Entrevista com Stelleo Tolda, ex-presidente e cofundador do Mercado Livre
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Entrevista com Stelleo Tolda, ex-presidente e cofundador do Mercado Livre

Entrevista com Stelleo Tolda, ex-presidente e cofundador do Mercado Livre

Por:
G4 Comunidades
Publicado em:
17/4/2022

Stelleo Tolda, cofundador da maior empresa de tecnologia da América Latina – Mercado Livre - compartilha momentos marcantes de sua história e conta sobre sobre sua trajetória profissional, marcada por experiências de alto impacto e movimentos corporativos corajosos em prol da transformação do mercado.

Stelleo Tolda, natural do Rio de Janeiro, fundou, ao lado do argentino Marcos Galperín um dos negócios de maior sucesso da atualidade: o Mercado Livre.

Com toda a sua bagagem e expertise em inovação ocupa, desde 2020, o posto de CEO da companhia. Este ano, contudo, deixará o cargo a partir de abril para se tornar 'Assessor Estratégico' no Conselho da empresa.

Conheça mais sobre essa grande liderança nessa entrevista concedida à 3ª edição da Revista G4 Club.

Quem é o Stelleo Tolda? Como é sua vida além da carreira?

O Stelleo Tolda é um cara simples que gosta de aproveitar a vida com a família e com os amigos. Sou carioca, flamenguista, engenheiro mecânico de formação, apaixonado por empreendedorismo. Minha vida é baseada no equilíbrio entre o trabalho e a família. Aliás, equilíbrio é uma palavra importante para mim. Gosto de cuidar do corpo, da mente e do espírito.

Você começou sua carreira no mercado financeiro. Como foi a experiência e o que aprendeu durante esse período que leva ainda hoje?

Comecei minha carreira no Vale do Silício, trabalhando como engenheiro na Proxim, uma empresa que desenvolveu tecnologia para transmissão de dados sem fio com baixo consumo de energia. Estamos falando de uma época anterior à revolução da internet, quando o que dominava o Vale era o hardware. Quando voltei ao Brasil, por questão de doença na família, procurei emprego no setor de tecnologia, mas, na época, as melhores oportunidades estavam no mercado financeiro. Trabalhar em banco de investimento foi uma experiência transformadora. Além dos amigos que fiz, muito do que aprendi sobre o mundo dos negócios devo aos anos de mercado financeiro.

Como conheceu o Marcos Galperín? Como esse encontro mudou sua trajetória profissional?

Conheci o Marcos no curso de MBA de Stanford. A turma era relativamente pequena e o grupo dos alunos latino-americanos era muito unido. Jogávamos futebol, fazíamos festas e sempre nos juntávamos em rodas para contar histórias. Me lembro de algumas matérias que fizemos juntos, como Macroeconomia e Finanças Corporativas, e nos sentávamos um ao lado do outro. Numa ocasião, nos encontramos por acaso na biblioteca. Era quarta-feira, o dia em que não tínhamos aula. O Marcos frequentava o campo de golfe de Stanford nesses dias e achei inusitado ele estar ali.

Quando perguntei o que estava fazendo, ele disse que estava pesquisando dados de mercado com o objetivo de lançar uma empresa de internet na América Latina. Mal sabia que naquele momento seria a primeira vez que ouviria falar do Mercado Livre.

De fato, esse encontro mudou para sempre minha trajetória profissional, pois alguns meses depois, já com o curso terminado, me juntei ao Marcos para lançar o Mercado Livre no Brasil.

Como começou o Mercado Livre? E quais foram as maiores dificuldades no início?

Começamos numa garagem de um edifício comercial em Buenos Aires. Alugamos duas vagas, colocamos paredes de gesso para delimitar o espaço e montamos algumas mesas de escritório. Quando lançamos no Brasil, três meses depois, já tínhamos levantado recursos para alugar uma sala num edifício na região da Berrini em São Paulo.

Tanto na Argentina, quanto no Brasil, o começo foi literalmente do zero. O comércio eletrônico estava engatinhando, a própria internet era uma novidade, pois apenas 3% da população tinha acesso. Tivemos que evangelizar vendedores para convencê-los a trazer seus produtos para vender no site.

Nos faziam perguntas básicas sobre como receberiam pelas vendas e como fariam para entregar seus produtos aos consumidores. Muitos duvidaram que o marketplace funcionaria e, principalmente, que poderiam ganhar dinheiro com ele.

Você é conselheiro de duas empresas de educação, Stanford e Arco Educação. Como chegou nesse posto e qual a importância da atuação de um conselho para grandes empresas?

Na Stanford GSB, cheguei não só por ser ex-aluno, mas sobretudo pelo meu engajamento com a comunidade e pelo meu interesse em educação. O lema da GSB é “transformar vidas, transformar organizações, transformar o mundo”. Acredito não haver forma mais nobre de transformação senão através da educação. Sou exemplo vivo disso. Já na Arco, fui apresentado por uma consultoria ao Ari de Sá Neto, CEO e fundador da empresa. Nos entendemos muito bem, desde a primeira conversa, por compartilharmos os mesmos valores. 

O conselho tem um papel muito importante, principalmente quando se trata de empresas de capital aberto como a Arco. Os conselheiros têm responsabilidade fiduciária, representando os acionistas da empresa e zelando por seus interesses. De forma prática, o conselho pode ser um grande aliado da gestão da empresa, ajudando em questões estratégicas e desafiando a buscar sempre a excelência na execução.

(Na imagem: Stelleo Tolda no G4 Club)
(Crédito: G4 Educação)

Há alguns anos, algumas pessoas desconfiavam do e-commerce (loja virtual) e também da compra no Mercado Livre. Qual foi a estratégia adotada para transmitir mais confiança aos consumidores?

Há mais de 20 anos investimos e trabalhamos para manter nossos ambientes seguros para os usuários e para as marcas que são comercializadas ali. A confiança é consequência natural do resultado desse trabalho, que envolve milhões de dólares investidos a cada ano em tecnologia e equipes espalhadas por toda a América Latina. O combate a fraudes e à venda de produtos proibidos, piratas ou falsificados gera impacto na experiência dos nossos usuários. São eles que alimentam essa percepção positiva, antes mesmo de qualquer comunicação nossa. 

Temos um intenso trabalho de formalização de vendedores, contribuindo para a legalidade de todas as atividades que eles realizam em nossa plataforma, gerando oportunidades e renda. A formalização, inclusive, é uma das principais formas pelas quais contribuímos para a retomada da economia e para o desenvolvimento socioeconômico, assim como contribuímos em âmbito fiscal, um dos aspectos que posiciona a empresa como um dos maiores e propulsores motores de desenvolvimento do comércio no Brasil. Somente em 2020, por exemplo, o Mercado Livre gerou seis novos empregos por hora, se consolidando como o principal meio de geração de renda para cerca de 900 mil famílias da América Latina.

Quais foram os maiores investimentos do Mercado Livre nos últimos anos? Por quê?

O Mercado Livre tem crescido de maneira acelerada no Brasil e na região como um todo. Para impulsionar e direcionar essa expansão, investimos cada vez mais na nossa gente e na nossa operação, sobretudo nas áreas de tecnologia, logística e, claro, na nossa fintech, o Mercado Pago. 

Somente no ano passado, investimos R$10 bilhões no Brasil, o equivalente à somatória dos aportes feitos entre 2017 e 2020, quando a nossa operação de logística própria ganhou tração. Além disso, sem sombra de dúvida, as nossas equipes também recebem boa parte dos nossos investimentos e atenção. Nos últimos 10 anos, saltamos de cerca de 600 colaboradores no Brasil, em 2012, para mais de 12 mil pessoas ao final de 2021. 

Quando olhamos para os negócios, para commerce por exemplo, investimos em novas categorias, como supermercados, e em novas experiências, como o Mercado Livre Live, uma plataforma para comunicar nosso sortimento (portfólio de produtos) e oferta de maneira inovadora. Ao olhar para o Mercado Pago, inovamos ao oferecer investimento em criptomoedas no país, onde também lideramos a agenda de open finance e serviços inovadores atrelados à nova modalidade de pagamentos via PIX. Investimos ainda em importantes frentes institucionais, a exemplo da nossa política ESG. No ano passado, emitimos um título verde, no valor de US$400 milhões, que está sendo investido em uma série de iniciativas como mobilidade elétrica, energias renováveis e materiais sustentáveis.

Enquanto várias empresas sofreram com a pandemia, o mercado livre teve recorde de crescimento. Qual foi a estratégia de investimento adotada e como manter esses números com a volta dos consumidores às ruas? 

A escalada da pandemia trouxe o consumidor definitivamente para o mundo online e acelerou o processo de transformação digital. Em média, a cada 10 compradores, seis aumentaram as aquisições online no período e 2 compraram na internet pela primeira vez. Além disso, a pandemia também fez com que o consumidor ficasse ainda mais exigente e com uma expectativa ainda maior de receber as suas compras cada vez mais rápido. 

Os investimentos que realizamos no Brasil, antes mesmo de 2020, nos permitiram estar preparados para atender essa demanda. Somado a isso, os investimentos que aportamos no período, sobretudo na nossa rede logística, garantiram a rápida expansão e experiência dos nossos usuários. Alcançamos resultados recordes de NPS (Net Promoter Score), indicador que mede o nível de satisfação do cliente. Mesmo com o avanço da vacinação e retomada parcial das atividades presenciais, os brasileiros seguem utilizando o comércio digital, como mostram pesquisas do setor e os nossos resultados financeiros. Mesmo aqueles que voltaram a comprar em loja física, ou pelo menos a grande maioria, ainda mantém as compras online.

Para se ter uma ideia, atualmente, nossa plataforma registra 32 compras por segundo. Em 2020, eram menos de 20 compras por segundo.

A concorrência no mercado de e-commerce é forte, mas tanto no Brasil como em outros países ainda há espaço para crescimento. Quais estratégias o mercado livre usa para se manter líder nesse mercado? 

O Mercado Livre é uma empresa de tecnologia, por isso, a inovação é primordial para a nossa estratégia e faz parte dos valores da empresa. Parte do nosso DNA, foi a partir dela que nos tornamos líderes do comércio eletrônico e serviços financeiros digitais na América Latina. Ao investir diariamente em tecnologia e inovação, é possível analisar as múltiplas possibilidades de evolução do nosso ecossistema. 

As nossas equipes, cada vez mais diversas e multidisciplinares, reforçam esse olhar, espelhando a diversidade dos nossos usuários e permitindo inovar para atender as atuais e futuras demandas. Quero destacar aqui o forte investimento que estamos fazendo em machine learning e em inteligência artificial, pois acreditamos que sejam fatores-chave para o Mercado Livre, tanto na promoção da melhor experiência ao usuário, como na geração de impacto para o nosso negócio, fortalecendo nossa missão na democratização do acesso ao comércio e ao dinheiro. 

A inteligência artificial está otimizando a gestão de dados com o objetivo de aprimorar ainda mais a jornada de compra no e-commerce, seja via aplicativo ou site. Como exemplos, podemos citar: a categorização de produtos, a moderação dos conteúdos dos itens ofertados pelos vendedores, o cálculo do custo e prazo de entrega, a autenticidade e a avaliação dos vendedores, além das recomendações de produtos associados a pesquisas, interesses e compras dos clientes. 

Já o uso de machine learning aplicado ao Mercado Envios tem permitido ampliarmos nossa capacidade de prever vendas futuras de cada item que entra em nossos centros de distribuição fulfillment (responsável por agrupar todas as operações cruciais para atender às necessidades do consumidor), garantindo a disponibilidade dos produtos com maior demanda. Permite ainda que o produto escolhido esteja armazenado no centro de distribuição mais próximo da casa do consumidor, reduzindo o tempo de entrega; prever quando a entrega chegará em cada endereço. Apoiados pela tecnologia, estamos impulsionando um ecossistema confiável, ágil e centrado nas pessoas, que promove o desenvolvimento sustentável nos contextos sociais, econômicos e políticos dinâmicos.

A experiência do cliente em uma loja física é muito mais tangível. Como hoje acontece o CX do mercado livre? Tem alguma história ou case da empresa? 

As tecnologias impulsionaram a relação entre consumidores e marcas. Como dito anteriormente, a inteligência artificial tem sido uma importante aliada estratégica para construir uma melhor jornada e experiência do cliente, contribuindo para sua retenção e fidelização, assim como para a ampliação dos resultados e da satisfação dos vendedores da nossa plataforma. 

Além da otimização dos processos, da automação e da autogestão, seguimos fortalecendo constantemente nossa estrutura e nosso time de CX, assim como a interação com outras áreas da companhia, para desenvolver soluções a fim de melhorar a jornada do cliente como um todo, incluindo o pós-venda que é tão relevante para a fidelização dos usuários. 

Destaco que, entre janeiro de 2016 e julho de 2021, o número de colaboradores diretos do Mercado Livre focados no atendimento ao cliente saltou de 373 para 1.669, o que representa um crescimento de mais de 400%. No caso de colaboradores terceirizados, que apoiam o atendimento ao cliente da companhia, foram contratadas cerca de 3.200 pessoas somente entre 2020 e 2021. 

Um case legal é o do Reclame Aqui, onde a nota do Mercado Livre saltou de 6,44, em maio de 2020, para 7,61 em agosto de 2021, comprovando o resultado do investimento da empresa no atendimento de qualidade aos seus clientes no Brasil. Na Black Friday de 2021, um dos períodos mais importantes para nós, implementamos uma nova estrutura de atendimento, antes e durante a data promocional, que incluiu mais de um 1/3 de todos os nossos colaboradores que atuam no atendimento a clientes no Brasil. Ao todo, eram cerca de mil profissionais exclusivamente dedicados a solucionar dúvidas e eventuais reclamações dos usuários.

São as pessoas que formam e direcionam o crescimento de qualquer empresa. Como vocês buscam os melhores e quais são suas características?

Buscamos pessoas que se identifiquem com a nossa cultura e que tenham espírito empreendedor. Para atrair, desenvolver e reter os melhores talentos, pensamos em todo o processo e investimos em programas de desenvolvimento, benefícios exclusivos, atendendo aos mais diversos momentos e contextos familiares dos nossos colaboradores. 

Queremos cocriar o melhor lugar para trabalhar no Brasil e na América Latina com base em uma cultura empreendedora, que promove e valoriza a inclusão e a diversidade. O Mercado Livre está entre as 10 melhores empresas para trabalhar no Brasil, sendo a melhor para as mulheres no país, e está entre as 4 melhores da América Latina.

(Na imagem: Stelleo Tolda no G4 Club)
(Crédito: G4 Educação)

O mercado livre possui mais de 12 mil funcionários. Como manter a cultura organizacional numa empresa desse porte? Qual é a principal característica da cultura?

Apesar do momento desafiador, seguimos crescendo e apoiando a reconstrução econômica do país ao gerar renda para muitos empreendedores e oportunidades para diferentes profissionais. Encerramos 2021 com mais de 12 mil colaboradores diretos no Brasil, quadro três vezes maior na comparação com 2020. 

Os nossos programas de educação e formação profissional, que realizamos em todas as regiões do país, aceleraram esse processo e trouxeram ainda mais diversidade para as nossas equipes. Reforço que um dos nossos princípios culturais, “damos o máximo e nos divertimos”, é vivido diariamente, seja por meio dos líderes, que se empenham em construir ambientes de trabalho leves e saudáveis, e por meio dos nossos programas de bem-estar. O investimento no bem-estar dos colaboradores é um fator extremamente importante e isso se reflete diretamente nas suas atividades diárias, além de motivar o crescimento e o seu desenvolvimento aqui no Mercado Livre.

Como os empresários devem se preparar para as eleições brasileiras esse ano? Como o Mercado Livre está lidando com isso?

Acompanhar o cenário político faz parte da gestão de qualquer negócio, o que é ainda mais relevante no período eleitoral, que é uma grande celebração à democracia. No Mercado Livre, seguimos firmes em nossa postura agnóstica quanto ao cenário político-partidário. Acreditamos no Brasil, onde estamos há mais de 23 anos, e seguimos nossa missão de gerar progresso em escala e com visão de longo prazo.

Estamos preocupados em investir e crescer, gerando impacto positivo e transformando as vidas das pessoas.

Qual o seu livro de cabeceira? E como você o aplicou na sua vida?

Não tenho um único livro de cabeceira. Gosto de ler biografias de empreendedores, além de livros de negócios. Mas o que realmente me enche os olhos são os livros de literatura que me levam para contextos diferentes do meu dia a dia do mundo de negócios. São muitos livros e autores dos quais gosto, mas se tivesse que escolher apenas um seria “Os Irmãos Karamazov”, a obra prima de Fyodor Dostoevsky. Diria que a principal aplicação da literatura é elevar meu espírito, contemplar a vida que existe além da tecnologia.

Nossa missão é gerar 1 milhão de empregos até 2030 através dos nossos alunos. Qual é a missão do mercado livre? E a sua missão pessoal?

Seguimos com a nossa missão de democratizar o comércio e os serviços financeiros no Brasil e na América Latina, para que cada vez mais pessoas e empresas possam comprar, vender, pagar, anunciar e enviar produtos por meio da internet. Somos a escolha da maioria dos brasileiros, vamos sempre honrar esse voto de confiança. Minha missão é a missão do Mercado Livre e, quando falamos de democratizar, isso vai além da digitalização. Estamos falando sobre abrir oportunidades para as pessoas e essa é a nossa contribuição.

Por fim, acredito que a tecnologia, assim como a educação, tem o poder de transformar vidas.

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