"O público quer assistir a momentos autênticos". É assim que um estudo da CVENT, nos Estados Unidos, define como as empresas deveriam pensar na hora de criar festivais, shows, feiras, festas e todo tipo de evento aberto ao público. É a mesma direção que restaurantes, cafés e outros estabelecimentos consideram quando postam nas redes o que o cliente vai encontrar. O que as pessoas buscam é uma experiência, mas para que ela seja relevante e ajude a criar memórias, as marcas precisam ir muito além de apenas "oferecer algo momentâneo". É preciso criar uma conexão real e genuína com os clientes.
Quem diz isso é Ewerton Mokarzel, CEO e sócio na FutureBrand São Paulo. Para ele e sua equipe, que mantém o dedo no pulso de tudo que envolve marcas e clientes, a experiência pode diferenciar e elevar uma marca. Mas para que isso aconteça, é preciso partir de algo verdadeiro. Porque se for fake, diz, vai aparecer. "A experiência bem-feita te deixa em uma posição única e se torna algo difícil de copiar. Ou se alguém copiar vai ficar falso, vai ser apenas a versão da outra marca", afirma.
No ano passado, uma pesquisa apontou que 50% das pessoas estavam dispostas a aumentar em até 20% seu orçamento para reservar um hotel ou espaço de eventos de sua preferência, por exemplo, para criar uma experiência mais personalizada. O que faz todo sentido porque quando se trata de eventos presenciais, o nível de envolvimento do participante é uma das métricas que mais pesam na hora de medir o sucesso.
"Como é que a gente envolve as pessoas em uma mensagem que faz sentido, que é coerente com os meus valores, com o que eu quero fazer, com o que eu quero promover de experiência?", questiona Mokarzel. A resposta para essa reflexão e tantas outras são o core da conversa que você vê a seguir.
Como você enxerga esse momento em que vivemos praticamente uma corrida pelas experiências físicas em viagens, shows, eventos, festas, restaurantes e até cafés? Estamos experimentando uma supervalorização das conexões humanas que é parte de um movimento ou será apenas um hype?
Eu acredito muito em experiência. É uma maneira dos negócios e das marcas se diferenciarem, criarem conexões reais com seus consumidores. Mas a experiência está se tornando uma palavra da moda e isso traz uma parte boa e outra ruim. A parte boa é que muita gente e muitas marcas estão construindo uma relação. A parte ruim é que o significado vai se esvaziando e pode até se tornar pejorativo.
Digamos que um restaurante lança um novo prato ou faz uma pirotecnia, por exemplo, para atrair clientes. Isso não garante uma diferenciação de longo prazo. Você pode pensar que vai oferecer um serviço incrível que vai te diferenciar dos concorrentes – e serviço é uma coisa que pode te diferenciar das coisas básicas –, mas aí chega uma marca com um investimento de US$ 1 bilhão e vai fazer melhor do que você.
A experiência bem-feita te deixa em uma posição única e se torna algo difícil de copiar. Ou se alguém copiar vai ficar falso, vai ser apenas a versão da outra marca. Esse lugar que a boa experiência ocupa é um lugar poderoso de diferenciação, mas se você cair em modismos, pirotecnia ou experiências irrelevantes pode se tornar perigoso.
De que tipo de perigos estamos falando?
Toda tendência é pendular: de um lado você cria algo, essa coisa cresce e do outro tem uma contra força. Há algum tempo nós vimos vários restaurantes proibindo a entrada de [influencers do] TikTok porque eles postavam, aparecia um monte de gente, fila na porta e o restaurante não dava conta. É a curva do hype, em que você lança um produto ou novidade, vai bombar duas semanas e depois desaparecer rapidamente. Porque depois que você chega lá no alto, não tem outro jeito, vai rolar ladeira abaixo – e pode acabar no cemitério dos memes. É o que eu chamo de “morrer de sucesso”.
Uma marca séria, que pensa em oferecer uma experiência relevante, consistente e coerente por muito tempo, usaria isso com mais cuidado. Para alguém que foi até o restaurante para viver uma experiência incrível, chegar lá e dar de cara com uma fila gigante já estragou. No meio do jantar romântico, você olha do lado e as pessoas estão cada uma no celular. Aos poucos, a experiência vai sendo destruída.
O pior é que isso é muito comum, você vai ao show e as pessoas ficam no celular em vez de curtir a banda. Qual é o caminho que as marcas devem adotar para elevar e preservar a experiência?
O caminho é olhar para o que é relevante e tem a ver com aquela marca, com a proposta de valor que ela quer trazer para as pessoas. Eu acho que é um território muito importante, mas tem que ser pensado com cuidado. Como é que a gente envolve as pessoas em uma mensagem que faz sentido e é coerente com os meus valores, com o meu propósito, com o que eu quero promover de experiência? É quando eu entendo que a experiência é uma maneira muito legal de conectar as marcas com as pessoas.
Há uns anos, a marca era aquela coisa top-down, “Eu sou a marca, eu te dou esses conteúdos, faço a comunicação de cima para baixo”. Hoje, a gente vê um movimento de marcas se inspirando no uso que os consumidores fazem do produto ou serviço para criar conteúdo e para se reinventar. Quando a gente entende que a experiência é a maneira de conectar esses dois lados e fazer essa troca não ser somente uma coisa unilateral, tem um ganho enorme. É uma relação de troca muito mais real com as pessoas e as marcas que fazem isso ganham um exército de defensores. É algo único, verdadeiro, e não é algo passageiro.
Quando você mencionou o exército de defensores, eu me lembrei imediatamente do trabalho que a Sallve fez com seus consumidores desde o início. A marca ouvia o feedback sobre o produto, melhorava e depois lançava em primeira mão para quem tinha contribuído. Esse feedback serviu de base para vários produtos que surgiram a partir da demanda dos consumidores e ajudou a marca a se posicionar muito rapidamente.
Como a gente faz uma marca ganhar vida? Não é falando o que ela acha que é. Eu sempre brinco que você pode criar uma marca e escrever lá, “Sou uma marca engraçada”. Não, não é uma marca engraçada, você faz rir. Se você escreveu “Eu sou engraçado”, você não conseguiu fazer isso. E eu vejo as empresas muito nessa, “Ah, eu tenho qualidade”, “Eu faço a diferença”, mas me prova, me faz rir, mostra a qualidade.
Quando você cria algo que é genuíno, a coisa acontece. Estou falando das coisas que a marca acredita e com as quais as pessoas se identificam. É menos um pensamento linear do tipo “eu faço isso e vou gerar aquilo”, em que a gente aproveita as oportunidades que aquelas interações vão trazer e aprender com isso. Tem um estilo de vida em torno daquilo, tem defensores.
Para construir essa experiência mais verdadeira, as marcas teriam de ceder mais o controle e isso deve ser muito complicado. As empresas se preocupam em perder o controle, afetar a performance, as métricas. Como você enxerga isso?
As marcas nunca são nossas, de quem está criando, da agência ou da empresa. Pensando nas grandes marcas, no que a gente gostaria que uma marca chegasse a ser, a gente está falando de marcas que são desejadas – e essas pertencem às pessoas. São marcas com orientação de proposta de valor de uma ponta à outra em tudo que se faz. Quando isso acontece, elas ficam coerentes e acabam juntando as pessoas que pensam da mesma maneira.
Como empresa, você perde o controle do fiscal que carrega o livro embaixo do braço, mas do outro lado você ganha muito em inspiração, em conteúdo autêntico. É claro que sempre há riscos da coisa sair do controle, para o bem ou para o mal. Mas normalmente quando vai para o mal é porque a marca está querendo surfar uma onda que não é dela, pegando uma tendência que não tem nada a ver só para aparecer. Quando é autêntico, a coisa vai ter uma legião de defensores que podem até expulsar esses outros que não fazem parte da “festinha”.
Recorde de venda de ingressos no Lollapalooza, turnês esgotadas, festas… Temos visto uma procura grande das pessoas por experiências físicas. Do outro lado, o digital só cresce. Estamos vivendo o tudo ao mesmo tempo agora?
Acho que a gente quer tudo do nosso jeito, na nossa hora, da melhor forma. Acho que o que o consumidor quer é esse poder de escolha da experiência que ele vai ter. E aí temos os extremos. Tem aquela foto famosa da virada de ano em Paris, em que todo mundo estava lá para viver a experiência, mas você só vê celulares ligados apontados para o Arco do Triunfo – e ninguém vivendo o momento. Acho que hoje a gente está mais preocupado, talvez, em postar as fotos para alguém ver. As coisas estão um pouquinho fora do controle.
Acho que em breve vamos perceber que a gente precisa viver de fato a experiência. De vez em quando eu vou pedir comida para entregar em casa, o mais rápido possível, e em outros momentos vou até o restaurante para passar três horas saboreando o menu degustação e está tudo bem.
Você falou bastante da experiência como essa conexão entre a marca e as pessoas. Quais são os elementos para criar essa experiência?
Isso passa pelos momentos clássicos de definição de um projeto: entender seu público, o que você faz, seus diferenciais, suas qualidades, seus benefícios, o que você gera. As empresas têm muita dificuldade em pensar com a cabeça do consumidor. Elas pensam muito mais em se auto elogiar, falar de suas qualidades, “eu tenho isso, tenho aquilo” e pouco dos benefícios que geram para as pessoas. Por que eu escolho essa marca e não a outra? É preciso passar por esse exercício de “é menos o que eu sou” e “mais o que eu gero para as pessoas”.
Hoje em dia, nessa busca por relevância, a gente tem que pensar como aparecer na primeira tela do celular. Você só vai conseguir se você for uma marca relevante ou oferecer uma coisa que realmente faça a diferença na vida da pessoa. Feita essa identificação de o que e como quero gerar valor, o que eu quero levar de benefício, eu posso exercitar o que fazer na prática, como isso será visto no dia a dia. Essa é a maior das empresas, que é entender como o consumidor está percebendo aquela experiência. Você pode falar, pode metrificar, achar que está fazendo tudo certo, mas está sendo percebido completamente errado.
Você considera essa questão de não entender a conexão que o público faz com a sua marca o principal erro?
Isso varia um pouco da indústria, mas acho que levantar da cadeira e conhecer o público é uma coisa que todo mundo deveria fazer. Conversar com o consumidor vai revelar coisas que você não imagina – e que depois vão parecer quase óbvias quando você acompanha a experiência. Tem uma coisa de olhar muito para dentro, olhar para o umbigo, dar mais importância aos problemas da operação e da estrutura interna do que para fora. Por exemplo: cartão de crédito. Você tem um problema, liga para o atendimento e alguém vai dizer: “Não, não é comigo, é com a bandeira”, o outro “Não, é com o emissor”, “Não, é o adquirente”. Eu sei lá se o problema é com o banco, adquirente, emissor, bandeira, a maquininha, eu só quero saber por que o cartão não passou. É uma coisa que está mudando, mas ainda é uma grande dor para as empresas.
Velocidade também é um problema. Quanto maior a empresa, mais difícil é mudar o rumo.
Todo mundo sabe que ser relevante é uma coisa difícil. Se você não se adequar sempre, a coisa muda e você pode ficar para trás. Antigamente, você tinha um plano estratégico, plano de marca de cinco anos. Esquece! Você hoje planeja e muda tudo de uma hora para outra e muitas vezes tem que começar de novo. É uma coisa muito menos linear, de começo, meio e fim e mais constante. Você vai se inspirando nas coisas que vão acontecendo. Acho que os gestores também já perceberam isso, mas têm uma dificuldade de botar em prática. Mas as marcas já entenderam que precisam se movimentar.
A democratização da Inteligência Artificial, com ferramentas como o ChatGPT e o Bing AI se tornando acessíveis, podem ajudar a encontrar mais facilmente esses pontos de conexão? Que tipos de tarefas a IA vai ajudar a fazer?
Acho que sim. Eu vejo a IA como algo bom, que veio para ficar. Na FutureBrand, nós usamos bastante para análise, levantamento de dados, correlações, praticamente em tudo. Treinamos a IA Generativa para ajudar com imagens, textos, tom de voz, adequação, linguagem de marca. Ainda está no comecinho, tem muita coisa legal para fazer em cima disso.
Com IA você consegue customizar, clusterizar, segmentar, definir comunicações mais precisas. A IA ainda não consegue fazer aquilo que é brilhante, fora da curva – talvez com o tempo. O que nós teremos será um mainstream mais alargado, ou seja, um monte de marcas com experiências médias e poucas experiências boas. Fazer algo mal feito vai ser difícil por causa do ajudante bacana.
De qualquer modo, a conexão entre marcas e pessoas vai continuar no centro dessa construção com a IA. Ela vai ajudar a criar memórias, que no fundo é o que a gente quer guardar de tudo o que faz.
A gente viu um boom de shows, eventos, festivais, restaurantes, viagens, tudo isso voltou muito forte no pós-pandemia porque as pessoas estão buscando essas experiências mais verdadeiras. Para além do verdadeiro, acho que é um escape, um contraponto porque ficamos presos durante um período e agora temos essa necessidade de estabelecer conexões verdadeiras. E não acho que é um movimento que acontece só no Brasil, no mundo inteiro a indústria cresceu demais nos últimos anos.
Eu não acho que seja um movimento pendular, do tipo “ah, a gente ficou muito tempo sem sair e agora já passou”. A coisa continua crescendo em volume de mercado, tanto que as marcas estão querendo surfar essa onda. De novo, é a coisa do limite. Mas acho que os negócios já perceberam que ninguém vai ficar sentado vendo YouTube na TV ou no celular em um festival, achando que aquilo vai encantar. É preciso realmente oferecer algo único que vai despertar essa memória ou essa conexão real, e isso vai ser uma experiência.