Por que Bob Iger voltou a ser CEO da Disney?
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Por que Bob Iger voltou a ser CEO da Disney?

Por que Bob Iger voltou a ser CEO da Disney?

Por:
Amanda Moura
Publicado em:
23/11/2022

Bob Iger retorna a Disney como um verdadeiro herói. Com um legado triunfante e uma coleção de aquisições memoráveis, a expectativa é que, ao voltar, possa melhorar os ânimos dos investidores e do mercado em relação à empresa - com o desafio de construir o futuro sem se prender ao passado.

“A cultura da Disney vai destruir a Pixar!”, “Wall Street vai odiá-lo.”,“Seu conselho nunca vai deixar você fazer isso.” Esses foram alguns dos contras sinalizados por Steve Jobs quando se reuniu com Bob Iger para discutir a compra da Pixar pela Disney, e mesmo com o descontentamento claro do fundador da Apple com a empresa, ambos chegaram a um acordo.

A fim de convencer o conselho da Disney, Iger foi simples e direto quanto a sua visão da empresa naquele período e o que ele acreditava que a Disney Animation poderia se tornar ao se juntar a potência criativa que era a Pixar.

Embora a divisão de animação da Disney tivesse vivido um passado glorioso, com títulos como “A Pequena Sereia”, “A Bela e a Fera”, “Aladdin” e “O Rei Leão”, os tempos haviam mudado, e sucessos moderados como “O Corcunda de Notre Dame”, “Mulan”, “Tarzan” e “Lilo & Stitch” não poderiam trazer de volta o magia do estúdio. 

A aquisição é um exemplo representativo da gestão que durou cerca de 15 anos, afinal, em um de seus primeiros movimentos como CEO, Bob Iger conseguiu convencer Steve Jobs e o conselho da Disney de que a compra era o único caminho possível para ambos os negócios.

Bob Iger, CEO da Disney, em aula do Masterclass (Crédito: Reprodução/YouTube)
“O futuro da empresa está aqui e agora, está em suas mãos. Como a Disney Animation vai, assim vai a empresa. Foi verdade em 1937 com Branca de Neve e os Sete Anões e em 1994 com O Rei Leão, e não é menos verdade agora. Quando a animação sobe, a Disney sobe. Nós temos que fazer isso. Nosso caminho para o futuro começa aqui, esta noite.”
Bob Iger, CEO da Disney em artigo na Vanity Fair

Anos depois dessa negociação, a volta de Bob Iger à Disney tem sido apontada como o maior evento desde a volta do próprio Jobs a Apple - inclusive para Tallis Gomes, fundador e mentor do G4 Educação e Easy Taxi, que acredita que o CEO é uma das escolhas cruciais para o funcionamento pleno de qualquer negócio. 

Contextualizando: a primeira passagem de Bob Iger pela Disney

Em 2006 o acordo entre Disney e Pixar foi concretizado por US$7,4 bilhões e marcou o início de uma série de aquisições chave para a empresa, todas sob o comando de Iger:

  • Aquisição da Pixar Animation Studios (2006) por  US$7,4 bilhões
  • Aquisição da Marvel Entertainment (2009) por US$ 4 bilhões
  • Aquisição da Lucasfilm, dona da franquia Star Wars (2012)  por US$ 4 bilhões
  • Aquisição da 21th Century Studios e outras propriedades da Fox (2018) por US$ 71,3 bilhões

Além disso, ele esteve à frente da empresa na abertura da Disney em Shanghai (2016), e no lançamento do Disney+ em 2019.

De 2005 a 2020, Iger construiu um legado memorável e suas habilidades convenceram peças chave que confiaram em sua gestão ao longo desses 15 anos - Wall Street, os acionistas e o conselho da Disney, confiança que em grande parte, se deu pelo crescimento que suas decisões proporcionaram à empresa.

Nesse período, a Disney alcançou um valor de mercado de US$ 200 bilhões e os retornos atualizados aos acionistas foram de mais de 14%, bem acima da concorrente Comcast e do mercado de ações mais amplo.

Em 2020, Iger deixou o cargo de CEO e encontrou seu sucessor - Bob Chapek, e continuou como presidente do conselho até 2021, quando se aposentou.

Chapek, que até então havia se destacado ao gerenciar os parques da Disney, permaneceu no cargo por menos de três anos, e diferentemente de seu antecessor, teve uma passagem conturbada pela empresa.

A passagem de bastão de Iger para Chapek e os problemas que sucederam o movimento

Segundo artigo do The Hollywood Reporter,  a possibilidade de substituir Chapek começou a ser comentada pelo conselho ainda em junho, mas mesmo entre pessoas do alto escalão, poucas sabiam da decisão de trazer Bob Iger até a noite de domingo (20/11).

Mesmo que alguns executivos tenham se mantido ao lado de Bob Chapek, incluindo a presidente do conselho, Susan Arnold -, algumas de suas decisões foram questionáveis e o cenário pandemico que enfrentou logo que assumiu a função  não deixou sua gestão mais fácil. 

Embora Chapek tenha feito alguns avanços notáveis em sua gestão - principalmente voltados ao Disney+ e parques temáticos, não foram suficientes para mantê-lo no comando da companhia. 

A seguir, separamos alguns acontecimentos chave que contribuíram para o desligamento de Bob Chapek como CEO da Disney - cargo que ocupou por menos de três anos:

#1 - Conflito com Scarlett Johansson 

No final de julho, uma das estrelas de “Vingadores”, Scarlett Johansson abriu um processo contra a Disney alegando que a empresa havia violado seu contrato ao lançar o filme solo de sua personagem “Viúva Negra” no Disney+, o que teria afetado o acordo de lançá-lo amplamente nos cinemas - naturalmente diminuindo sua remuneração baseada na bilheteria.

Scarlett Johansson interpretando Natasha Romanoff, no filme “Viúva Negra"
(Na imagem: Scarlett Johansson interpretando Natasha Romanoff, no filme “Viúva Negra”  (Créditos: Disney/Divulgação)

De acordo com a Disney, ela cumpriu o acordo lançando o filme em 9.000 cinemas nos Estados Unidos, afirmando que o filme havia superado outros lançamentos. O processo ainda está em andamento, e na ocasião, Chapek disse:

“Temos um acordo concebido sob um certo conjunto de condições que na verdade resulta em um filme que está sendo lançado em um cenário completamente diferente, então há um pouco de redefinição acontecendo agora e, finalmente, vamos pensar sobre à medida que fazemos nossos contratos de talentos futuros e planejamos isso e garantimos que isso seja incorporado.”
Bob Chapek, ex-CEO da Disney

O processo abriu uma série de episódios que colocariam o então CEO, à prova.

#2 - Questões políticas

Os parques temáticos do Walt Disney World ficam na Flórida, palco de uma polêmica envolvendo a formulação de uma lei estadual e o posicionamento da Disney a seu respeito.

A lei visa proibir discussões em sala de aula sobre orientação sexual e identidade de gênero em determinadas séries, e uma das grandes questões foi a demora de Chapek para se posicionar. Quando a Disney finalmente o fez - se opondo a lei, um governador disse que tentaria privá-la de alguns privilégios que possui no estado. 

A demora de Chapek para se agir, no entanto, foi o que acabou trazendo danos à marca, já que seus parques são palcos de um evento da comunidade LGBT desde 1991, e embora a empresa nunca tenha endossado oficialmente o evento de quatro dias, nunca fez nada para impedi-lo e os participantes compram ingressos normalmente.

Mesmo que a Disney não patrocine ou promova a ação, a Disney World oferece cenários com temas de Orgulho LGBT para mídias sociais e a divisão de Parks e Resorts comemora o mês do Orgulho LGBTQ+ vendendo mercadoria com arco-íris e sobremesas temáticas.

Em 2022, pela primeira vez, a empresa doará os lucros das vendas desses produtos para organizações que apoiam a juventude LGBT.

#3 - Demissão abrupta de Peter Rice, presidente de entretenimento e programação

Peter Rice foi contratado em 2019, logo após a Disney fechar o acordo com a 21st Century Fox, e a decisão de demiti-lo veio do próprio Bob Chapek em junho de 2022.

Após ouvir feedbacks de outros colaboradores, Chapek alegou que Rice não se encaixava na cultura da Disney, trabalhando com foco em controlar seu “próprio feudo”, monopolizando informações e deixando o trabalho colaborativo em segundo plano, de acordo com artigo da CNBC.

Para substituí-lo imediatamente, Bob Chapek optou por Dana Walden, que de acordo com um comunicado oficial, parecia preencher os requisitos valorizados pelo então CEO.

“Dana é uma líder dinâmica e colaborativa, e uma força cultural que em apenas três anos transformou nosso negócio de televisão em uma potência de conteúdo que oferece consistentemente o entretenimento que o público deseja.”
Bob Chapek, ex-CEO da Disney

 Mesmo que tenha ocorrido de maneira abrupta, o conselho apoiou a decisão de demitir Rice.

#4 - Lucratividade no streaming

Atualmente, a Disney é sustentada majoritariamente pela tv a cabo e pelos parques temáticos, e com o avanço do streaming e o lockdown durante a pandemia, grande parte desses lucros foram comprometidos, e restava a  Chapek continuar com os planos de Iger de investir no Disney+.

Embora o Disney+ tenha superado a Netflix em número de assinantes sob sua gestão, os desafios em torno da lucratividade é um problema conhecido no mercado de streaming, e que também atingiu a empresa.

Após perda de receitas e lucros, incluindo seus negócios de streaming, que chegou a perder US$ 1,5 bilhão no trimestre até 1º de outubro, o dobro do ano anterior. Com a notícia, o preço das ações da empresa caiu e a confiança em Chapek também, principalmente por parte do mercado, que viu milhares de dólares serem investidos na criação de conteúdos.

Embora obter lucros neste mercado seja um desafio, é possível, no entanto, não veremos isso acontecer sob o comando de Chapek: a expectativa é que o Disney+ se estabilize e se torne lucrativo em 2024, de acordo com The Washington Post.

serviço de streaming Disney+
Tela do serviço de streaming Disney+ (Crédito: Divulgação)

Até agora a empresa investiu cerca de US$ 9 bilhões no Disney+ e cerca de US$30 bilhões anualmente em conteúdo, entre eles, filmes campeões de bilheteria e programas de televisão e streaming.

#5 - Mudança na política de preços dos parques temáticos

Grande parte do sustento da Disney provém de seus parques e quando a pandemia forçou o fechamento, naturalmente, uma grande parte dos lucros também se foi, e mesmo após a reabertura, a frequência permaneceu abaixo dos níveis normais pré-pandêmicos.

Sob o comando de Chapek, a empresa adotou uma estratégia chamada “gerenciamento de rendimento” para tentar resolver o problema, e embora tenha funcionado, a estratégia foi impopular entre muitos visitantes regulares do parque.

A estratégia consistiu em aumentar os preços e passar a cobrar por serviços e funcionalidades que antes eram gratuitos, entre eles estão:

  • Estacionamento para certos portadores de passe anual 
  • Transporte para o aeroporto 
  • Pulseiras MagicBand (que serviam como combinação de chaves de quarto de hotel e passes de estacionamento);
  • Aumento no preço nos quartos de hotel, alimentos e mercadorias

Apesar disso, a maior mudança - e a mais lucrativa até agora - foi a introdução de um recurso de aplicativo chamado Genie+ que custa US$15 por pessoa além do preço da entrada. Embora apresente alguns benefícios inclusos, para evitar filas nas atrações mais populares e cheias, por exemplo, a um custo adicional de US$10 a 17. 

Apesar das críticas de fãs mais apaixonados e que possuem o famoso passe anual, em uma conferência com Wall Street, a Disney afirmou que metade dos visitantes dos parques pagam e usam o Genie+ e 70% dizem que planejam usá-lo em uma próxima visita. 

Com essa estratégia a empresa está menos focada  na quantidade de visitantes e interessada em maximizar o dinheiro gasto em cada visita, e a ideia é melhorar a experiência dentro dos parques para aumentar o ticket-médio - o que parece estar funcionando.

De acordo com a empresa, as visitas caíram 17% em comparação com o ano anterior, enquanto o gasto per capita dos hóspedes cresceu 17% - quase 3x a taxa média de crescimento anual durante a década passada.

Os portadores de passes anuais, por sua vez, podem continuar renovando seus passes, mas possuem menos dias disponíveis para visitas, menos benefícios gratuitos e também encontraram reajustes: a renovação anual aumentou 14% de US$ 1.399 para US$ 1.599.

Embora os chamados fãs leais - que em geral possuem o passe anual reprovem veementemente o aumento dos preços, a unidade de negócios que inclui parques temáticos registrou uma receita recorde de US$ 5,42 bilhões e receita operacional recorde de US$ 1,65 bilhão.

Apesar das críticas, a unidade que inclui os parques é uma das contribuições financeiras da gestão de Chapek, que viu a perda de bilhões no streaming e em outras unidades de negócios.

#6 - Relatório de lucros e descontentamento da equipe

Durante o comando de Chapek, o valor de mercado da Disney caiu mais de 40% (2022), atingindo o menor valor em 20 anos.

Um dos maiores responsáveis pela perda de quase ⅓ de valor foi o relatório de lucros do quarto trimestre, que apresentou perdas acima do que era esperado na unidade de mídia de streaming e em seus negócios diretos aos consumidores.

Enquanto isso, dentro da Disney, os ânimos não estavam melhores, e o descontentamento com o então CEO só crescia. Ao enviar um memorando sobre congelamento de contratações, demissões e outros cortes de custos, instaurou medo e ansiedade nos funcionários, com alegações de que o comunicado havia gerado surpresa até em cargos de alto escalão que não sabiam da decisão.

Quais são as expectativas com o retorno de Bob Iger?

Iger concordou em voltar ao cargo de CEO por mais dois anos, substituindo Chapek imediatamente. Em comunicado oficial, a empresa disse que encarregou o respeitado executivo de “colocar a Disney no caminho para um crescimento renovado", além de trabalhar junto ao conselho para achar um novo sucessor.

Espera-se que a atuação de Bob Iger vá de encontro com as expectativas dos investidores, que já pressionavam por mudanças.

Além de focar no crescimento sustentável da unidade de streaming de mídia, incluindo o Disney+, redução de gastos com conteúdo (principalmente no Disney+ e na rede esportiva de TV por assinatura ESPN) também são esperados, além de melhorias operacionais.

A Disney não é a única feliz com o retorno de Bob Iger. Com o anúncio, as ações da empresa subiram 9%,  reforçando sua influência e as relações fortes que cultivou com Wall Street, investidores e o próprio conselho.

Uma outra versão dessa história, conduzida por veículos como The Economist e The Information, o movimento deve ser acompanhado com uma euforia mais contida.

Embora a empresa tenha atingido um valor de US$200 milhões durante a gestão de Iger, quando seu protagonismo é analisado surgem dúvidas acerca de sua capacidade de preparar a empresa para sua saída - o que faz parte de qualquer cargo, principalmente o de CEO.

Afinal, um líder deve se preocupar em deixar a empresa funcionando do mesmo jeito ou melhor quando a deixa.

Considerando que Iger aparentemente não conseguiu preparar Chapek (que escolheu a dedo) para assumir seu papel, do ponto de vista estratégico e gerencial, há uma falha contundente - tão indiscutível quanto sua trajetória notável.

Embora haja outras questões envolvidas na demissão de Chapek - que para muitos era iminente -, a falta de diplomacia e a incapacidade de definir um posicionamento para sua própria gestão foi uma das maiores falhas durante seu mandato, que falhou em conseguir superar o estrelato de seu antecessor - principalmente para o mercado.

ações durante a gestão de bob iger e bob chapek
Gráfico da The Hustle mostra desempenho das ações da Disney sob o comando de Bob Iger e Bob Chapek (Crédito: The Hustle)

Ao trazer Steve Jobs e a Pixar novamente para o guarda-chuva da Disney, Iger afirmou que viu uma oportunidade de  provar sua capacidade de estar no cargo e relacioná-la com sua intuição e visão do que queria que a Disney se tornasse. Ele se lembrou de ter ligado para Steve Jobs e ter dito: eu tive uma ideia louca. 

O mundo mudou desde 2006, e as indústrias de cinema e tv a cabo que historicamente sustentaram a Disney estão em declínio, e a empresa sabe que está no meio de uma grande transformação, o que torna sua unidade de streaming de mídia a grande oportunidade da vez.

Embora a Disney acredite que Bob Iger saberá para quem ligar a fim de contar ideias loucas,  é preciso pensar com estratégia e a longo prazo - construindo uma rede capaz de fortalecer a cultura e o sucessor preparado para liderar a empresa que está em um mercado que passa por mudanças estruturais.

Em outras palavras, é necessário distribuir os telefones em todos os níveis da companhia. 

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