um conhecimento a mais, que não entende apenas do seu trabalho, mas sim de diversas outras áreas. Hoje uma empresa monta um grupo de trabalho com pessoas de finanças, recursos humanos, informática e tecnologia, por exemplo, e se esses profissionais são muito especializados e não se interessam por nada além daquilo que executam, eles não conseguem conversar entre si. E isso é muito comum no dia a dia das empresas, pois muitos especialistas acabam indo para sua área de conforto.

As consequências de uma sociedade imediatista

Toda essa informação disponível e o desafio de escolher onde e como atuar profissionalmente têm trazido cada vez mais ansiedade para uma geração imediatista e que pouco sabe esperar. Na era do “pra ontem”, etapas são esquecidas ou avançadas sem a maturidade necessária. Se preparar e capacitar diariamente é um caminho que requer tempo e paciência. 

Ansiedade é, acima de tudo, um tema de grande complexidade, já que suas causas, sintomas e consequências costumam variar de acordo com as particularidades de cada indivíduo.

Ao longo da última década, novas variáveis passaram a ser objeto de investigação como possíveis influenciadores de pressão sobre a mente humana. Deste estudo foi possível constatar que a ansiedade é fator determinante na performance dos profissionais. Aliado a isso, a pressão por resultados, a falta de clareza nas funções a serem exercidas e a ausência de liderança tornam essa questão bastante complexa.

O estudo realizado pela MindMiners ouviu 550 pessoas, e traçou um cenário interessante sobre o mercado de trabalho, profissionais e a relação com a ansiedade. Cerca de 60% dos respondentes se autodeclararam ansiosos e mais de 80% acreditam que a sociedade atual apresenta um alto grau de ansiedade.

O Brasil lidera uma dura estatística: temos a maior taxa de portadores de distúrbios relacionados à ansiedade no mundo. O fato de vivermos num país com alta instabilidade e problemas diversos pode impactar nosso nível de ansiedade? Alguns indicadores apontam que sim. Como segundo item que mais gera ansiedade está a crise econômica e o desemprego.

Seguindo essa linha, a ansiedade por realização profissional, a busca por atingir o topo rapidamente e “pulando etapas” de aprendizado, tem formado profissionais que geram pouca entrega dentro das empresas, baixa sinergia e identificação com a cultura da empresa e mudanças constantes de cargo/trabalho, na busca incessante pelo crescimento e realização.

Essa gana por estar sempre antenado e saber de tudo um pouco, essa competição consigo mesmo e com os outros em digerir todas as informações, refletem na geração millennial. O perfil T-Shaped acaba traçando um profissional com tanta sede que se confunde na execução, mas se destaca em volume de conhecimentos gerais. Enxerga-se um conflito entre o saber “de tudo um pouco” e a velocidade com que tudo passa. Simultaneamente, existe um mundo de possibilidades e habilidades sociais mais afloradas. As oportunidades de aprendizado surgem constantemente, e devemos analisá-las de maneira pontual, entendendo quais ganhos representarão em nossa vida pessoal e profissional.

Como diria Robert Kiyosaki: 

“Você se torna o que você estuda”.

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