Alerta: esse conteúdo contém alguns gatilhos sobre saúde mental no trabalho e suicídio, mas é construído com a dignidade que o tema merece ser tratado, ainda mais em um mês de conscientização.
Essa é uma construção em homenagem ao Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção e conscientização contra o suicídio, mas deve transcender os dias que demarcam o mês no calendário e as jurisdições invisíveis do que delineiam o que é saúde mental e o impacto real e anímico que ela tem sob o ímpeto de uma pessoa.
Questão essa que não dá descanso, é full time job, e você precisa acordar todos os dias disposto a vestir a roupa de cuidar e nutrir.
Em 2019, fora realizada a última pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), sobre as taxas de suicídio e saúde mental ao redor do mundo. Naquele ano, foram registrados 15 mil casos de suicídio no Brasil e mais de 700 mil nos países que compunham a amostragem de pesquisa.
No tão (não) longevo 2019, 96,8% dos casos tinham relação com transtornos mentais. Depressão, transtorno bipolar e abuso de substâncias dominavam a lista de circunstâncias pelas quais levavam as pessoas ao suicídio.
Boom: bate a pandemia. Todos os aceleradores de gatilhos mentais invadiram a sociedade como uma tsunami. Um vírus letal, o aumento do luto e uma turbulência econômica, que levou a uma severa recessão. Mais: o isolamento prolongado, o desemprego e a falta de perspectivas, com o mundo fechado.
Os efeitos desse caldeirão foram generalizados: 51% dos entrevistados em uma pesquisa publicada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em outubro de 2020, disseram que a pandemia afetou negativamente diretamente algum aspecto de sua saúde mental.
Como respaldo à pesquisa da Cruz Vermelha, números reunidos pelo US Census Bureau mostraram que adultos com sintomas de transtorno de ansiedade ou depressão aumentaram de 36 pontos percentuais em agosto de 2020 para 42% em fevereiro de 2021.
Os números são alarmantes, mas também mais visíveis. A discussão acerca sobre saúde mental tornou-se mais comum na sociedade e, para além, no ambiente corporativo, sem tantos rodeios, constrangimentos e tabus.
Segundo um recorte entre profissionais do Reino Unido, feito por uma pesquisa da empresa Mental Health First Aid England, 32% dos entrevistados relataram se sentirem mais à vontade para falar sobre sua saúde mental no ambiente de trabalho desde o início da pandemia, se comparado com 14% da amostragem correspondente em meados de 2019.
Esses são alguns dados que, por um lado, ligam um alerta para a condição mental da população mundial, que historicamente vem se deteriorando em função de uma complexidade de exigências sociais; e por outro lado, escancaram também o quanto o tema vem sendo desmistificado e tratado com mais seriedade, uma obviedade tardia de uma sociedade que sempre negou o cuidar da própria psique.
É nesse cenário que o Setembro Amarelo fortalece seu conceito. A campanha é sobre mobilização e conscientização, de forma preditiva e propositiva. A origem do movimento começa com Mike Emme, nos Estados Unidos.
Jovem, carismático e apaixonado por carros, desfilava com um Mustang 68, que o mesmo restaurou e pintou de amarelo, bem chamativo, tal qual sua personalidade. Em 1994, Mike cometeu suicídio aos 17 anos. Ninguém fazia ideia do que se passava, zero sinais de que aquilo poderia acontecer.
No funeral, fitas amarelas com a mensagem “Se precisar, peça ajuda”, foram distribuídas por todo o salão. A ação ganhou grandes proporções e logo alcançou todo o país. A fita amarela foi escolhida como símbolo do programa de conscientização preditiva contra o suicídio.
Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o dia 10 de setembro para ser o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. O amarelo do Mustang de Mike é a cor escolhida para representar essa campanha.
Problemas de saúde mental e tentativas de suicídio não tem rosto, cor de pele, gênero ou classe social. Pode acontecer com qualquer um, até mesmo aqueles que ocupam talvez as cadeiras de maior sucesso.
Gustavo Arnal, executivo de 52 anos, ocupava desde 2020 o cargo de CFO na varejista Bed, Bath & Beyond. Em setembro de 2022, Gustavo se jogou do prédio onde morava em Nova York. Tinha uma grande cadeira, mas saúde mental não é regida pela ordem dos privilegiados.
Sua contratação tinha como foco reestruturar a companhia, que cada vez mais se afundava em dívidas e não conseguia fôlego para se recuperar. Dias antes de sua morte, apresentou ainda um plano de recuperação a investidores da empresa, com um financiamento de US$ 500 milhões, fechamento de 150 lojas, além de corte de 20% da sua força de trabalho.
Essas mudanças poderiam economizar US$ 250 milhões em seu ano fiscal.
“Arnal foi crucial para navegar estrategicamente pela pandemia, transformando a base financeira da empresa e construindo uma equipe forte e talentosa”, segundo a Bed Bath & Beyond, em comunicado.
É preciso tomar cuidado nesses casos. A Bed, Bath & Beyond não é a causa mortis de Gustavo Arnal. Existem diversos ângulos, os quais só quem conviveu com o protagonista dessa história consegue decifrar em algum detalhe.
O contexto corporativo pode ter atenuado um estado de estresse, ansiedade e depressão, mas não conta toda a história. É verdade que o executivo teve que manobrar uma balsa. Mas quantas ele precisava ao longo das perspectivas do seu dia? É preciso estar atento. Existe ainda o elefante na sala COVID-19 envolvido no meio de seu processo de integração.
Reflexo disso está na tão falada Grande Demissão: uma pesquisa da Deloitte, com 2,1 mil profissionais desses níveis nos EUA, Canadá, Austrália e Reino Unido, mostra que 70% dizem ter interesse em deixar seus cargos.
Entre as razões para essa mudança estariam: as faltas de apoio da empresa e cuidado com o bem-estar — basicamente o mesmo motivo apontado por funcionários que pediram demissão nos últimos meses.
Além da pressão por desempenho, esse tipo de função torna a vida, muitas vezes, solitária. A responsabilidade da cadeira de liderança é silenciosa. Ainda mais quando exigem uma liderança de alta performance.
Esse é um deles. Arnal viveu uma pandemia, pilotou um transatlântico, teve um burnout e chegou ao extremo das vias de fato.
Em um estudo, o Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos constatou um aumento de 35% na taxa de suicídios no país, no intervalo entre 1999 e 2018. Um aumento recorrente e consistente de aproximadamente 2% ao ano desde 2006.
Em 2018, o Health Care Cost Institute elaborou um relatório que mostrou que os gastos por pessoa em internações psiquiátricas aumentaram 33% entre 2014 e 2018, enquanto os gastos ambulatoriais em psiquiatria cresceram 43%.
Entre 2007 e 2017, a porcentagem de reclamações médicas associadas à saúde comportamental (tanto doenças mentais quanto vícios) mais que dobrou.
Outra pesquisa de 2018, esta realizada pelo Conselho Nacional de Saúde Comportamental dos Estados Unidos, revelou que 42% dos entrevistados citaram o custo e a cobertura de saúde mental como barreiras para a realização de tratamentos. Para além desses argumentos, o estigma social afasta o cuidado.
Um estudo de 2019, publicado no Journal of Clinical Psychiatry, descobriu que esses três elementos (custo, cobertura e estigma social) era de fato uma barreira para 62% das pessoas com transtornos de humor, 76% das pessoas com transtornos de ansiedade e 81% das pessoas com transtornos associados a uso de substâncias.
Em setembro de 2019, segundo os dados nacionais do Google Trends, a nota atribuída à palavra “Saúde Mental”, em uma escala de 0 a 100, era de 32.
Os últimos dados disponíveis atribuem a nota 64 ao interesse de pesquisas sobre “Saúde Mental”. O dobro dos disponíveis pré-pandemia.
Em uma pesquisa recente da consultoria Pew Research Center, 73% dos entrevistados da amostragem de pesquisa relataram se sentir ansiosos pelo menos alguns dias por semana desde o início do isolamento social.
Entre meados de fevereiro e meados de março de 2020, as prescrições de medicamentos ansiolíticos aumentaram 34% nos Estados Unidos. Com base na análise da consultoria McKinsey & Company, a pandemia da COVID-19 ainda pode resultar em um aumento potencial de 50% na prevalência de condições de saúde comportamental.
Não é um tema novo, mas cada vez mais visível e alarmante. Tratemos com a seriedade devida. Na redação de um texto, são apenas estatísticas. No mundo real, são pessoas sofrendo de diversos tipos de transtornos mentais, que afetam suas carreiras e suas vidas pessoais.
Em condições normais de temperatura e pressão, são 8 horas, 5 dias por semana de trabalho. Isso equivale a 40 horas, das 168 horas disponíveis semanais. Dessas 168 horas totais, subtraia 48 horas, que são a contrapartida básica do final de semana. 120 horas semanais de vida.
40 horas delas são dedicadas inteiramente ao trabalho. Sobram 80 horas. Se você dormir pelo menos 8 horas por dia, subtraia ainda mais 40 horas. 40 horas semanais para dar conta de ir ao mercado, ir na academia, cuidar da rotina familiar, resolver problemas fora da jurisdição do trabalho, resolver problemas que excedem o tempo do trabalho.
Muitas vezes, para muitos contextos, essa conta não fecha. E a panela de pressão começa a apitar. Como, então, fazer para cuidar da saúde mental com todos esses pratinhos sendo equilibrados paralelamente? Como executar a manobra e controlar a ansiedade ao mesmo tempo?
A pandemia da COVID-19 acelerou algumas metodologias de trabalho, entre as principais que podemos citar para essa linha de raciocínio, o home office e a cultura híbrida.
Em um primeiro momento romantizadas, dados e estatísticas começam a mostrar o ônus do isolamento e de um convívio excessivo do ambiente doméstico mesclado com o de trabalho.
O The Guardian revela que quem atua remotamente está trabalhando por mais horas ao longo dos dias e isso está afetando diretamente sua saúde mental. Não ter o comparativo de um expediente e confundir isso com flexibilidade te faz passar trabalhar mais, argumenta o artigo.
Além, a rotina incessante e excessiva com agentes familiares e parceiros pode criar um ciclo ocioso e vicioso de inércia para dentro de casa. Tira um pouco do tato social e das relações interpessoais.
Uma pesquisa mostrou que, dentre uma amostragem de entrevistados com menos de 35 anos de idade, 81% temiam a solidão do home office a longo prazo. Outros estudos respaldam com níveis elevados de estresse e ansiedade entre os profissionais mais jovens desde a mudança para o trabalho remoto.
Se antes era romantizado, hoje pode não funcionar para muita gente. Mas esse é um contexto que funciona também do outro lado da moeda. A aceleração da metodologia de trabalho híbrida ou remota permitiu um alargamento da contratação de talentos.
Expandiu fronteiras e permitiu que o mercado não ficasse tão regionalizado. Permitiu também liberdade aos colaboradores para exercerem suas funções de diferentes lugares do país (e até do mundo), realizando sonhos e nutrindo exercícios que estão diretamente ligados à saúde mental.
Um só contexto não funciona para todos. O ideal agora é estudar as possibilidades, analisar os diferentes cenários e, desde que haja o devido alinhamento e que as entregas estejam sendo feitas a contento, permitir que as pessoas trabalhem com as condições que lhes forem pertinentes à saúde.
Ainda assim, porém, é importante pensar em momentos de interação presencial com as equipes. Incentivar colaboradores remotos a usarem espaços de coworking, bem como planejar eventos periódicos para que todos estejam juntos no mesmo espaço, estreita os laços e fortalece a cultura organizacional.
O bem-estar psicológico pode afetar diretamente a probabilidade de uma pessoa engajar-se em comportamentos saudáveis e de autocuidado.
Pesquisas mostram que o estresse e a depressão causam alterações fisiológicas, como alterações metabólicas, endócrinas e inflamatórias, que são marcadores e preditores de doenças.
A ideia de que a mente afeta o corpo não é nova, mas a ciência da psiconeuroimunologia está revelando em detalhes os caminhos que ligam as mudanças no cérebro aos efeitos no sistema imunológico.
Um artigo que relaciona estresse, depressão e sistema imunológico observou que o estresse psicológico pode regular várias partes da resposta imune celular.
A comunicação entre o sistema nervoso central e o sistema imunológico ocorre por meio de mensageiros químicos secretados por células nervosas, órgãos endócrinos ou células imunes, e estressores psicológicos podem interromper essas redes.
Planta que não é regada, padece. Você precisa cuidar do cérebro, para cuidar do corpo.
Segundo Bruno Van Enck, ao podcast Extremos, do G4 Educação, “muitos empreendedores se interessam mais pelo fim do que pela jornada”. Mas complementa: “empreendedores de sucesso são os que se apaixonam pela jornada, não pelo fim”.
Seu fator de identificação é a realidade. Sabe que o “se apaixonar pela jornada” não funciona exatamente com as mesmas regras para todo mundo. Muitos precisam “enfrentar a jornada” – e essa, de fato, fora sua realidade ao longo do maior recorte de sua vida.
Isso o levou a um burnout. Ouviu de seu médico que tinha como única perspectiva de vida seu trabalho; precisava criar hobbies, precisava aprender a “se apaixonar pela jornada”.
É sobre isso. Abrimos essa seção falando sobre as horas que sobram e que elas muitas vezes são escassas. Mas é necessário achar um tempo para fazer algo por você, para se apaixonar por uma jornada, para te motivar e te tirar de uma única perspectiva vortex de vida.
Exercício está no topo da lista de prioridades para aqueles que querem cumprir com o requisito anterior: cuidar do cérebro e cuidar do corpo. Pode te ajudar a se apaixonar por uma nova perspectiva, engajar em novas metas. Nunca é algo de tiro curto. Talvez seja o que você precisa.
Jovens entre 18 e 25 anos revelaram em um estudo maior disposição a falar abertamente sobre saúde mental e assistência. Na outra ponta, empresas estão reconhecendo os custos associados à negligência do cuidado de seus colaboradores.
Esses precisam e exigem cada vez mais recursos para ajudá-los a lidar com os problemas que permeiam suas vidas, visto que, grande parte das horas úteis de suas semanas são gastas no ambiente de trabalho.
Se você está passando por um momento difícil e percebe que não consegue lidar com suas batalhas sozinho, busque ajuda, seja com um familiar, um amigo, um colega de trabalho, com seus gestores, ou preferencialmente com um profissional.
O apoio psiquiátrico e psicológico é vital para superar quaisquer transtornos ou receber o diagnóstico correto para um tratamento assertivo. Por mais complicada que seja a situação, há sempre uma saída.
O artigo “New perspectives on human resource management in a global context”, de Rosalie L. Tung, publicado no periódico Journal of World Business, traça um mapa bem sólido sobre o que deve ser o gerenciamento de pessoas e de equipes no futuro.
Aliás, é enfático em dois pontos: times multiculturais e o conceito de brain circulation, o qual refere-se ao movimento circular de mão de obra qualificada entre diferentes países. No final, o que as tendências mostram são ambientes corporativos cada vez mais diversos e complexos de serem gerenciados.
Colocar a saúde mental como pilar da sua cultura organizacional é um imperativo de gestão estratégica de pessoas nesse contexto cada vez mais volátil. Você precisa fazer com que todo o time esteja no mesmo timbre e se sinta seguro para trabalhar à vontade.